Capa | Revista 01 | Revista 02 | Revista 03 | Revista 04 | Revista 05

MENU

Editorial
Formação Profissional
Inovar e Modernizar
X Congresso CFAE
Arronches
etwinning
EscolActiva
Elvas N. 1
Evoluindo e Modernizando
Marvão
Cultura e Cooperação
Intervir no Autismo
Incluir para Educar
Cristovão Falcão
D. Sancho II
D. Sancho II - Que Futuro
Mouzinho da Silveira
São Lourenço
Alea jacta est
Pesoal Não Docente
Entrevista
Notícias
Formação
Cartoon

 

A abordagem cultural para o estabelecimento da cooperação entre as estruturas educativas: da base ao topo

Teresa Guerreiro
Agrupamento de Escolas de Vila Boim

 Procuraremos apresentar nesta breve reflexão a perspectiva de uma nova abordagem às mudanças em educação: a abordagem cultural. Considerando que nenhuma mudança é verdadeiramente eficaz se não tiver em linha de conta a cultura de cada escola, que resiste e persiste, por maior que seja a empresa de normalização e uniformização de todas as escolas, e sendo a cultura de cada escola o conjunto dos valores, crenças e hábitos que regulam a vida quotidiana, bem como as relações entre as pessoas, a gestão e conservação dos espaços e tempos e toda uma série de factores, reais ou simbólicos, que estão na génese da vida de cada escola, importa compreendê-la e tê-la em consideração quando se pretende implementar qualquer reforma ou mudança que seja, sob risco de não se verificar mais do que falhanços atrás de falhanços (ainda que com a aparência de sucesso, de cumprimento das reformas).

É fundamental que se estabeleçam pontes entre as culturas das escolas e as estruturas de topo, prestando atenção às divergências entre ambas, se não for encetada uma política de acção concertada que vença as desconfianças, as defesas e o natural conservadorismo patente nas escolas e nos professores, através de acção concertada, indo além de uma perspectiva tecnológica da mudança (que apenas tem em linha de conta o estabelecimento de regras e normas pelas estruturas de topo, a sua comunicação/ imposição às escolas e a assumpção de que essas serão naturalmente postas em prática) ou ainda da perspectiva política (que tem em conta a dimensão conflitual de toda a mudança, mas não vai além desta consciência).

Importa, talvez, detalhar o conceito de cultura de escola (que é um processo de construção e conceptualização, individual e colectiva, a partir de um fundo cultural comum, feito através de formas constantes, formais e informais, de comunicação, partilha e aprendizagem, menos ou mais abertas ao exterior)explicando que este consta de uma forma dominante de relações profissionais entre os docentes, a qual determina e especifica a cultura de escola, e que pode serclassificada[1]pela descrição decinco formas distintas dessas mesmas relações: o individualismo (atitude descrita pelo famoso “cada um por si”, constando de um fechamento que protege de críticas e possíveis injustiças mas também veda a recepção de elogios e apoios, que isola e cega), apontado como dominante nas escolas, a balcanização (descrita pela expressão popular das chamadas “capelinhas” que constituem grupos separados, frequentemente em competição ou conflito, onde a tomada de decisões que incluam todos os docentes é particularmente difícil e existe a discriminação e elitização de umas áreas disciplinares em detrimento de outras), a “grande família” (situação aparentemente ideal mas que contém em si “coletes de força” que constrangem cada docente a aceitar determinado modus vivendi ou a ser dele excluído e onde se verifica uma forte partilha pessoal mas parca a nível profissional – na vigência de um código implícito de não ingerência na vida profissional), a colegialidade forçada (assente na imposição, pela institucionalização, formalização e burocratização administrativa do trabalho cooperativo, ignorando as personalidades e as iniciativas espontâneas de cooperação, provocando sobrecargas de trabalho aos docentes e a consequente fuga, sempre que possível, a todo e qualquer trabalho extra) e a cooperação e interdependência (onde se verifica a abertura e é criado um clima que favorece – e não impõe - a efectiva partilha e discussão de ideias e recursos, a cultura da exigência, o acordo alargado sobre os valores educativos e coerência entre objectivos e práticas, na vigência compreendida e aceite de uma missão comum a toda a comunidade educativa), sendo que esta última é a que contém as melhores hipóteses de levar a cabo qualquer mudança educativa da maneira mais profunda, adequada à especificidade de cada escola e efectiva.

Apesar dos muitos obstáculos existentes (a fraca autonomia dos professores e das escolas nas tomadas de decisão, submetidos ambos a regras nacionais, a formação inicial dos docentes “defeituosa” e solitária, a falta de estruturas que encorajem a colaboração, a imprevisibilidade de trabalhar em grupo ou o carácter não prioritário que esta questão tem junto das administrações escolares), surgem também, pouco a pouco, os factores favoráveis: a progressiva consciencialização de que o trabalho em equipa constitui uma mais-valia, um recurso valioso e uma fonte de autonomia e que a interacção e a interdependência do trabalho docente são as melhores formas de dominar qualquer evolução ou mudança.

Concluimos esta reflexão deixando um alerta: a criação de uma cultura de cooperação é importante mas não suficiente para que o sucesso das mudanças educativas seja automático, sendo antes um sólido e recomendável ponto de partida para tal – mas não mais do que isso!Só reconhecendo e valorizando a diversidade de realidades, mais do que a uniformidade de actuações, aceitando o provisório como o que é verdadeiramente permanente e mantendo atitudes de espírito crítico e realismo, recusando desconfianças, efeitos de fachada e mecanismos de defesa, de parte a parte (as escolas e as estruturas de topo) é que qualquer mudança é possível. Só dando tempo a que as mudanças propostas se efectivem, porque quando há pressa em implementar reformas, é particularmente difícil a vigência de qualquer perspectiva cultural, do espírito de cooperação e interdependência (é preciso tempo para que tudo se faça, se interligue, se entreajude e faça sentido), é que é possível reformar e melhorar o que quer que seja.

 1]Vide o artigo “Relations professionnelles et culture des établissements scolaires: au-delà du culte de l’individualisme ? », deMonica GatherThurler, in Revue Française de Pédagogie, nº108, pp.19-39.