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Editorial

Educar Sempre

O A. E. N.º 3 de Elvas

- Crónicas de Aprender -

O MLA e a Cegonha

Há muito tempo...

Uma vida

Associação de Estudantes

Momentos

 

Entrevista

Cartoon


 

 

Há muito tempo… na Escola

Fernanda Bacalhau
 

“- A tua mãe está na vila e a cachopa vai para ao pé dela. Vai à escola, para não ficar às escuras como tu ficaste e as tuas irmãs.”

Esta afirmação, em jeito de ordem, foi proferida pelo meu avô materno, José Gabriel Cirinéu, dirigindo-se a minha mãe, a mais velha das suas quatro filhas.

Decorria o ano de 1967. Havia que decidir sobre o meu percurso escolar, tarefa difícil para um casal de “caseiros” de um monte alentejano, cuja função consistia em garantir a gestão da herdade agrícola, com residência fixa num monte situado a 6 quilómetros da povoação mais próxima e sem transporte próprio, com um horário de trabalho sem limites, melhor dizendo, tinha apenas hora para começar… Neste contexto, como assegurar a minha presença na escola? Não querendo que a filha ficasse analfabeta, aos meus pais restou acatar a “ordem” do meu avô José (que já não presenciou, partiu em 28 de Agosto de 1967). Fui para casa da minha avó Luísa para, fazendo-lhe companhia, poder frequentar a escola.

Acompanhada por uma profunda saudade dos meus pais, separavam-nos 32 longos quilómetros (o meu pai visitava-me quinzenalmente ao domingo, só via a minha mãe nas férias do Natal, da Páscoa e no verão), sentia, apesar da separação, uma forte presença dos dois e a motivação para procurar aproveitar, o melhor que podia e sabia, os ensinamentos que as professoras me transmitiam. Da 1ª à 4ª classe, uma professora em cada ano: Joaquina, Arcângela, Ana Maria e Lúcia, respectivamente. Cada uma a seu jeito ajudaram a minha formação, o meu crescimento, a aquisição método para o conhecimento.

Era um tempo em que os professores tinham mais autoridade e que era reforçada pelos pais no início do ano escolar; turmas numerosas, sempre mais de 30 alunos em cada uma.

Era um tempo em que não se considerava que os meninos ficavam traumatizados com chamadas de atenção ou repreensões mais ou menos austeras, mais ou menos violentas por vezes.

Era um tempo sem calculadoras, a tabuada tinha que ser “cantada” de trás para a frente e o contrário. Todas as operações matemáticas eram executadas manualmente. Faziam-se Ditados e Redacções para promover a caligrafia e a escrita de qualidade e evitar os erros ortográficos. Havia que saber de cor o nome dos rios, das serras, das províncias e respectivas cidades capitais, das linhas dos caminhos-de-ferro de Portugal Continental, das Ilhas Adjacentes e das Províncias Ultramarinas.

Era o tempo de saber de cor a sequência das dinastias e os nomes e cognomes dos Reis da História de Portugal, entre muitos outros conhecimentos que ficaram.

Finalizada a escolaridade obrigatória e dado o aproveitamento obtido, a telescola era uma possibilidade para continuar a alargar os horizontes do conhecimento. Mas a propina era incomportável para o orçamento familiar. Os professores Arcângela e Américo empenharam-se na busca de uma solução para aquela dificuldade, conseguiram uma bolsa da Fundação Maria Clementina Godinho de Campos para custear a propina e emprestaram-me os livros do seu filho José Manuel. Estavam, assim, reunidas as condições para mais dois anos de escolaridade com mais ensinamentos e conhecimento ministrados pelos professores Américo e Arcângela, Maria da Encarnação e o Pároco Manuel Folgado. Dezasseis valores foi o prémio final.

Graças a esta junção de vontades posso olhar com alguma clareza o mundo que me rodeia. Não fiquei “às escuras” cumprindo a vontade do meu avô. Da escola guardo as memórias de um tempo bom da minha vida, usufruo da formação e de uma capacidade alargada para olhar e interpretar o mundo em que vivo. Sinto orgulho por descender de possuidores de mentes tão claras, gente humilde, analfabetos, mas possuidores de um coração do tamanho do Mundo! Os seus bons exemplos e as suas referências fortes são pedras basilares da minha vida.