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Accountability em Educação

Luís Santa
Agrupamento de Escolas
de Campo Maior

O presente texto constitui uma breve reflexão em torno da temática da accountability em educação. O texto tem por base o artigo do Professor Doutor Almerindo Janela Afonso “Nem tudo o que conta em educação é mensurável ou comparável. Crítica à accountability baseada em testes estandardizados e rankings escolares”, publicado na Revista Lusófona da Educação. Ao longo do texto serão discutidos conceitos relacionados com a avaliação e, especificamente, com a accountability baseada em testes/exames escolares e em rankings de agrupamentos de escolas ou de escolas. Terminar-se-á com a perspetiva pessoal sobre os temas em apreço.

Accountability

O termo accountability é polissémico, podendo ser traduzido e entendido de formas diversas. No presente texto será utilizado na aceção que Afonso (2009) lhe confere, ou seja, associando-o a três dimensões autónomas, mas articuladas: a prestação de contas, a responsabilização e a avaliação, que constituem três pilares de um processo de accountability.

A avaliação, ao permitir a recolha, o tratamento e a análise de informações para a produção de um juízo de valor sobre uma realidade social, pode servir os processos de prestação de contas e de responsabilização. Associada à prestação de contas, isto é, à justificação e explicação do trabalho desenvolvido e dos resultados obtidos (o quê, como, porquê, com que custos e resultados), em especial, se esta implicar prémios ou sanções, a avaliação deverá ser feita com cuidados redobrados. A avaliação deverá ser fundamentada, objetiva (tanto quanto possível), transparente, rigorosa, ajustada, prudente, sob o ponto de vista técnico-metodológico, e deverá respeitar os direitos fundamentais dos intervenientes. A responsabilização relaciona-se com a imputação de responsabilidade pelos atos praticados, podendo não se circunscrever às recompensas ou às sanções e incluir, por exemplo, a assunção autónoma de responsabilidades.

Acontece que a avaliação ou, de uma forma mais global, as questões relacionadas com accountability, não são inócuas às questões dos valores. Não existem sistemas tecnicamente asséticos ou politicamente neutros, portanto as questões relacionadas com estas matérias não são unicamente técnicas e metodológicas. Qualquer forma de avaliação está sujeita à definição de determinados critérios e a leituras e utilizações diversas, frequentemente pouco adequadas. Uma vez que há interesses, influenciados por relações de poder e visões politicas, que atravessam o campo da avaliação, os critérios, técnicas, metodologias, dispositivos, instrumentos e interpretações dificilmente são neutros. Perante esta realidade, emerge a necessidade de o avaliador, seja ele entidade ou indivíduo, ter consciência das suas próprias visões, de forma a estabelecer um compromisso com a objetividade.

Saliente-se que um dos atuais problemas da educação parece ser, precisamente, a falta de discussões de natureza política, na sua aceção mais abrangente. A sociedade, de uma forma geral, e a educação, em especial, necessitam de repolitizar a educação. Estes debates, ao contrário do que tem acontecido, poderiam contribuir para legitimar as políticas educativas, tornando-as mais congruentes com os objetivos que defendem. Ao nível de cada escola/agrupamento, a discussão deveria estimular uma construção verdadeiramente democrática, coletiva e participada do projeto educativo.

Do que foi explicitado, destaca-se a necessidade de existência de uma congruência entre os modelos de avaliação e accountability e entre os objetivos que estes perseguem e as práticas que os caracterizam. Por outro lado, os modelos de avaliação devem ser pensados de forma articulada e tendo em conta a avaliação da escola, dos professores e dos alunos. Como defende Afonso (2009), um sistema de accountability implica, frequentemente, uma teia complexa de relações, interdependências e reciprocidades, sendo a negociação e a construção de consensos fundamental na prática da accountability.

Um sistema de accountability pretende monitorizar determinados resultados e prever consequências quando se atingem, ou não, esses mesmos resultados. Assim, a informação é, regra geral, fundamentalmente quantitativa e os métodos de medição são estandardizados. Esta realidade está relacionada com o Estado-avaliador preocupado, sobremaneira, com a definição de objetivos e a quantificação dos resultados. Neste quadro, a avaliação é um instrumento de controlo das escolas e dos professores e, por vezes, de legitimação das políticas dos decisores. Apesar disto, tal como advoga Afonso (2009), um sistema de accountability não pode limitar-se à recolha e publicitação de informações baseadas em testes, mesmo que estandardizados. A situação torna-se ainda mais discutível se os resultados académicos dos alunos constituírem, também, elemento essencial para a avaliação da escola e dos professores. Esta é a tendência que se tem acentuado em diferentes sistemas educativos.

No âmbito desta tendência têm surgido alguns estudos, como os da organização FairTest, que se debruçou sobre a situação americana durante a reforma educativa de George W. Bush, conhecida como “No Child Left Behind Act”. Esta reforma baseou a accountability nos resultados de testes estandardizados. De acordo com o estudo, o modelo mostrou insuficiências consideráveis e criou efeitos secundários indesejáveis, tais como a diminuição da equidade na educação.

O Caso Português

Em Portugal existem exames nacionais estandardizados e provas aferidas, mas, tal como salienta Fernandes (2006), a avaliação interna realizada pelos professores tem um peso esmagadoramente superior na progressão e certificação dos alunos. Acresce que os resultados dos referidos instrumentos constituem a base para a organização de rankings das escolas, que, nos últimos anos, são divulgados para a opinião pública, gerando polémicas relacionadas com os seus objetivos, pertinência, efeitos e metodologias.

Entre outros aspetos, os rankings pressionam os professores e a escola e induzem efeitos de mercado e de quase-mercado. Afonso (1997) caracteriza esta situação como um “neoliberalismo educacional mitigado” em que as lógicas de mercado são mais discursivas do que concretas em relação a investimentos na educação escolar não estatal.

Em Portugal a accountability poderá ser considerada no âmbito da avaliação das escolas, avaliação do desempenho docente, exames ou provas de aferição com abrangência nacional e da que resulta da publicação dos rankings nacionais de escolas, sendo que nos últimos anos têm sido enfatizadas estas duas últimas formas. Destaque-se, no entanto, que as diversas formas estão desarticuladas, não havendo, portanto, um verdadeiro sistema de accountability em educação.

O referido sistema poderia contribuir para que a sociedade (que se pretende genuinamente democrática) conhecesse o que se passa nas escolas. Saliente-se que um sistema de accountability que se baseie unicamente em testes estandardizados é redutor, tornando-se insuficiente e desadequado, tendo em conta a complexidade inerente ao sistema escolar.

Por outro lado, os resultados dos referidos testes não parecem ser utilizados na definição de políticas que esbatam as desigualdades sociais, escolares e pessoais que, frequentemente, os justificam. Mais do que se ser contra, ou inflexível, deve-se ter uma posição comedida, mas crítica, sobre as avaliações comparadas que, nos últimos tempos, tem legitimado as governações aparentemente obcecadas com os resultados de natureza quantitativa.

Considerações Finais

As provas nacionais, além de poderem contribuir para implementar uma cultura de rigor e exigência, são fundamentais para aferir a qualidade das aprendizagens e o trabalho nas escolas, pelo que seria desejável o aumento do número de disciplinas/anos alvo de avaliação através de provas de caráter nacional.

 No entanto, para que os resultados obtidos possam ser utilizados numa lógica de accountability, será necessária a introdução de outros elementos de avaliação e de outros fatores, de entre os quais se destacam o contexto social e o nível socioeconómico das famílias dos alunos, as habilitações dos seus pais e, idealmente, o ponto de partida dos alunos, em relação aos conhecimentos e capacidades objeto de avaliação.

Por outro lado, a accountability deverá integrar e articular não só os resultados académicos dos alunos mas também a avaliação da escola e do desempenho dos seus docentes. Neste âmbito deverão ser considerados os progressos conseguidos pelas escolas, por exemplo, através dos seus processos de supervisão/autorregulação e da monitorização dos seus planos de melhoria. A superação das fragilidades e maximização das potencialidades de cada escola/agrupamento fará com que se ofereça um melhor serviço educativo.

Bibliografia

Afonso, A. J. (2007) O neoliberalismo educacional mitigado numa década de governação social-democrata. Um contributo sociológico para pensar a reforma educativa em Portugal (1985-1995). Revista Portuguesa de Educação, 10 (2), 103-137.

 Afonso, A. J. (2009). Nem tudo o que conta em educação é mensurável ou comparável. Crítica à accountability baseada em testes estandardizados e rankings escolares. Revista Lusófona da Educação, 13, 13-29.

 Fernandes, D. (2006). Avaliação das Aprendizagens: Desafios às Teorias, Prática e Políticas. Lisboa: Texto Editores.

 Nóvoa, A. (2009). Educação 2021: Para uma história do futuro. Revista Iberoamericana de Educación, 49, 181-189. Retirado em 20 de abril de 2011 de http://www.rieoei.org/rie49a07_por.pdf