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O gozo de aprender a brincar ou porque sou assim…
Adriano Capote … aprendi com o Dr. Renato que o professor podia brincar com os alunos sem perder autoridade. … aprendi com o Reitor, o Dr. Marcão (nunca fui seu aluno), que contar histórias aos alunos nas aulas de substituição – não tinham este nome e só aconteciam porque a minha sala, no 2º ano, ficava em frente da reitoria – construía uma relação de respeito e reconhecimento da autoridade e “livrava-nos” de mais “matéria”. A partir de 1 de Outubro de 1973 aprendi com os alunos da Escola Industrial e Comercial de Portalegre a conquistar e manter a autoridade que me permitiu brincar, trabalhar, ajudar, educar e ensinar. Não aceito a designação, por vezes experimentada, de técnico de educação para quem exerce a função do professor por ser ou tender a ser redutora no que se refere a comportamentos e ter cariz mais ou menos burocrático. Entendo que o professor, em toda a sua dimensão, deve criar uma base relacional com os seus alunos onde a amizade (q.b.), a conflitualidade, o à vontade, a confiança, a cumplicidade e o respeito se misturem, para nela colocar a competência que lhe permitirá conquistar a autoridade. Este pensamento foi construído desde o meu primeiro dia de aulas (1/10/1973), quando ao entrar na sala do 1º A ouvi uma aluna com 12 anos gritar: “ É o filho do Capote!”. - era neta de um trabalhador da Robinson, onde os meus pais e resto da família trabalharam e eu cresci, soube logo a seguir. Corei, pensei “onde me vim meter! que fazer?”, na meia dúzia de passos que dei entre a porta e a secretária. Não terei feito nada de especial, pois não me lembro, mas percebi no decorrer da aula que aquele comentário só queria dizer: “Sei quem és e quero(mos) gostar de ti”. Acontece que algumas alunas da turma eram jogadoras de basquetebol e no final dum jogo com a equipa do então Liceu Nacional de Portalegre uma delas veio alertar-me para o facto de uma colega estar a ser incomodada pelas jogadoras adversárias. Sem pensar, mas ao meu jeito, disse-lhe: “Vai lá e bate-lhes”. Minutos depois, com um sorriso radiante, a aluna vem dizer-me: “Já lhe dei”. Dei comigo a pensar que tinha conquistado a autoridade mas com soluções pouco recomendáveis. Mas o mesmo jeito de responder iria estar na origem, uns dias depois, da primeira grande lição sobre autoridade, respeito, cumplicidade, saber-estar e, principalmente, amizade na relação com alunos. Os 5 minutos finais das minhas aulas eram, normalmente, ocupados com o contar de histórias de estudantes e também da minha vida pessoal Sempre utilizei experiências pessoais ou familiares para ilustrar conteúdos programáticos que o permitissem. Durante uma aula do 1ºA uma aluna alertou-me para o facto de uma colega a estar a incomodar. Sem pensar, retorqui: “ E achas que eu sou polícia?” Ao que, de imediato, ela respondeu: “Não, mas tem cara de guarda- fiscal”. Entre a vontade de rir, o entender como falta de respeito e o deixar andar, optei por utilizar o episódio para impedir a repetição de tal “à vontade”. Do alto do estatuto e poder do professor anunciei o fim dos 5 minutos de histórias devido ao comportamento incorrecto da aluna. Má medida, porque eu também era castigado e, por isso, duas aulas e 40 minutos depois, aí voltava eu ao espaço de convívio. Só que a autora da “resposta pronta” não participava nele. Nem sorria. Perante tal comportamento, umas aulas mais tarde, pedi-lhe que entrasse na nossa conversa, pois eu não a queria fora do grupo e ela era igual às colegas. Desatou a chorar. Aprendi no choro da minha aluna que o erro era meu ao querer ser o único a poder brincar. Passei a provocar situações de respeito, confiança e responsabilidade tais que permitiram episódios como os que descrevo a seguir: Na primeira metade dos anos 80 do século passado, eu era professor de Economia de uma turma do 11º ano de que o Mário Ceia era professor de Matemática. Numa manhã, durante o período anterior às férias de Carnaval, o Mário avisou-me para ter cuidado com a nossa turma, porque na aula anterior, estando ele a escrever um exercício no quadro, começaram a rebentar-lhe debaixo dos pés os então habituais “estalinhos de carnaval”. Claro que os autores, a turma toda representada por 2 alunos, imediatamente e no meio de risos assumiram a autoria e a aula continuou. A turma era boa, responsável, educada e sabia brincar, os alunos que referi eram o delegado e subdelegado de turma e o Mário sabia, tão bem como eu, brincar. Claro que, para gozo da turma inteira, eu passei a andar nas aulas com os pés no ar e nunca tive nada a rebentar debaixo deles. Mas, porque desempenhavam cargos responsáveis, eram responsáveis. Um deles, o Delegado, ia passar o Carnaval a Sevilha. Na manhã da 6ª feira antes do Carnaval, eu, Coordenador dos Directores de Turma, com a cumplicidade do Eng. Malcata e da funcionária do piso, convoquei uma reunião com os delegados de turma para a 2ª feira de Carnaval, às 10 h, para tratar de assuntos graves e de forma urgente. Entre as 11 da manhã e as 4 da tarde dessa 6ª feira, o 1º andar e o Gabinete do Conselho Directivo, o delegado que já não ia a Sevilha e o sub-delegado que nunca mais o queria ser e tinha de vir de Castelo Branco, o gozo do Eng. Malcata, a “pena” da colega Deodata e o meu “quase-sadismo”, entre o saber rir e o saber pensar, o Carnaval foi comemorado na minha escola. No final da aula de Economia, às 4 da tarde, em frente da escola mas longe deles acabei com a “partida”, gritando-lhes: “Eu não vos disse que o último a rir é o que ri melhor?” E fugi porque eles vinham atrás de mim. A amizade, o saber-estar mas principalmente a responsabilidade eram elementos fortíssimos na relação daqueles alunos.
A mesma amizade, o mesmo saber-estar, a mesma responsabilidade e o mesmo sentido de humor teve uma aluna e eu também quando, durante um exercício, conforme designação da época, depois de por três vezes a ter avisado para guardar a cábula que tinha na mão, porque não o fez, lha retirei e abri para ver se tinha valido a pena. Com o olhar expectante da aluna e da turma cravado em mim li – só para mim – o seguinte e único texto: “Ah!Ah! caíu que nem um patinho”. Que privilégio ter alunos assim! Por isso passei os últimos anos a ensinar, também, os meus alunos a “gozar” com os professores. A inscrição custava uma coisa que se chama responsabilidade.
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