PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

Construir possíveis: o papel das autarquias e o FSE 

José Alberto Fateixa
Equipa de Missão do PNPSE...

Não existe em Portugal tradição de uma intervenção das autarquias na administração da educação. O poder das autarquias, a nível educacional, tem variado muito ao longo da história tendo passado por momentos de maior ou menor descentralização.

Temos tido, ao longo dos tempos, um sistema educativo tendencialmente centralizador, uniforme e que não tem dado resposta à diversidade de alunos, de escolas e dos seus contextos locais. A atual necessidade de redefinição do papel do Estado na Educação e a perceção por parte da administração pública que não se pode responsabilizar por tudo quanto se passa na escola, por manifesta impossibilidade de um sistema altamente centralizado, tem levado a uma centralização desconcentrada, mas com controlo remoto.

A territorialização das políticas educativas marca uma rutura ideológica e cultural com a tradição centralista e universalista, e produz novas formas de articulação entre o nacional e o local. A esta territorialização associa-se a uma dupla vontade política do Estado, ao redistribuir o poder entre o centro e as periferias, e ao lutar contra as desigualdades sociais.

É sobretudo nos tempos atuais que as autarquias devem procurar formas de modernizar e encontrar novos caminhos e soluções para as dificuldades com que se deparam. É preciso conhecer diferentes perspetivas, experiências e possibilidades de modernização e inovação que poderão potenciar a gestão escolar a nível das autarquias.

1. O SISTEMA EDUCATIVO: Da centralização à centralização desconcentrada

Portugal tem uma longa tradição histórica centralizadora que também foi sentida nas opções de política educativa ao longo de séculos. Destacam-se alguns momentos de rotura que determinam alterações nas orientações da política educativa em Portugal.  

A expulsão da Companhia de Jesus leva o Estado a responsabilizar-se pela educação. Com governação do Marquês de Pombal e depois com a Revolução Liberal o ensino perde o peso da orientação clássica e teológica, tendo assumido um caráter de modernidade, com finalidades de laicidade, gratuitidade e obrigatoriedade. Seguindo esta orientação Passos Manuel (1836) cria os denominados “Lyceu“ nos edifícios das ordens religiosas. Cerca de cinquenta anos depois os Municípios intervêm pela primeira vez na área da Educação. Têm ação no edificado escolar, na definição de cursos, na subsidiação de alunos e na escolha e pagamento a professores.

Quando a República é instaurada em Portugal, a taxa de analfabetismo é de 75%, só existem 5552 escolas primárias, que são frequentadas por 22,7% das crianças. Em 1913 o Estado entrega administração das escolas aos municípios (pagamento aos professores, material e manutenção) e no fim da I República (1926), a taxa de analfabetismo ainda é de 67,8%, existindo 6657 escolas primárias que são frequentadas por 29,4% das crianças portuguesas.

O Portugal do Estado Novo adota uma governação na área da educação que centraliza toda a decisão nas escolas, as quais são geridas por diretores e reitores nomeados pelo governo. Os municípios são nesta época responsáveis por todos os encargos com a construção, com o pessoal e com material quando estes solicitam as novas escolas. Em 1940 lançam o denominado Plano Geral da Rede Escolar, geralmente conhecido como Plano dos Centenários, que corresponde a uma significativa intervenção no edificado escolar. É anunciada a construção de 6.060 edifícios, sendo que 74% têm apenas uma sala de aula. Em 1959 é lançado o Projecto Regional Mediterrâneo (que levará à criação de novas escolas preparatórias nas sedes de concelho, telescola, liceus e escolas técnicas), um ano mais tarde o Ministro Leite Pinto determina a obrigatoriedade da 4ª classe até aos 12 anos e em 1964 avança a reforma educativa do Ministro Galvão Teles (obrigatoriedade do 6ª ano até aos 14 anos). Em 1973 surge a reforma de Veiga Simão, que aponta para mudanças nas estruturas educativas por influência da OCDE.

O período após a Revolução de 25 de abril de 1974 é assinalado por uma rutura com os modelos de administração e gestão implementados e caraterizado por uma grande instabilidade no funcionamento das escolas, as quais atravessam um período de autogestão, com um reduzido controlo por parte do Ministério da Educação. Em 1976 é aprovada a nova Constituição da República que determina as políticas de educação assentes em dois pilares, por um lado “todos têm direito ao ensino” e por outro “o Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população”. Nesse mesmo ano é aprovado o Decreto-Lei 769-A/76 que enquadra a gestão e administração das escolas de modo democrático. Em 1977 é publicada a primeira Lei das Finanças Locais e criado o Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF). Com o Dec. Lei 77/84 que delimita e coordena as atuações da administração central e local em matéria de investimentos públicos os municípios tornam-se formalmente investidores na Educação Básica em áreas como a os equipamentos, os apoios socioeducativos (ASE, transportes, alojamento, oc. tempos livres) e a educação de adultos.

Em 1986 o Parlamento aprova a Lei de Bases do Sistema Educativo, que se torna a pedra basilar do ensino em Portugal. Neste mesmo ano Portugal adere à Comunidade Económica Europeia e assina a Carta Europeia de Autonomia do Poder Local. Há avanços no envolvimento das comunidades e surge como necessária a Carta Escolar em cada município (realizada por um número muito restrito de autarquias) sendo os Municípios entendidos como colaboradores em áreas como o pré-escolar, a educação especial ou extraescolar. Em 1987 são criados o Conselho Nacional de Educação e as Delegações Regionais de Educação. 1996 é o ano do “Pacto Educativo para o futuro” que essencialmente afirma que a “Educação é assunto de todos”.

Mais tarde, em 1999, é aprovada a Lei n.º 159 que determina “Transferência de competências para as autarquias” em diversos setores e também na educação, delegando competência aos órgãos municipais em áreas como o planeamento e gestão dos equipamentos educativos, bem como em investimentos na construção, apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos de educação pré-escolar e de escolas do ensino básico.

Em 2003 surgem novas determinações legais para o envolvimento autárquico na educação com a regulamentação dos Conselhos Municipais de Educação e da Carta Educativa Municipal que se torna expressamente obrigatória e que é integrada no PDM. Cinco anos mais tarde, o Decreto-Lei 144/08 vem regulamentar os contratos de execução das transferências para os municípios dos recursos humanos, patrimoniais e financeiros associados ao desempenho das competências, mas a transferência só ocorre por acordo entre partes e não é generalizado.

Em 2013 é publicada a Lei n.º75 sobre o regime jurídico das autarquias locais que aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelecendo a transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprovando o regime jurídico do associativismo autárquico. No ano seguinte o Governo lança um projeto piloto de descentralização denominado PAE (Programa Aproximar Educação), em que por via de delegação contratual as competências na área da educação e formação são descentralizadas. Decisões relativas à rede escolar e de oferta educativa e formativa, aos transportes escolares, aos processos de matrícula e colocação dos alunos, à ação social e ao calendário escolar coresponsabilizam as autarquias e entidades locais. Esta experiência envolve 15 municípios dois dos quais no distrito de Portalegre – Crato e Sousel.

2. FUNDOS COMUNITÁRIOS E EDUCAÇÃO

No QCA I (1989-1993) é criado o denominado PRODEP I, que corresponde a 8% do envelope financeiro global (8% FEDER - 12% FSE). O PRODEP I está orientado para as intervenções infraestruturais (parque escolar), o Ensino Profissional, a formação contínua de professores (FOCO) e a educação de adultos (ensino recorrente) centrada no 1.º e 2.º Ciclo do Ensino Básico. No programa há uma ausência de medidas e instrumentos de combate ao abandono e promoção do sucesso, então de 9 anos.

O QCA II (1994-1999) apresentou o PRODEP II essencialmente orientado para intervenções infraestruturais no parque escolar (45% FEDER-Educação) que se traduzem em 221 novas construções visando dar resposta ao crescimento da população escolar. É naturalmente dada continuidade às opções referentes ao ensino profissional, educação de adultos e formação de professores, surgindo os cursos de educação e formação e os serviços de Psicologia e Orientação escolar e profissional. Apesar dos elevados níveis de insucesso e abandono no ensino básico há uma ausência de intervenções centradas no combate ao abandono e no apoio à promoção do sucesso.

No QCA III (2000-2006) a intervenção na área da educação é denominada PRODEP III surgindo Programas Operacionais Regionais com eixo destinado a intervenções desconcentradas da administração central. As intervenções infraestruturais são mais reduzidas (20% FEDER-educação) com 69 novas construções e intervenções em equipamentos escolares (pavilhões, bibliotecas, …). O ensino profissional é alargado às escolas da rede pública, são criados Centros de Reconhecimento e Validação de Conhecimentos na educação de adultos e a formação de docentes é orientada para opções didáticas (Matemática, Português, TIC, … ). Pela primeira vez objetivos específicos centrados no combate ao abandono e na conclusão da escolaridade obrigatória.

O quadro comunitário de apoio entre 2007 e 2013 toma a designação de QREN e o programa na área da educação de POPH. As intervenções infraestruturais de requalificação das escolas foram centradas no ensino secundário (190 de recuperação e modernização) e na rede de escolas do 1.º CEB (753 centros escolares). Outros pilares de intervenção foram as políticas de qualificação de jovens (alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos) e de adultos (Iniciativa Novas Oportunidades com 300 CNO, cursos EFA e formações modulares) e a formação de docentes orientada para opções didáticas (Plano da Matemática, PNPL, …). Foi colocado um forte enfase na qualidade das aprendizagens sendo adotadas políticas concentradas e integradas e intervenções contributivas da resolução de problemas e da melhoria de resultados.

3. Desafios da Educação, da Sociedade e do Território

A Educação encontra o seu futuro associado aos desafios da sociedade e do território. Os problemas demográficos são reais. É verdadeiramente preocupante, e socialmente alarmante, quer o envelhecimento da população, quer a taxa de natalidade em Portugal dos dias de hoje, dados bem demonstrados pela pirâmide etária da população portuguesa.

Nos anos 60 e 70 Portugal sofreu, pelas mais variadas razões, um forte deslocamento de pessoas quer no território português quer pela saída para o estrangeiro. Em Portugal é assinalável quer o despovoamento do interior quer a grande concentração de pessoas no litoral. No respeitante à atividade económica Portugal perdeu o seu cariz de uma acentuada ruralidade, dominante na década de 60, e ganhou uma predominância do setor dos serviços. Outra grande alteração que tem impacto no setor da educação são as acessibilidades que, deficitárias com grandes percas de tempo, se tornaram modernas e possibilitando que, o que eram trajetos de longas distâncias se tornaram agora de fácil e rápido acesso.

A sociedade, o território e o sistema educativo têm pela frente alguns desafios complexos que podem ser sintetizados em cinco grandes questões:

  1. Como compatibilizar diferentes culturas de escola e diferentes estratégias de organização escolares com os processos burocráticos e uniformes da administração central?

  2. Que estratégias de articulação poderão existir entre Escolas/AE e autarquias?

  3. Como é que as Escolas/AE e as autarquias conseguirão exercer em conjunto responsabilidades administrativas e competências pedagógicas?

  4. Que tipos de interação deverão existir entre escolas/AE e autarquias que possam alavancar a cidadania local?

  5. Que competências a nível de políticas de educação poderão ser delegadas nas CIM/Autarquias?

Entendo existirem três níveis de intervenção que importa concertar entre si: o nacional, o territorial/local e a escola. A nível central é determinante a estruturação de políticas de promoção do sucesso e combate ao abandono escolar precoce. No que diz respeito aos diferentes territórios/locais é vital a articulação intermunicipal, com vista à definição de políticas educativas municipais que devem ser articuladas com as organizações escolares tendo por base os diferentes Projetos Educativos de Escola e os Planos de Ação Estratégica de Escola. É importante que esta articulação resulte numa autonomia pedagógica de cada escola, que leve ao desenvolvimento de trabalho colaborativo entre equipas educativas docentes e multidisciplinares e a um comprometimento de todos os agentes interventivos na educação (Alunos, Professores, Encarregados de Educação, Autarquias e Comunidade). Ao nível da escola são decisivas a definição de opções que contribuam para a melhoria do ambiente de trabalho, a qualidade das aprendizagens e o aumento da motivação e da autoestima dos alunos.

A Escola Pública tem como grande missão o garantir que todas as crianças e jovens têm acesso às aprendizagens que lhe permitem concluir a escolaridade com os saberes, as competências, as atitudes e os comportamentos necessários à vida em sociedade. Nesse âmbito, o XXI Governo Constitucional de Portugal criou o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE). Na Resolução do Conselho de Ministros que cria o PNPSE é sublinhado o compromisso de Portugal na melhoria do sucesso, a diminuição do abandono e a melhoria da qualidade das aprendizagens, com o envolvimento das comunidades que são quem melhor conhecem os contextos, as dificuldades e potencialidades pelo que é determinante a colaboração e responsabilização local e regional. Para o cumprimento da missão cada escola deve construir o seu Plano de Ação Estratégica (PAE) onde desenvolve uma estratégia focada no sucesso escolar e na valorização das aprendizagens, comprometendo a escola e o meio onde se insere.

Bibliografia:

Batista, Suzana (2014). Políticas de Descentralização para o Nível Local: Sentidos de Evolução no Papel dos Municípios na Educação. In Maria de Lourdes Rodrigues (org.), 40 anos de políticas de educação em Portugal (volume II). Lisboa, Livraria Almedina.

Cordeiro, A.M. Rochete (2014). O Lugar dos Municípios no Planeamento e Gestão da Rede Escolar em Portugal. In Maria de Lourdes Rodrigues (org.), 40 anos de políticas de educação em Portugal (volume II). Lisboa, Livraria Almedina.

Lemos, V. (2014), A Influência da OCDE nas Políticas Públicas de Educação em Portugal. Lisboa: Almedina.

Vilela, Alexandra (2014). Os Fundos Estruturais e a Educação. In Maria de Lourdes Rodrigues (org.), 40 anos de políticas de educação em Portugal (volume II). Lisboa, Livraria Almedina.

Rodrigues, M. (2010). A Escola Pública Pode Fazer a Diferença. Lisboa, Livraria Almedina.

Legislação:

Lei n.º 46/86 (1986). Lei de Bases do Sistema Educativo. Diário da República 1.ª Série A, Nº 237 (14/10/1986).

Dec. Lei 77/84 Delimitação e da coordenação das actuações da administração central e local em matéria de investimentos públicos

Decreto-lei n.º 43/89. Regime jurídico da Autonomia das Escolas. Diário da República 1.ª Série, Nº 29 (03/02/1989)

Lei 159/99 Lei quadro de transferência de competências para as autarquias. DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-A, n.º215 (14/09/1999).

O Decreto-Lei n.º 75/2008 - aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.