PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

A escola dos possíveis: TurmaMais e Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE)

Teodolinda Magro
Coordenadora Nacional do Projeto Turma Mais

O sistema educativo português convive com três ilusões que urge desvendar. A primeira ilusão é a de que a estatística revela a realidade. A segunda ilusão é a de que distribuir recursos, igualmente por todos os níveis de ensino onde há insucesso escolar, resultará em sucesso escolar sustentado. A terceira ilusão é a de que as questões do sucesso/insucesso escolar são algo que diz respeito, fundamentalmente, ao trabalho feito em cada escola, independentemente da articulação que esta pode ter ou não com os demais parceiros nas áreas da saúde, conhecimento, gestão de recursos locais e regionais.

A primeira ilusão – a ilusão estatística- revela-nos que os maiores índices de insucesso se encontram no 3.º ciclo e no ensino secundário. Sendo este facto uma realidade em si mesma ela esconde a origem do problema que, obviamente não se encontra, exclusivamente, no 3.º ciclo e no ensino secundário.

Gráfico 1: Taxas de retenção nacionais, entre 2003 e 2013 no ensino básico e secundário.

Por que chamamos a esta realidade uma ilusão? Porque olhando para esta realidade as escolas chamadas a intervir na melhoria das suas taxas de sucesso privilegiam intervenções de recuperação dos alunos nos ciclos posteriores ao 1.º ciclo (que, segundo os dados recolhidos apresenta as taxas de insucesso mais baixas de todos os níveis de escolaridade- cerca de 5%). A realidade das nossas escolas mostra-nos uma aposta esmagadora de apoios educativos com intuitos remediativos e uma fraca incidência de apoios com caráter preventivo.

Só muito recentemente se assistiu à tendência de proporcionar apoios educativos aos alunos que frequentam os dois anos iniciais de 1.º ciclo. E ainda hoje, quando se fala em apoios educativos logo no 1.º ano de escolaridade há escolas que ficam surpreendidas com a ideia. Ora a questão que nós colocamos aqui é a de que a intervenção dos apoios educativos no 1.º ano de escolaridade, sendo absolutamente essencial, já peca por tardia. As competências pré-leitoras das crianças de 4 e 5 anos, que a literatura regista como preditoras das dificuldades de aprendizagem da escrita e da leitura, no decorrer do 1.º ano de escolaridade, têm de começar a ser alvo de atenção privilegiada das escolas.

A intervenção no pré-escolar deveria ser uma prioridade. A realidade mostra-nos que os apoios, v.g., a Português e Matemática absorvem um número considerável de recursos das escolas nos 2.º e 3.º ciclos, por comparação com os recursos disponibilizados para o trabalho preventivo essencial a ser feito no ensino pré-escolar e no 1.º ano do 1.º ciclo. A tendência de remediar em vez de prevenir é clara na nossa ação interventiva.

Urge compreender que os níveis elevados de retenção dos ciclos seguintes ao 1.º ciclo são, em larga maioria de razões, da responsabilidade da nossa ineficácia na ação preventiva. Os alunos que acumulam retenções nos ciclos seguintes são aqueles que maiores dificuldades de aprendizagens apresentaram nos ciclos precedentes. E, infelizmente, o tempo apropriado de intervenção na melhoria das suas aprendizagens não foi compatível com as dificuldades dos conteúdos curriculares dos ciclos seguintes para os quais os alunos foram transitando após se “esgotarem” as possibilidades de continuar a insistir nas duplas ou triplas retenções.

Atento a este problema o projeto TurmaMais pressupõe a necessidade de intervenção dos apoios educativos logo no 1.º ano de escolaridade e na totalidade da carga horária da área a intervencionar (habitualmente Português e Matemática). Pela necessidade de otimizar recursos esta tecnologia organizacional pressupõe a existência de duas ou três turmas de origem a partir das quais se cria uma terceira turma (a chamada TurmaMais) que, no horário integral semanal da área (ou disciplina nos casos do 2.º e 3.º ciclos e ensino secundário) funciona como uma plataforma giratória pela qual passam os alunos, em frequência temporária, e obedecendo a um calendário determinado que, geralmente, engloba cerca de 6 semanas de trabalho. De destacar que o primeiro grupo de alunos a iniciar este apoio diferenciado e a sair da sala da aula é o grupo dos alunos com melhor desempenho nas aprendizagens. Pretende-se, deste modo, i) estimular a excelência; ii; dar um sinal a toda a comunidade que o direito à diferenciação deve ser garantido a todos os alunos; iii) retirar a carga negativa de associar apoios educativos aos alunos com maiores dificuldades de aprendizagem e iv) permitir ao professor titular um trabalho inicial profundo com os seus alunos com maiores dificuldades.

Esta forma de organizar os apoios educativos posiciona-se, claramente, contra a tradicional visão que a prática corrente adotou como norma para este tipo de intervenção pedagógica: i) a diferenciação pedagógica ao nível do apoio pedagógico é, comummente entendida como algo que ocorre para remediar situações inesperadas de insucesso, entendemos que esta diferenciação pedagógica deve ser vista como esperada e normal já que os alunos têm diferentes ritmos de aprendizagem para os quais temos de ter respostas; ii) a distribuição de uma ou duas horas semanais de apoio educativo por cada turma é por nós encarada como profundamente insuficiente dado que nas restantes horas semanais os alunos voltam a entrar no ritmo médio de trabalho da turma que para uns se torna demasiado lento e para outros demasiado rápido; iii) o docente que vai trabalhar na TurmaMais fica com um grupo de alunos que apresenta determinadas características, para os quais planifica os trabalhos no decurso de meio período letivo (ou a totalidade do tempo no caso do 3.º período) para alcançar objetivos claros nesse curto espaço de tempo. É, deste modo, corresponsável, também, pelo desenvolvimento dos conteúdos curriculares e avaliação inerentes à planificação do período de tempo que leciona com esses alunos.

No caso do 1.º ciclo e, tendo em conta os poucos recursos de crédito horário disponíveis para intervenções no apoio educativo, considera-se como intervenção mínima o acompanhamento no horário semanal integral da área de Português (geralmente entre sete a oito horas) no 1.º ano. Já no 2.º ano de escolaridade é considerada vital a intervenção simultânea nas áreas de Português e Matemática e, no 3.º ano de escolaridade, a continuação da intervenção na área de Matemática, obviamente, cumprindo sempre o horário semanal total da respetiva área disciplinar. Não nos esqueçamos que esta proposta é por nós considerada um roteiro de intervenção minimalista que a realidade nos obriga a criar. O ideal seria a possibilidade destes apoios ocorrerem do 1º ao 3.º ano na totalidade do horário semanal das áreas de Português e Matemática.

Deste modo, tentamos desconstruir a segunda ilusão de que falámos no primeiro parágrafo deste texto. Dissemos, então, que o nosso sistema educativo considera que se deve distribuir igualmente por todos os níveis de ensino os recursos parcos que temos para apoio educativo. Somos de opinião de que as escolas terão que mudar o seu paradigma de distribuição destes recursos que permitem a diferenciação pedagógica. Como? Fazendo com que os mesmos cubram a totalidade dos três primeiros anos do 1.º ciclo e criando condições para que nos ciclos seguintes estes apoios apareçam num número reduzido de disciplinas e, sobretudo, para trabalhar conteúdos curriculares lecionados nos anos de escolaridade que os alunos frequentam e não para fazer remediações as mais das vezes impossíveis.

Por fim, e para combater a terceira ilusão anteriormente assinalada e que leva a escola e as demais instituições locais e regionais a terem práticas pouco colaborativas deixamos como sugestão a ideia de que é perfeitamente possível fazer conciliar as necessidades das escolas com os recursos que podem estar disponíveis (ou que podem vir a estar disponíveis) nas instituições locais e/ou regionais. Por que não haver um psicólogo educacional adstrito ao município que faça com todas as escolas da cidade um trabalho de prevenção das competências pré-leitoras no pré-escolar e transfira/partilhe essas técnicas, práticas e teorias aos profissionais do pré-escolar e do 1.º ciclo? Por que não, no caso dos concelhos com apenas um agrupamento de escolas a Comunidade Intermunicipal (CIM) contratar, ao abrigo dos fundos comunitários no eixo relativo à promoção do sucesso escolar, um psicólogo educacional que sirva o conjunto das escolas abrangidas pelos municípios da mesma região?

Só se combatem as ilusões com o destapar do véu que cobre a realidade e com um conjunto de medidas eficazes na superação das dificuldades então claramente reconhecidas. Este é o objetivo que norteia o projeto TurmaMais. Este é também o pressuposto do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar.