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O carnaval do ensino

António Jacinto Pascoal
Agrupamento de Escolas N.º 1 de Portalegre

As recentes declarações de Maria do Carmo Vieira, na TVI 24, sobre o estado do ensino e sobre a impreparação de muitos professores caíram como petardos no seio docente. Houve prontas reacções ao discurso daquela professora e muitas delas pouco abonatórias. Carmo Vieira tocou num dos calcanhares de Aquiles da educação: a formação de base de docentes de 1º ciclo ministrada pelas Escolas Superiores de Educação, cada vez mais distanciada dos conteúdos e a apostar na forma e no embrulho (e que dizer da formação transversal de docentes de 2º ciclo que contempla áreas de ciências e de humanidades em simultâneo?). No afã de se cativar os alunos na aprendizagem, os professores tendem a descurar o ensino. Mais aprendizagem, menos ensino. Esta é a nova equação dos tempos modernos. Mas como se pode aprender aquilo que não foi ensinado?

Em mais de vinte anos de ensino (não posso dizer que o tenha feito com excelência, rigor – nem posso deixar de pensar que por vezes tenha sido negligente), confirmo que o grau de exigência tido com os alunos com quem me fui deparando diminuiu drasticamente. Recordo-me de ser sucessivamente acusado de fazer testes difíceis (sempre me assacaram tal facto), tantas vezes mais complicados do que as provas de exame de 9º ano ou dos ridículos testes intermédios. E, quando antes sentia toda a liberdade para elaborar testes cujas respostas exigiriam raciocínios abstractos com base nas indicações implícitas dos textos, hoje reconheço que uma camisa-de-forças a que chamaria auto-censura me impede de formular perguntas que consignem deduções algo complicadas. Nunca se tratou de fazer a vida negra aos alunos, mas de procurar elevá-los pelas aptidões que, mesmo no plano oral, lhes exigia. Concedo que estou a pactuar com a mediocridade já há algum tempo e tendo eu mesmo a afundar-me nela.

O que disse Carmo Vieira não deveria intrigar ninguém (nem o mais estupefacto (?) Medina Carreira): são factos. Pode, sim, mexer com interesses instalados e ferir susceptibilidades. E se fere – ainda bem que se fez o mea culpa da esquerda nacional que tanto contribuiu para o descalabro (e também eu me digo de esquerda). Mas há mais: aquilo que se vai passando nas escolas, a que em termos de terminologia educacional se dá o nome de “clima” de escola, é de bradar aos céus. Os alunos não respeitam os professores, não os tomam como adultos, não entendem regras, não são capazes de estar concentrados, desconhecem a importância do silêncio, não entendem que um raciocínio exige tempo, não falam sem atropelar o discurso dos colegas, nem entendem que o discurso é mais do que o emprego de frases inverosímeis e incompletas. Ao contrário, é vê-los (sobretudo no período da tarde) a correr e a jogar nos corredores, a achincalhar funcionários, a passar a mão no ombro de professores, a cumprimentar professores com uma cumplicidade de pares, a arrastar cadeiras, a boicotar aulas, a criar situações de conflito, a balbuciar monossílabos e a urrar. E o pior é levarem ainda os melhores por arrasto. Em resumo (e não foi tudo dito), faz-se da escola a feira.

Sobre o grau de exigência, adianto um caso concreto: outrora, dava-me ao luxo de obrigar os alunos a conhecerem todos os tempos verbais e a usá-los em frases com lógica. Mais tarde, percebi que era já um atrevimento exigir-lhes os tempos compostos do conjuntivo. Depois, comecei a compreender que para muitos o conjuntivo começava a ser uma nebulosa. Nessa altura, dei-me conta de que os tempos compostos do indicativo começavam também a ser um entrave. Resultado: sobravam alguns tempos do indicativo, o condicional (a que era sempre necessário dar o lamiré), o infinitivo (de preferência o simples) e o conjuntivo minimal e teórico. Para muitos alunos, há tempos verbais que não fazem sentido, porque ninguém usa ou “ninguém fala assim”. Na verdade, eles não estão habituados a conviver com esses tempos, porque também já não se escreve com a desenvoltura morfo-sintáctica de tempos passados e sobretudo porque não têm a rotina de leitura. Aliás, a leitura (regra geral) perdeu face à TV, vídeo, jogo informático e WEB.

Não é possível fazer muito diante de rapazes e raparigas que não estão predispostos para aprenderem. A cultura da exigência, porque é acidental, não vingará. Carmo Vieira pode berrar que ninguém a vai ouvir. Como ela disse, a TLEBS anda aí (disfarçada de Dicionário Terminológico) para complicar mais algo que já era um cadáver: a gramática. E o acordo ortográfico, ao contrário, encontrou uma aberta no meio da cultura do facilitismo. Nada a fazer, senão ter a consciência alerta e engolir.

O resto é o resultado de uma desgraça nacional. O novo ministro, Nuno Crato, começou já a contribuir para ela, ao permitir que as turmas possam ser ainda maiores. Poderíamos perdoar-lhe, não soubesse ele o que faz. Mas ele sabe o que faz.