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Editorial

Educar Sempre

A Minha Escola

- Crónicas de Aprender -

 

Entrevista

Cartoon

 


 

 

F  M  P  P  I c/s Neurónios

Joaquim Casanova
 

                                                  

Não é impunemente que se frequenta a escola mais de quarenta e seis anos!...

Um dia destes, tranquilamente sentado em 2012, olhava a escola à distância e resolvi, nem sei bem porquê, consultar o significado das palavras: escola; aprendizagem  e ensinar.

Para tanto, consultei o dicionário de Eduardo Pinheiro, editado pela Livraria Figueirinhas,  em 1948 (pouco antes do início da minha escolaridade), onde as definições são:

escola  - estabelecimento onde se ministra ensino; conjunto de alunos e professores; doutrina filosófica; etc.

aprendizagem   - tempo durante o qual se aprende; acção de aprender; treino; etc.

ensinar  - leccionar; dar a conhecer; instruir; educar; etc.

Depois, fui verificar os significados das mesmas palavras, no dicionário actual da Porto Editora:

escola  - instituição que tem o encargo de educar; edifício onde se ministra o ensino; conjunto formado por professores e alunos; etc.

aprendizagem   - tempo em que se aprende; aquisição de conhecimentos; etc.

ensinar  - transmitir conhecimentos; instruir sobre; doutrinar; etc.

Como podemos verificar, ambos os dicionários apresentam praticamente as mesmas definições para as palavras em causa.

Contudo, quem entrou para a escola em 1949/50 e por lá permaneceu mais de 46 anos, sabe que, embora as palavras sejam as mesmas, as realidades, relativas às épocas em que os dicionários foram editados, são substancialmente diferentes.

Para que melhor se possa ajuizar do que afirmo, recordo que, na pequena aldeia fronteiriça onde nasci, a escola (então) nova foi inaugurada, com pompa e circunstância, precisamente no início da minha escolaridade.

Lá estiveram as forças vivas da região, para abrilhantar a sessão solene, tecer os mais rasgados elogios às virtudes políticas do Estado Novo e distribuir presentes aos alunos – coube-me uma pequena caixa de cartão, com a forma de um paralelepípedo rectângulo, de um cinzento azulado, contendo meia dúzia de lápis de cor, marca “VIARCO” - !

Uma prenda tão singela, recebida com tanta alegria, foi guardada com o carinho de quem sabia que tinha, ali à mão, o segredo para construir o seu próprio arco-íris, sempre que quisesse…

A jovem professora chegou de automóvel, logo cercada pela garotada que raramente tinha oportunidade de apreciar alguma destas máquinas, de tão perto. Ficou instalada na humilde casa de uma pobre viúva, a cerca de 1000 metros do edifício escolar. Este, apesar de novo, não tinha energia eléctrica nem água canalizada.

As aulas tinham início às nove horas e, no Inverno, terminavam cerca das 16h/16h 30m, quando escurecia! Depois, o horário ia aumentando ao ritmo do crescimento dos dias!

Morava a cerca de 2Km da escola. Outros tinham que percorrer  5 ou 6 Km, carregando os livros e o almoço, ora sobre o gelo semeado pelos invernos rigorosos que provocavam o flagelo doloroso das frieiras, nas orelhas, nos pés e nas mãos, ora sufocando  ao  calor abrasador dos estios, que só o pequeno ribeiro amenizava…

A única turma existente era mista (um grande avanço para a época) e integrava alunos da 1ª à 4ª classe, ou seja, do 1º ao 4º ano.

Apenas havia o intervalo para o almoço. Comia-se o mais depressa possível para dedicar mais tempo aos jogos da bola, do pião, do eixo, etc.

A meio da tarde, começavam as cantilenas para memorizar a tabuada, as serras, os rios e respectivos afluentes, as linhas e ramais do caminho de ferro, a história, com destaque para reis, heróis e santos, etc.

De vez em quando, um ou outro dirigia-se à secretária da professora e tentava reproduzir, sem enganos, a ”gravação” dos assuntos que lhe tinham destinado para  estudar. Os que conseguiam iam sendo autorizados a sair, os outros ficavam até que a luz do dia o permitisse!

Aos sábados, carregavam-se baldes de água, de uma fonte que distava cerca de 100m, para lavar a escola e, quando necessário, regar as plantas do logradouro.

Geralmente, era também aos sábados que a professora passava revista às unhas, aos cabelos, orelhas e pescoços, para avaliar do grau de higiene e da existência, ou não, de parasitas.

Chegados ao fim do ano letivo, por volta de 15 de Julho, os alunos da 1ª e os da 2ª classe realizavam uma prova de avaliação, designada “prova de passagem”, que ditaria se o aluno transitava, ou não, para o ano seguinte. Os alunos das 3ª e 4ª classes eram submetidos a um exame, perante um júri constituído por três professores, realizado, normalmente na sede do concelho, constando de uma prova escrita e, no caso de aprovação, de uma prova oral.

Aquando da realização dos exames, vestiam-se as melhores fatiotas e, nesse dia, os pais não se atreviam a negar mais um pirolito ou um pacote de bolachas.

Os que “ficavam bem” (ficavam aprovados), mal chegavam à aldeia, faziam estralejar meia dúzia de foguetes, para que toda a gente ficasse a saber a boa nova!

Na aldeia ninguém tinha casas de banho e nem as retretes da escola nova eram utilizadas, por falta de água e de hábito!?

Jamais se ouvira falar em televisão e apenas uma família possuía um aparelho de radiotelefonia, alimentado por uma bateria e ligado a uma antena exterior constituída por um fio bastante extenso que subia até ao topo de um mastro, ligando-se depois, na horizontal, a um segundo mastro, colocado a razoável distância.  No entanto, ou porque o vento danificava a antena ou porque a bateria perdia a carga, raramente a voz rouca e sibilina do famigerado aparelho se fazia ouvir.

A maioria das pessoas apenas saía da aldeia por ocasião das feiras anuais das vilas e cidades mais próximas, quer para vender os produtos agrícolas que colhiam ou os animais que criavam, quer para comprar alfaias ou algum vestuário de que necessitavam.

O analfabetismo e a pobreza económico/financeira contrastavam   com a defesa dos valores morais e sociais que, por vezes, se confundiam. Honrar a palavra dada, agir honestamente, respeitar dirigentes e os mais velhos, ajudar vizinhos e familiares eram, entre outras, atitudes espontâneas, quase diria actos reflexos.

A trilogia médico, padre, professor era, à época, tida como símbolo de bens essenciais como a moral a saúde e o saber e, como  tal, aceite e respeitada.

Obviamente, a breve caracterização que referimos poderia perfeitamente encaixar em muitos outros locais do Portugal de então. Estamos conscientes  de que está longe de ser um trabalho exaustivo até porque o seu único suporte foi a memória.

 

Escuso referências aos dias que hoje vivemos, precisamente porque os vivemos. Todos sabemos as enormes transformações que tiveram lugar neste país, desde 1950 até aos nossos dias (sobretudo nos últimos quarenta anos).

Como referi no princípio, frequentei a escola mais de 46 anos, sendo que 12 foram como aluno e os restantes como professor e noutras actividades, no âmbito do Ministério da Educação.

Vivi, por dentro,  muitas das alterações feitas neste particular, mas foram poucas as que me marcaram pela positiva…

Dos muitos ministros da educação que vi passarem pela cadeira do poder, recordo apenas dois nomes: Veiga Simão e Roberto Carneiro.

Felizmente, conheci escolas que funcionavam muito bem, onde alguns senhores das hierarquias deveriam ter tido a humildade de ir colher conhecimentos para o seu próprio governo.

Outras, corroídas pelo vírus da indisciplina, por vezes a roçar a selvajaria, estavam impossibilitadas de desenvolver qualquer actividade proveitosa, com a agravante de a indisciplina dos alunos ser, por vezes, apoiada pelos próprios pais (leia-se aqueles que pouco mais fizeram que a fecundação).

Embora à distância, parece-me bem visível que têm vindo a ser praticadas políticas mais ou menos desastrosas, neste domínio, procurando transformar os professores em meros “manga de alpaca”, diminuindo-os perante a opinião pública e, deste modo, contribuindo para a indisciplina, quando não a agressão, conduzindo ao estado a que se chegou e que, obviamente, nos envergonha.

 

Mas, voltando à pesquisa inicial:  Será lógico manter o significado da palavra “escola” durante tantos anos , apesar das modificações levadas a cabo?

Vamos procurar novos sinónimos e definições?

Aí vai o meu contributo:  “escola” – indústria massificada de produtos pretensamente indiferenciados, apesar de poderem ter, ou não, neurónios.

Diz-se que a esperança é verde e que não morre.

Não profetizamos aqui a sua morte, mas gostaríamos muito que amadurecesse!...

                                                                                                

 

Ps: - Escrito sem atender ao acordo ortográfico do qual discordamos.