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Editorial

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Desporto escolar 2013/17

Desporto escolar

Educação e Ensino


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Educação e Ensino: uma relação de complementaridade

Leonor Serrano e Orlando Serrano
...

A educação não pode ser delegada à escola. Aluno é transitório. Filho é para sempre.

–Içami Tiba, Palestra proferida em Curitiba, 23-07-2008

Educação de ensino é com a escola. Educação de valores é com os pais.

–Autor desconhecido, citado por Biagolini, 2009

A reflexão que fizemos sobre “A participação dos pais e encarregados de educação na vida da escola” (Serrano, 2015), publicada na PROFFORMA, Nº 15 – abril de 2015, insere-se numa área de estudo ainda com escassa investigação em Portugal e, por isso, a literatura existente sobre os pais e encarregados de educação (pais/EE), aqui apresentados como “actores do jogo escolar” (“Apresentação da colecção”, 2003, p. [10]) é reduzida.

De facto, e parecendo justificar tão reduzido número de estudos, Lima (2003) afirma que “a escola portuguesa foi institucionalizada à margem da intervenção parental…” (p. [13]). Isto não significa, porém, que não se atribua aos pais/EE um papel importante. A título de exemplo, Martins (2003), na investigação que desenvolveu, focou a sua atenção em privilegiar “os novos atores educativos” (p. 20) que se podem encontrar na escola: os pais/EE.

Também Silva (2007) reforça a importância da interação necessária entre os principais atores sociais da relação escola-família: as crianças e os jovens, os pais/EE e os professores. Este autor identifica, para além destes, outros atores “periféricos” (p. 9), tais como: autarquias, associações de pais/EE e comunidade em geral.

Decorre do que foi dito que podem ser identificados dois pilares centrais: a escola e a família, os quais têm sido alvo de algumas investigações recentes. Pinto (2003) afirma que esta temática tem suscitado o interesse de muitos investigadores e realça a ideia de que as relações escola-família parecem ter finalmente conseguido “um lugar ao sol” (p. 23) nos estudos desenvolvidos no campo da educação.

Neste sentido, importa destacar neste artigo, de forma necessariamente breve, algumas reflexões que consideramos importantes e que emergem da literatura existente.

Por um lado, alguns autores colocam a tónica na importância da família como construtora de um projeto pedagógico familiar. Referem, ainda, que quanto mais consistente for esse projeto, maior é a envolvência da família no acompanhamento escolar. Tal perspetiva vem contrariar a ideia, que durante muito tempo prevaleceu, de que “escola, é escola, casa, é casa” mencionada por Duru-Bellat e Henriot-van Zanten (1992, p. 168). Nasce, assim, uma nova conceção de educação apoiada na importância atribuída à interação escola-família.

Ao analisarem os contributos que as famílias podem prestar relativamente ao sucesso das crianças e jovens, autores como Davies (2003) referem que “quanto mais a relação entre as famílias e a escola for uma verdadeira parceria, mais o sucesso escolar crescerá” (p. 77). Este autor defende ainda a existência de um verdadeiro compromisso da escola para com as famílias, tendo em vista o bom desempenho do aluno.

Por outro lado, autores como Musitu (2003) colocam o enfoque na análise dos obstáculos que podem condicionar a ação recíproca entre a família e a escola. De entre os vários que identificou, evidenciam-se os seguintes:

  • Filosóficos – grande parte das escolas e famílias propõem-se a uma colaboração reciproca, no entanto, da parte da escola, há quem não concorde com uma participação ativa dos pais/EE. No outro lado da relação, os pais/EE consideram que os dirigentes e educadores/professores não sabem discernir o melhor para os seus filhos.

  • De comportamento, com o foco em três aspetos: territorialidade – em ambos os atores (pais/EE e professores) poder-se-á verificar um sentimento de resistência e ameaça, que os leva a adotar uma postura defensiva; confiança na própria competência – da parte dos professores, verifica-se alguma insegurança na forma de otimizar uma eficaz relação com os pais/EE. Estes encaram como obstáculos a uma boa cooperação, a dificuldade da linguagem utilizada, a informação pouco apropriada e o não entendimento do sistema de ensino, na sua globalidade; conflito de valores – referimos a indefinição dos papéis assumidos e a não existência de uma filosofia de envolvimento dos pais/EE.

Teixeira (2003), a propósito da participação dos pais/EE na escola, estudou as perspetivas destes e dos professores, tendo concluído que há muito por fazer. Fundamentalmente defende que os professores ainda não encontraram  o melhor caminho para ir ao encontro das famílias, estratégia capital para alcançar o sucesso, quer para os alunos, quer para a escola. Enquanto que a premissa que ressalta dos pais/EE é a dificuldade que resulta da incompatibilidade dos horários tendo em vista a sua participação na vida da escola. Desta dificuldade presencial e comunicacional surge a criança como portadora de mensagens entre a escola e a família, desempenhando o papel que Perrenoud (1995) denominou de “go-between” e que funciona como “… o árbitro das relações entre os pais e os professores, que pode tornar possível ou esvaziar de sentido as comunicações diretas entre ambos.” (p. 90). Embora a criança assuma um papel extremamente importante nesta relação, este é por vezes esquecido pelos demais intervenientes. A criança “go-between” tem o poder de mediar os contatos entre os professores e os pais/EE e intervir “… selectivamente e activamente…” (Perrenoud, 1995, p. 112) no processo de comunicação entre estes. No entanto, o desenrolar da ação do “go-between” pode ser vivido de forma diferente, como nos refere Pinto (2003), dependendo das “… diferentes etapas do percurso escolar da criança ou do adolescente” (p. 41) durante as quais a criança e o jovem vão desenvolvendo diferentes experiências de autonomia.

Na reflexão de Serrano (2015) – efetuada no anterior número da PROFFORMA –, “constatamos que o direito português reconhece uma função primordial à família, no que diz respeito à educação dos seus filhos” (p. 1).

A Constituição da República Portuguesa (CRP) estatui o direito à educação através do número 1 do artigo 73º e o direito ao ensino pelo número 1 dos artigos 74º e 75º. Importa agora compreender a sua diferença. Assim, na opinião de Gomes (2002) “a educação equivale precisamente à ideia de preparação para a vida adulta e são os pais, enquanto primeiros educadores, que a transmitem, fornecendo modelos de comportamento essenciais à formação da personalidade da criança” (p. 100). O ensino tem a ver “mais estritamente com a transmissão e aquisição de conhecimentos e aprendizagens, ou seja, uma dimensão formal da educação através da escola” (Canotilho & Moreira, 2007, citados por Leitão, 2015, p. 93). Podemos então concluir que a educação é complementar ao processo de ensino, sendo que a educação, segundo Miranda e Medeiros (2010), “… destina-se essencialmente ao desenvolvimento da personalidade” (p. 1410), começa e desenvolve-se através da família, enquanto o ensino que se desenrola na escola não pode existir sem a vertente educativa.

Ainda a respeito do enquadramento legal, a Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), pela voz do seu presidente Jorge Ascenção, assinala que, regra geral, os estrangeiros pensam que Portugal tem uma boa legislação sobre a participação dos pais/EE na escola. Porém, na prática, estes não podem usufruir, sequer, das quatro horas por trimestre, por cada menor, para se deslocarem à escola[1].

Embora, como vimos, a legislação atribua uma relevância significativa à intervenção parental nas escolas, Gonçalves (2014) e Gonçalves e Batista (2014), nos estudos que têm desenvolvido, julgam que tal parceria ainda não se constitui como uma prática efetiva, talvez porque, Gonçalves (2015) crê que os pais/EE ainda não assumiram esta “nova responsabilidade” (p. 465) de parceiros dos professores. Aliás, o conceito de “parceria escola-família” é abordado de forma diferente por estes dois atores.

Relativamente àquelas que são as funções a desempenhar quer pela escola, quer pela família, Machado (2011) assume uma posição através da qual afirma que os professores têm como função ensinar e os pais/EE educar. Da sua longa experiência considera que a tarefa de ensinar compreende um desafio capital, o qual obriga à responsabilidade, entrega, formação e aprendizagem contínua dos professores.

Dos inúmeros conselhos que apresentou para os pais/EE com a função de educar, mencionamos o seguinte: “eduque os seus filhos com base em valores nobres e sólidos” (p. [73]), pois considera que estes valores são as bases do desenvolvimento da sua personalidade. O autor sustenta a ideia de que “a educação na escola é um complemento do que se aprende em casa, e vice-versa” (p. 15), pelo que encara de forma natural a coerência que deve existir entre as funções de ensinar e educar e entre os atores nelas implicados (pais/EE e professores.

Na mesma linha, Juan Ambrósio (2015) apresenta a necessidade da transmissão dos valores essenciais para o desenvolvimento do ser humano, a educação da verdade, do bem e do belo (slide 11).

Nesta mesma linha de pensamento, o Papa Francisco (2014), num dos seus discursos, considera que “A missão da escola é desenvolver o sentido do verdadeiro, o sentido do bem e o sentido do belo. E isto acontece através de um caminho rico, feito de tantos ‘ingredientes’” (para. [7]). Tal caminho torna-se, pois, efetivamente mais rico se partilhado entre os vários intervenientes, escola, família e crianças e jovens, tornando-nos a todos melhores cidadãos, melhores pais/EE, melhores professores e melhores alunos.

Não podemos querer, enquanto pais/EE, que a escola seja responsável por todas as funções de ensinar e educar; a escola ajuda a criança a entender a funcionalidade do mundo que a rodeia, tendo como “… objectivo último… tornar, no futuro, o jovem um cidadão plenamente realizado e integrado.” (Cardoso, 2015, p. 53). A cidadania e os valores que a compõem são o objetivo da educação transmitida pela família também partilhado pela Escola.

Se cada parte cumprir o seu compromisso nesta parceria, no desígnio de "que os professores façam o que têm a fazer na escola, que os pais façam o que têm a fazer em casa” (Justino & Grácio, 2009, citados por Castro, 2010, p. 12) e se a mesma for alicerçada num clima de confiança entre pais/EE, professores e alunos, será mais fácil construir um sistema de comunicação entre estes.

À escola compete encontrar formas de melhorar a participação dos pais/EE, de tornar esta mais ativa e constante. A escola tem de estar de portas abertas à família e construir uma relação de parceria transparente, na qual cada elemento saiba em concreto qual o seu papel, a sua função, confiando no desempenho da parceria rumo a um objetivo comum e na consciência de que a complementaridade entre todos os agentes educativos é o fator chave para o sucesso escolar.

A emergência desta complementaridade efetiva justifica-se, fundamentalmente, porque “Queremos que os filhos, adultos de amanhã, aprendam, necessariamente ao longo da vida, exerçam plenamente a cidadania e, mais importante do que tudo, possam ser melhores seres humanos e sobretudo mais FELIZES!” (Cardoso, 2015, p.263).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ambrósio, J. (2015). Educar hoje: Como e para quê [Ficheiro PowerPoint]. Palestra proferida em Encontro Concelhio COSAP (Federação Concelhia de Setúbal das Associações de Pais), Setúbal, 6 junho 2015.

Apresentação da colecção. (2003). In C. A. Pinto & M. Teixeira (Org.), Pais e escola: Parceria para o sucesso (pp. [7-10]). Porto: ISET.

Cardoso, J. R. (2015). Pais à beira de um ataque de nervos. Lisboa: Guerra & Paz.

Castro, T. F. F. (2010). Causas de (in)sucesso escolar: Estudo de caso de uma escola do concelho de Vila Real (Tese de mestrado, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal). Recuperado de http://hdl.handle.net/10348/1411

Davies, D. (2003). A colaboração escola-família-comunidade: Uma perspectiva americana. In C. A. Pinto & M. Teixeira (Org.), Pais  e escola: Parceria para o sucesso (pp. 71-94). Porto: ISET.

Duru-Bellat, M., & Henriot-van Zanten, A. (1992). Sociologie de l’école. Paris: Colin.

Francisco. (2014, maio 10). Discurso do Papa Francisco aos estudantes e professores das escolas italianas. Recuperado de https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/may/documents/papa-francesco_20140510_mondo-della-scuola.html

Gomes, C. A. (2002). Três estudos de direito da educação. Lisboa: AAFDL.

Gonçalves, E. (2014). Parceria escola-família: As diferentes percepções dos diferentes atores. Comunicação apresentada em VIII Congresso Português de Sociologia – 40 anos de democracia(s): progressos, contradições e prospetivas, Univ. de Évora, 14-16 abril 2014. Recuperado de http://www.aps.pt/viii_congresso/VIII_ACTAS/VIII_COM0853.pdf

Gonçalves, E. (2015). Evolução da participação dos pais no sistema educativo: Um olhar a partir da produção legislativa. In M. L. Rodrigues (Org.), 40 Anos de políticas de educação em Portugal (Vol. 2, pp. 445-466). Coimbra: Almedina.

Gonçalves, E., & Batista, S. (2014). Tipos de participação parental nas escolas: Um olhar sobre as associações e representantes de pais. In B. P. Melo, A. M. Diogo, M. Ferreira, J. T. Lopes & E. E. Gomes (Orgs.), Entre crise e euforia: Práticas e políticas educativas no Brasil e em Portugal, 599-623. Recuperado de http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/13010.pdf

Leitão, A. (2015). Enquadramento jurídico-constitucional da política pública de educação. In M. L. Rodrigues (Org.), 40 Anos de políticas de educação em Portugal (Vol. 1, pp. 91-108). Coimbra: Almedina.

Lima, L. C. (2003). Prefácio. In M. F. Martins, Associações de pais e encarregados de educação na escola pública: Contributos para uma análise sociológica-organizacional (pp. [13]-15). Lisboa: Departamento da Educação Básica.

Machado, J. (2011). Pais que educam, professores que amam: Conselhos simples para ensinar filhos e inspirar alunos. [S.l.]: Marcador.

Martins, M. F. (2003).  Associações de pais e encarregados de educação na escola pública: Contributos para uma análise sociológica-organizacional. Lisboa: Departamento da Educação Básica.

Miranda, J., & Medeiros, R. (2010). Constituição portuguesa anotada (Tomo 1, 2.ª ed. rev., actual. e ampl.). Coimbra: Wolters Kluwer.

Musitu, G. (2003). A bidirecionalidade das relações  família/escola. In C. A. Pinto & M. Teixeira (Org.), Pais  e escola: Parceria para o sucesso (pp. 141-174). Porto: ISET.

Perrenoud, P. (1995). Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Editora.

Pinto, C. A. (2003). Da socialização familiar à socialização escolar: Representações de pais e alunos sobre as práticas educativas familiares. In C. A. Pinto & M. Teixeira (Org.), Pais  e escola: Parceria para o sucesso (pp. 21-70). Porto: ISET.

Serrano, O. (2015). A participação dos pais e encarregados de educação na vida da escola. PROFFORMA, 15, 1-4. Recuperado de http://cefopna.edu.pt/revista/

Silva, P. (2007). Associações de pais, interculturalidade e clivagem sociológica: Algumas questões. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP, 1(1), 3-30. Recuperado de http://www.reveduc.ufscar.br

Teixeira, M. (2003). A participação dos pais na escola: Perspectivas de pais e professores. In C. A. Pinto & M. Teixeira (Org.), Pais  e escola: Parceria para o sucesso (pp. 175-208). Porto: ISET.


[1] Intervenção de Jorge Ascenção no Conselho Geral da CONFAP, Oliveira de Azeméis, 28 fev. 2015.