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Editorial

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Recensão Crítica do livro de Luiza Cortesão (2000)
SER PROFESSOR: UM OFÍCIO EM RISCO DE EXTINÇÃO?
Reflexões sobre práticas educativas face à diversidade, no limiar do século XXI
Porto: Edições Afrontamento, Lda.

Genoveva Tomaz
Agrupamento de Escolas de Campo Maior.

Em todas as épocas, das mais longínquas às atuais, as filosofias que ao longo dos tempos alicerçaram os conceitos de educação (princípios e finalidades, objetivos, intervenientes…) e as políticas que estabeleceram as prioridades e definiram os papéis dos diferentes atores no processo educativo (entre eles o dos professores), influenciaram significativamente a postura e as práticas desses mesmos atores, «condicionaram» os resultados obtidos e contribuíram, também, para um desfasamento entre as diferentes problemáticas que o dia-a-dia nos coloca, nos diferentes contextos e graus de ensino, e o tipo de respostas em que «teimosamente» se insistiu e que mais não conseguiram do que agravar e/ou adiar a resolução dos problemas resultantes de uma globalização desenfreada e das diversidades culturais identificadas.

 Luíza Cortesão, na obra acima referida, retrata toda uma preocupação na análise dos problemas educativos no seu contexto espácio-temporal, nomeadamente ao nível da produção e reprodução do saber e centra-se nos papéis e nas atuações dos professores num mundo marcado por essa globalização, e pela significativa emergência e visibilidade das diversidades culturais.

Nesta obra a autora enquadra a sua análise em condições socioeconómicas e históricas, fala da modernidade e da escola de massas que emergiu…cresceu… e que viabilizou o acesso ao ensino, a um público de grande heterogeneidade. E se perante a heterogeneidade se espera e exige diversidade nas respostas (diversidade nos conteúdos, nos materiais, nos métodos, nas estratégias…), os que «vivem» essa escola, confrontam-se diariamente com princípios economicistas e meritocráticos (neoliberalismo), com um currículo único e com professores e outras normas, especialmente definidos para homogeneizar.

 Divergindo, à partida, ao nível dos interesses, das motivações e das necessidades que os mobilizam no processo educativo, os diferentes intervenientes (alunos, famílias, professores…) vão assistindo ao alargar do fosso, nesta vivência de escola. Este modelo que se arrasta e se distancia das necessidades que a nova realidade coloca, vem impedindo que cada indivíduo (diferente dos demais) e o seu grupo de pertença, verdadeiramente se revejam e se encontrem no desenvolvimento de um projeto (projeto educativo) onde caibam subprojetos que possam desafiar e empenhar cada um e todos na e para a construção das diferentes aprendizagens (escola democrática, intermulticultural). Os conflitos e os fracos resultados escolares que inevitavelmente acabam por surgir desta divergência de interesses, de motivações e de necessidades,  «resolvendo-se», inicialmente, pela fraca expressão e pelo tipo de “penalizações e punições” adotadas, com o decorrer do tempo, crescem na frequência, na intensidade e na forma de expressão, e vão fugindo ao controlo dos responsáveis educativos (professores, famílias e poder instituído).

Perante esta “ineficácia educativa” torna-se visível o descontentamento de diferentes setores da sociedade e surgem «apelos desencontrados» que visam, essencialmente, a satisfação dos interesses específicos desses grupos (por vezes contraditórios) e que nos levam, de acordo com os diferentes quadros teóricos a analisar e interpretar os professores nas suas formas de estar e de agir.

No estudo sobre os professores, Luiza Cortesão refere os que são, apenas e só, um instrumento de reprodução social e adotam uma prática de «educação bancária» (Paulo Freire), vendo no aluno apenas alguém que nada sabe, e onde depositam todo o seu conhecimento (professor detentor absoluto do saber); aqueles que se limitam a ser «tradutores» do conhecimento produzido por outros (Bernstein), e mais não fazem do que transpô-lo, de uma forma simplificada, no contexto pedagógico; os que ensinam um «ofício de investigador» e atuam como treinadores de atletas de alta competição (Bourdieu), e os que desenvolvem uma ação que se aproxima da de um «investigador-ator crítico», capazes de construir conhecimento sobre os seus alunos (conhecê-los sob uma perspetiva socioantropológica) e de o adequar para utilização destes e com estes (diferenciação pedagógica).

 A autora faz ainda referência a Lyotard (1989) que considera estes profissionais como um grupo em vias de extinção, prevendo a «morte do professor», como resultante de um confronto que, em sua opinião, não é possível vencer, face à variada e apelativa gama de meios, atualmente ao dispor do aluno, nos diferentes contextos em que se movimenta, para aceder aos conhecimentos e às aprendizagens que os currículos definem como necessários.

A escola dos nossos dias - escola de massas (escola pública), é povoada de diferenças, entre elas, as socioeconómico-culturais. Na tentativa de resolver os problemas que a afetam (sem sucesso), recorreu à massificação do ensino «sendo cúmplice de processos educativos em situações de marginalização e exclusão social de minorias», que estudos realizados confirmaram.

 Identificar e responder com adequação às necessidades emergentes, exige uma «constante vigilância crítica» que permita questionar as posições de pseudoneutralidade, os processos educativos, os trabalhos de investigação, as situações e afirmações a que até agora, pela sua repetição nos habituámos, e a que, de uma forma “natural e cómoda” passámos a considerar como aceitáveis e óbvias.

A diversidade e a complexidade das problemáticas nas nossas escolas (explícitas e latentes) revelam a inevitabilidade do fim da «indiferença à diferença» (Sousa Santos), e a necessidade de definir linhas de atuação resultantes de uma investigação que se relacione com a intervenção.

Do conhecimento que vem construindo sobre a atuação dos professores, a autora enquadra-os em dois grupos absolutamente diferenciados, e marcados pela formação: os monoculturais e os intermulticulturais a que correspondem, logicamente, modelos diferenciados de formação. Para a autora, o professor monocultural (escola tradicional, desfasada do contexto atual) visa a veiculação de uma «cidadania uniforme» (daltónico, tradicional), enquanto que o professor intermulticultural (imprescindível na escola atual) assume um papel de precursor e incentivador de uma «cidadania colorida» (não daltónico, democrático). Em relação ao professor “monocultural”, a formação insere-se num quadro teórico que aponta entre outros aspetos para a neutralidade do ato educativo; que valoriza metodologias e materiais estandardizados; a importância de manter a cultura erudita e nacional; que prioriza a transmissão dos saberes considerados importantes; que atribui às dificuldades escolares explicações psicológicas e biológicas, que se implica na compreensão de handicaps existentes nos alunos, mas que entende a diferença como um obstáculo que condiciona a prática educativa.

A autora carateriza este “tipo” de professor como fiel reprodutor do sistema, cientificamente competente, possuidor de uma sólida formação e bom tradutor da ciência, seguro e estável, emissor de saber, preocupado com os alunos, justo, eficiente, exigente, capaz, e que dirige a sua ação no sentido de desenvolver nos alunos as competências que respondam às necessidades do mercado de trabalho.

Contrariamente, o quadro teórico em que assenta a formação do professor intermulticultural confere-lhe um papel ativo, crítico e reflexivo no e do sistema, implica-o no estudo dos contextos em que trabalha, pois responsabiliza também a escola, pelo sucesso e o insucesso dos alunos; determina a compreensão desta como espaço de práticas conflituais; contempla a descoberta e alargamento de espaços de autonomia (dos professores e da escola); promove a aceitação e rentabilização das diferenças, considerando-as como enriquecedoras; prevê a diferenciação pedagógica como forma de promover o sucesso educativo; apela a uma planificação flexível e à «conceção do bilinguismo cultural crítico e da consciência do direito à cidadania como meta».

Para Luíza Cortesão, o professor intermulticultural é um ser capaz de se questionar e de investigar nos domínios da sociologia e da etnosociologia, atento à diversidade cultural, capaz de identificar e analisar problemas de aprendizagem e de definir adequadamente as respostas necessárias ao indivíduo, aos grupos e aos contextos, é flexível, facilitador, dinamizador e «provocador» de aprendizagens.

E se as caraterísticas de uns e de outros os distinguem de forma tão evidente e determinam, como é expetável, práticas absolutamente distintas, terão os «dois» condições de sobreviver no contexto atual?

No «estudo» que realiza sobre as práticas dos professores a observação incide sobre o «quê», o «como» (Bernstein), o «onde», e a forma como é desenvolvido (processo, instrumentos de registo e apresentação de resultados), e permite o cruzamento de diferentes possibilidades das quais resultam a identificação de nove tipos diferenciados de atuação que se distribuem, também de acordo com as suas caraterísticas, pelos diferentes graus de ensino: o básico, o secundário e o superior. Pela análise dos dados desse quadro identificam-se e caraterizam-se as diferentes situações que podem, por sua vez, dividir-se por três grandes grupos: num primeiro grupo incluem-se as situações que apontam para professores monoculturais, com uma postura daltónica, que desenvolvem práticas assentes em pedagogias visíveis e que “alimentam” uma escola meramente reprodutora onde o que se ensina é decidido pelos que têm o poder de decisão, nos diferentes contextos.

 Num segundo grupo, incluem-se as situações em que os professores mantendo práticas daltónicas e monoculturais que se enquadram numa escola reprodutora, utilizam métodos ativos e pedagogias invisíveis capazes de mobilizar os alunos para as aprendizagens que, os que têm o poder de decisão continuam a determinar.

 No terceiro grupo incluem-se, finalmente, as situações em que os professores são capazes de adequar o quê e o como no processo ensino/aprendizagem, aos interesses, motivações e necessidades dos públicos com quem trabalham, «revelando preocupações emancipatórias» e utilizando pedagogias invisíveis que privilegiam a investigação/ação e encaram o aluno como construtor de saber.

Nestas situações, os professores consciencializaram, verdadeiramente, os efeitos que a vivência com o arbitrário cultural determina na formação dos indivíduos (imposição e aplicação de normas; escolha de conteúdos e formas de avaliação que adotam - cf. Bourdieu e Passeron); abandonaram o «daltonismo cultural» em que os professores são habitualmente socializados (cf. Cortesão e Stoer, 1996), descobriram o arco-íris das culturas de que fala Boaventura S. Santos e são capazes de uma intervenção crítica, responsável, «artística» e sistematicamente reflexiva.

Para a autora são as situações resultantes desta forma de ser, estar e agir do professor que poderão impedir a sua «morte anunciada» porque valorizam não apenas o adquirir informação ou o saber obtê-la (Nuyen), mas «compreender o significado do que se obtém com a informação». Permitem ainda, que se seja capaz de organizar o conhecimento de novas formas e exigem simultaneamente o desenvolvimento da imaginação. Nestas situações contempla-se o recurso a dispositivos de diferenciação pedagógica que permitem aos alunos adquirir e utilizar as aprendizagens que lhes permitirão viver e intervir na sociedade dominante, sem que se destrua a imagem e o valor das suas culturas de origem.

Mas se Luiza Cortesão entende serem estas formas de intervir que melhor respondem às necessidades atuais, não pode deixar de referir-se também que, hoje em dia, o papel do professor é duplamente dificultado pelas exigências de uma sociedade que «perde» valores familiares. O docente tem uma diversidade de funções e inúmeras vezes, pela urgência de resposta a situações que não podem nem devem ignorar-se (o professor como cidadão é também um responsável educativo), e a «falta» daqueles que por direito deveriam desempenhar esse papel, vê-se na contingência de «ser» família… psicólogo… assistente social… e afasta-se, deste modo, da essência da sua função pedagógica. E se a este profissional compete contribuir para a formação integral dos alunos, não pode pretender-se que sozinho possa cumprir esse papel. Nenhum modelo pedagógico funcionará no processo ensino/aprendizagem enquanto a sociedade e as instituições se limitarem a tecer pareceres e a produzir normas, e a não se implicarem efetivamente no sentido de proporcionarem às crianças de hoje/homens de amanhã, a educação e o desenvolvimento harmonioso a que têm direito e que todos tão prontamente reconhecem.

Para a autora da obra em análise, do que se conhece e apesar de toda a evolução tecnológica que nos invade, não existe ainda «máquina de ensinar» capaz desempenhar, com eficácia, um papel que às pessoas pertence. Colocando no plano da utopia a generalização das situações de trabalho que ultimamente se referiram, relacionando-as com uma Escola e um modelo de desenvolvimento de sociedade que urge conseguir, a autora é bem mais segura quando afirma que este professor (com elas relacionado) é, de facto, imprescindível no processo educativo dos alunos.

 E quando, pelo testemunho do trabalho que em algumas escolas já se desenvolve, se perceber que este professor é também garante na e da humanização no processo de aprender e de ensinar, talvez se reduza o “mal-estar” das pessoas e das instituições, e se assista a um agir ativo e responsável numa EDUCAÇÃO que a todos compromete e que a todos beneficiará.