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O Menino Jesus num contexto cultural

José Barreiros
Agrupamento de Escolas do Bonfim

Fra Angelico, Graduel 558, folio 33v (détail), initiale R, Annonciation 

 

O menino Jesus de Praga

A Virgem de Fuso /Leonardo da Vinci

Fra Angelico (1387-1455), Vierge

 

Baciccio, G. B. Gaulli, Saint Joseph et l’enfant Christ

Triunfo do Nome de Jesus, de Giovanni Battista Gaulli, Igreja de Jesus (Roma)

No mundo ocidental, a época natalícia, celebrando o nascimento do menino Jesus, é um acontecimento intemporal de grande pertinência religiosa, sendo também alvo de diversas representações literárias, teatrais, artísticas e até de interpretações filosóficas. 

Nesta senda cultural, o museu parisiense Jacquemart-André apresentará a obra de Fra Angélico até meados de janeiro de 2014. Alguns quadros, direta ou indiretamente, convidam-nos a enaltecer os valores humanistas que envolvem este acontecimento. 

Amor desinteressado e puro, segundo Tzevetan Todorov, crítico literário e filosófico, está associado ao Natal. Essa imagem de pureza relacional e espiritual é visível no quadro de Baciccio, Saint Joseph et l’enfant Christ.

José, esposo de Maria e pai adotante de Jesus, não tece qualquer comentário que mereça a atenção dos santos evangelistas para que apareça transcrito na Bíblia. Não há uma palavra sua que seja reproduzida no livro sagrado. Assim, ao cultivar um silêncio sublime e desconcertante, os seus sentimentos pelo menino ganharam mais profundidade e dando um especial sentido à sua ação paternal, reforçando a sua santidade, a qual está ancorada à missão que Deus lhe dera: em vez de repudiar Maria, José deveria tomá-la por esposa e proteger o menino que vai nascer.

Obedecendo aos desejos de Deus, José tornou-se um referente e um modelo ético no âmbito da questão que é transversal a todas as épocas e sociedades – adoção de crianças. Esta atitude, nas sociedades atuais, implica sempre uma reflexão e, subsequentemente, uma ação.

Ao contrário da maioria das representações que nos apresentam São José numa pose demasiada séria e, por vezes, até triste, Baciccio mostra-nos que ele, com a paz na alma, é um homem doce e sorridente quando abraça o seu filho adotivo, assumindo a paternalidade plena. Nesta visão bacciciana, José viveu feliz, tendo em consideração o evangelho: «felizes são os que ouvem a palavra de Deus e a guardam» (Lucas 11, 28), isto é, a praticam quotidianamente.

Felizmente, o cristianismo, apesar de muitas adversidades e contradições praticadas por muitos dos seus membros, não abandonou a difícil luta pela dignidade humana e, nos dias de hoje, continua a insistir na apologia do espírito natalício e nos valores humanísticos – o elogio da família; a valorização da maternidade e da paternidade no contexto da procriação e na sua dimensão educativa; as relações de fraternidade; a celebração da vida através do nascimento da criança chamada Jesus; o milagre da encarnação, em que o Deus menino assume a sua humanidade, ou seja, o infinito que se torna finito; e, finalmente, a condenação da violência política e social que, naquele tempo, envolveu o nascimento da criança/menino que se tornou homem, isto é, Cristo.

Em Portugal, a matriz cristã influenciou vários escritores através dos tempos, valorizando a criatividade estética. Neste caso, convém recordar o Sermão do gloriosíssimo patriarca São José,1642, de Padre António Vieira, ou um dos muitos textos poéticos que Fernando Pessoa escreveu.

Então, eis a cândida beleza do MENINO, a qual, sendo traduzível em sublime visão poética, nos oferece um singular momento de feérica fruição.

 

POEMA DO MENINO JESUS

 

“Num meio-dia de fim de Primavera,

Tive um sonho como uma fotografia.

Vi Jesus Cristo descer à terra.

 

Veio pela encosta de um monte

Tornado outra vez menino,

A correr e a rolar-se pela erva

E a arrancar flores para as deitar fora

E a rir de modo a ouvir-se de longe.

 

Tinha fugido do céu.

Era nosso demais para fingir

De segunda pessoa da Trindade

 ……

No céu tinha que estar sempre sério

E de vez em quando de se tornar outra vez homem

E subir para a cruz, e estar sempre a morrer

Com uma coroa toda à roda de espinhos

E os pés espetados por um prego com cabeça,

E até um trapo à roda da cintura,

……

Um dia que Deus estava a dormir

E o Espírito Santo andava a voar,

Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.

 ……

 Depois fugiu para o sol

E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.

Limpa o nariz ao braço direito,

Chapinha nas poças de água,

……..

Rouba a fruta dos pomares

E foge a chorar e a gritar dos cães.

…….

A mim ensinou-me tudo.

…. “

Alberto Caeiro, Guardador de Rebanhos

Através das imagens que pretendem ser uma representação da infância de Jesus, verificamos que elas são efeitos de culturas/representações culturais, não atingindo veracidades objetivas e concretas: a cor da pele ou dos cabelos correspondem mais à dimensão física dos povos nórdicos ou da região lombarda da Itália do que aos povos semitas; a pose imperial do Menino Jesus de Praga contradiz a ternura maternal da Virgem de Fuso ou a pureza paternal de São José.

Nesta perspetiva, Baciccio impõe uma visão humanista da divindade de Jesus – um Ser simpático, feliz e bastante humano, ou seja, uma divindade que corresponde às expectativas do homem moderno, tal como acontece com o Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro.