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A formação entre pares - relato de uma experiência benevolente

Alexandra Lopes
Agrupamento de Escolas de Campo Maior

No passado ano letivo, foi-me proposto pelo Centro de Formação de Professores do Nordeste Alentejano a dinamização de uma oficina de formação dirigida ao grupo disciplinar de Português da Escola Secundária de Campo Maior, ao qual pertenço. Tratava-se de uma experiência de trabalho entre pares que visava abordar o Programa de Português do Ensino Básico e os seus quatro Guiões de Implementação[1]. Após breve reflexão, decidi aceitar o desafio, tendo em mente duas emoções radicais: a benevolência intelectual face aos documentos que me cumpria descobrir e divulgar e a estima pelo grupo de formandas que tinha diante de mim.

Ao abeirar-me do agon onde desde sempre se digladiam a teoria e a prática, lembrei-me das palavras de Pessoa que, embora aplicadas à questão do comércio e contabilidade, podem ser importadas para outros negócios da nossa existência humana, nomeadamente a docência.

Toda a teoria deve ser feita para poder ser posta em prática, e toda a prática deve obedecer a uma teoria. Só os espíritos superficiais desligam a teoria da prática, não olhando a que a teoria não é senão uma teoria da prática, e prática não é senão a prática de uma teoria. Quem não sabe nada dum assunto, e consegue alguma coisa nele por sorte ou acaso, chama «teórico» a que sabe mais, e, por igual acaso, consegue menos. Quem sabe, mas não sabe aplicar -isto é, quem afinal não sabe, porque não saber aplicar é uma maneira de não saber -, tem rancor a quem aplica por instinto, isto é sem saber que realmente sabe. Mas, em ambos os casos, para o homem são de espírito e equilibrado de inteligência, há uma separação abusiva. Na vida superior a teoria e a prática completam-se. Foram feitas uma para a outra.[2]

 Quanto à metodologia seguida, ficou estabelecido que dividiríamos as sessões pala análise dos quatro Guiões (oralidade, leitura, conhecimento explícito e escrita), destinando cerca de quatro horas a cada um dos documentos, e que o restante tempo seria dedicado ao debate e à criação de materiais que espelhassem, pela sua originalidade, os conhecimentos entretanto adquiridos. Acordámos que, sendo o nosso grupo bastante restrito, as sessões se fariam com a presença de todos os elementos, ainda que isso nos levasse a dilatar no tempo as várias sessões. Estipulámos que trabalharíamos verdadeiramente em equipa, sem hierarquias, embora, como formadora, me estivesse destinada a missão de condensar a informação e orientar as atividades. Quanto à avaliação final de cada formanda, ficou combinada a elaboração de um relatório crítico e de uma unidade didática passível de ser lecionada ao terceiro ciclo do ensino básico.

Cada um dos tópicos tratados, por ser matéria da cultura humana, criou uma força centrípeta de saberes. Em grupo, escutámos música, relemos clássicos da literatura, descemos aos diálogos de Platão e subimos a picos de investigação académica muito recente, ouvimos podcasts, observámos vídeos no Youtube… Em suma, convocámos o mundo e, confesso, rimo-nos muitas vezes. O esforço do meu trabalho foi sempre alijado pela energia e pela inteligência das minhas colegas de departamento, que me auxiliaram na tarefa de transformar as horas tardias dedicadas às sessões em verdadeiros momentos de fruição intelectual.

O retorno da ação não podia ser mais gratificante. Destaco algumas das opiniões, aquando do balanço final: 

1.   O facto de estarmos juntas, trabalhando de forma cooperativa, tornou a ação muito mais soft, divertida e motivante. A troca de experiências entre pares revelou-se bastante benfazeja.  

2.   A oficina de formação ofereceu-nos tempo para reflexão, revisão e reforço de uma prática habitualmente assente em planificações didáticas fundamentadas e adequadas ao contexto real da escola em que exercemos funções docentes e à individualidade dos nossos alunos, bem como para produzir e partilhar materiais didáticos originais, passíveis de inclusão nos nossos planos de aula. O resultado foi uma experiência muito gratificante e encorajadora para crescermos como professores de Português e como profissionais da Educação. 

3.   As sessões presenciais foram alvo de uma metodologia que nos permitiu a familiarização com os pressupostos teóricos prosseguidos de uma componente prática e reflexiva. O dinamismo, a participação, a troca de experiências, a partilha de boas práticas e de dúvidas foram fomentados e estimulados. Não obstante ter sido uma formação orientada, apoiada e regulada pela formadora, esta mostrou abertura para flexibilizar a sua ação e acatar sugestões por parte das formandas envolvidas. Foram momentos agradáveis e produtivos, capazes de incentivar para mudança de práticas e mentalidades.  

4.   Ao longo da formação, fomos tecendo estes e outros comentários sobre os Guiões que explorámos e com os quais ficámos mais familiarizadas. Realizámos e experimentámos atividades segundo os novos modelos propostos. Este trabalho permitiu uma maior agilidade no manuseamento dos Guiões e um conhecimento mais profundo do novo programa. Quero destacar a mais-valia desta oficina de formação. O facto de ter sido desenvolvida entre pares, na escola onde lecionamos, permitiu desenvolver um trabalho colaborativo e de partilha de opiniões muito enriquecedora. Penso que este tipo de formação desenvolvido na própria escola é o mais adequado ao desenvolvimento de competências para a docência.  

Em suma, a Oficina de Formação Didática do Português do Ensino Básico que visava analisar o Programa e os Guiões de Implementação em vigor, refletir sobre o atual paradigma educativo, construir e partilhar materiais originais e experiências enriquecedoras, potenciar a avaliação contínua como barómetro do processo de ensino/aprendizagem e, acima de tudo, proporcionar aos docentes um momento de forte sinergia (sendo que o vocábulo grego junta a expressão sýn, cooperação, e érgon, trabalho), cumpriu os seus objetivos.

 A quem pense que a formação contínua e o enriquecimento intelectual possam ser destituídos de valor real face à crescente burocratização do desempenho docente e ao funcionalismo massificado do ensino, deixo aqui, uma vez mais, algumas palavras de Fernando Pessoa:  

A consciência do esforço inútil e do trabalho perdido ainda é uma das grandes emoções estéticas que restam a quem se preocupa com as coisas que ainda restam.[3] 


[1] Costa, J., Cabral, A., Santiago, A., & Viegas, F. (2011). Conhecimento Explícito da Língua – Guião de Implementação do Programa de Português do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação – DGIDC.

[2] Pessoa, Fernando, Crítica. Ensaios, artigos e entrevistas (edição de Fernando Cabral Martins), Lisboa,  Assírio & Alvim, 2000, pp. 246-247.

[3] Idem ibidem, p.91.

 

Dias, A., et al. (2009). Programas de Português do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação – DGIDC.

Niza, I., Segura, J., & Mota, I. (2011). Escrita – Guião de Implementação do Programa de Português do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação – DGIDC.

Silva, E., Bastos, G., Duarte, R., & Veloso, R. (2011). Leitura – Guião de Implementação do Programa de Português do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação – DGIDC.

Silva, F., Viegas, F., Duarte, I., & Veloso, J. (2011). Oral – Guião de Implementação do Programa de Português do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação – DGIDC.