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Editorial

- Educar Sempre -

É preciso falar

Desporto escolar 2013/17

Desporto escolar
Educação e Ensino
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É preciso falar na aula… de Português!

Maria Luísa Moreira
Escola Secundária de São Lourenço

“Palavras leva-as o vento” – diz o povo. Mas esquece-se, ou ignora, que os efeitos, danosos ou não, das palavras, não são levados por ventos oportunos… De facto, é através da expressão oral  que os seres humanos mais comunicam e interagem.

O que é o oral, afinal? O que se entende por expressão oral?

A expressão oral é um processo interativo de construção de significado, que envolve a produção e a receção e o processamento de informação (Brown, 1994; Burns e Joyce, 1997). A sua forma e significado são dependentes do contexto em que ocorre, incluindo os próprios interlocutores, as suas experiências coletivas, o meio envolvente e as finalidades da expressão oral. É frequentemente espontânea, aberta e evolutiva. Contudo, o discurso oral nem sempre é imprevisível. As funções da linguagem (ou padrões) que têm tendência para ocorrer em certas situações discursivas, (e.g. declinar um convite ou solicitar dispensa no trabalho) podem ser identificadas e categorizadas (Burns e Joyce, 1997)

É, sem dúvida, um processo complexo a expressão oral e, como tal, exige da parte da Escola uma ação atenta e centrada em objetivos claros. Desde logo, o objetivo primeiro de qualquer produção oral, ou até escrita, é comunicar. E a comunicação tem lugar quando uma pessoa transmite ideias ou sentimentos a outra ou outras pessoas, sendo a sua eficiência avaliada pela semelhança entre a ideia transmitida e a ideia recebida.

Consideremos, então, algumas formas de comunicação oral: Discurso Político; Discurso Argumentativo; Protesto; Manifestação de Emoção; Pedido; Apreciação crítica; Apresentação de um livro/texto; Intervenção espontânea; Defesa de um ponto de vista; Debate; Síntese. Todas estas manifestações do oral pressupõem uma intenção, uma forma específica e o domínio de vocabulário exigente que deve ser trabalhado na Escola e, concretamente, na aula de português.

A introdução da modalidade oral como conteúdo a ser trabalhado na escola representa uma nova perspetiva de estudo da língua materna, já que a língua não mais é concebida como um sistema uniforme e homogéneo que se basta em si mesmo, mas como um conjunto de variedades, caraterizado pela riqueza dos seus usos.

A sociedade em que vivemos e, de forma muito particular, a escola – que é uma das suas instituições mais importantes – adotam uma visão grafocêntrica da língua e da sua aprendizagem.

 Tradicionalmente, o ensino da língua materna (e, talvez em menor escala, o das línguas estrangeiras) consistiu de forma quase exclusiva no treino das capacidades escritas e na reflexão metalinguística assente nas produções escritas e materializada em produtos igualmente escritos. Exercícios tradicionais como a cópia, o ditado e a redação tomam a escrita como o ponto de partida, o ponto de chegada e o veículo único da configuração linguística. Os exercícios de análise gramatical partem, na escola tradicional, quase só de exemplos escritos – e são normalmente respondidos por escrito.

No que toca à construção e à análise de texto, verifica-se o mesmo paradigma grafocêntrico: existe quase sempre uma assimilação estrita e direta da língua à sua realização escrita; as classificações tradicionais de texto (texto publicitário, texto literário, texto técnico, texto jornalístico, etc.) tomam em consideração, frequentemente, apenas o texto escrito.

Na abordagem a outras vertentes linguísticas, como a questão dos registos de língua, assistimos à mesma insistência na representação gráfica dos produtos verbais. Manuais e outras propostas de trabalho são pródigos em sugestões de exercícios cujo objetivo é reescrever conteúdos fazendo-os variar em função de condicionamentos como a formalidade/informalidade da relação entre interlocutores, por exemplo.

Ao abrigo desta visão predominantemente grafocêntrica dos fenómenos “língua” e “linguagem”, geram-se ainda alguns pontos de vista muito correntes, sem grande fundamentação teórica ou metodológica.

Muitas vezes invocados como argumentos para se evitar, na aula de língua materna, uma exploração mais sistemática, deliberada e explícita da dimensão oral da expressão linguística, eles traduzem-se em generalizações inexatas como as seguintes:

  • as realizações orais correspondem sempre a um registo informal/coloquial;

  • não sendo registadas, ao contrário do que sucede com as realizações escritas, não podem ser objeto de atenção, estudo, treino, descrição, avaliação ou correção;

  • as realizações orais são sempre improvisadas, o que explica e torna inevitáveis características como as pausas, as hesitações, as incorreções gramaticais, etc.;

Defendemos, pois, que  a modalidade oral é também passível de trabalho explícito na aula de língua materna.

Os programas de português em vigor referem:

A Oralidade contempla a Compreensão do Oral e a Expressão Oral. No próprio Programa se nota, por vezes, a interpenetração dos dois domínios, sendo até realizada, no 3.º Ciclo, a sua junção. A especificidade de um e de outro é expressa nos objetivos enunciados e respetivos descritores de desempenho dos alunos. Considera-se que a junção no domínio Oralidade reforça a interdependência entre Compreensão e Expressão.

In, Programa de Português 3º ciclo p. 5

Falar é, sem dúvida, uma das mais frequentes formas de ligação com o meio, um fator de promoção de sucesso social. Também a compreensão do oral, a capacidade de ouvir e compreender, de interpretar e relacionar, são competências condicionantes do sucesso pessoal e social que à Escola de hoje cabe promover.

No Programa de Português do Ensino secundário, pode ler-se:

Saber ouvir e compreender e saber expressar as suas opiniões, receios, vontades e sentimentos é vital para assegurar uma boa participação na sociedade em que estamos inseridos. Importa, pois, educar para a compreensão mútua entre interlocutores, condição primordial do agir comum. Neste sentido, reveste-se de particular importância promover a produção de textos orais e escritos adequados aos contextos comunicativos em que eles se realizam, tendo em consideração todos os elementos intervenientes, designadamente os referentes a espaços, interlocutores, tipos de textos, realizações linguísticas e estratégias de comunicação.

In Programa de português Ensino Secundário, p.2

Parece pois ser assumida a necessidade de se trabalhar a competência oral de forma explícita e continuada.

No entanto, o que se entende, de facto, por competência oral?

O conceito de competência, neste domínio da comunicação, surgiu pela mão do fundador da gramática generativa, Chomsky (1957), para se referir à aptidão que os falantes de uma língua têm para produzir e compreender um número ilimitado de frases inéditas. O conceito de competência contrapõe-se à conceção generativista clássica que a define como o conhecimento inato do sistema da língua de que um falante dispõe, deixando de ser estabelecido no plano abstrato do sistema para o ser no plano da performance, do "uso efectivo da língua em situação" (Chomsky,1965), ou seja, como uma competência comunicativa (Hymes, 1972, 1982). Deste modo, torna-se condição sine qua non conhecer as regras da comunicação para usar a língua de forma correta nas diferentes situações com que os indivíduos se deparam diariamente, sendo necessário dominar a competência pragmática que diz respeito às regras que permitem interpretar um enunciado inserido num contexto específico. A atenção dispensada ao "poder transformador da palavra na organização da vida social" (Amor, 2003,p. 16) explica o seu fácil encontro com a pragmática que releva da conceção da língua e discurso em situação de uso, na qual o locutor, o alocutário e o contexto são as categorias principais que determinam a interpretação linguística (Levinson, 1983).

In, Revista Portuguesa de Educação, 2013, 26(2), pp. 111-138 2013, CIEd - Universidade do Minho

 

Estamos, então, face a um novo desafio, a um novo quadro de ação que urge encarar e desenvolver. Os teóricos definem, sistematizam, e os professores, na ação prática dentro do espaço escola, na dinâmica de sala de aula, devem executar com vista ao sucesso dos seus alunos e, consequentemente, à melhoria dos resultados dos mesmos.

No entanto, a competência oral acaba por ser esquecida em contexto sala de aula, pois é dada como adquirida pela maior parte dos docentes. Porquê? Porque se assume, erradamente embora, que a competência oral se desenvolve apenas na relação entre o “eu” e o mundo que integra. Afinal, uma criança começa a falar antes mesmo de ingressar na escolaridade, por imitação dos pais e adultos com quem convive…

Aceitarmos este paradigma seria aceder ao determinismo social que tanto condenamos!

As aprendizagens não acontecem apenas por relação com o mundo e, por isso, a aprendizagem efetiva do oral não depende exclusivamente das interações sociais que o sujeito estabelece. Cabe ao professor enfatizar este desenvolvimento criando estratégias de aprendizagem que visem a transferência de saberes. O professor acaba assim por não ser um mero detentor do saber, mas sim um orientador e dinamizador. Este trabalho deve ser feito através da produção de materiais didáticos adequados ao perfil dos alunos e ao contexto em que estes se inserem, de forma a facilitar a sua aprendizagem.

O domínio satisfatório da competência oral em situação formal exige correção e clareza e o domínio das marcas nucleares da norma-padrão, mas pressupõe também a adequação ao contexto, ao tema, ao tempo disponível e, sobretudo, ao alocutário e às suas reações durante a produção do discurso oral. Todos estes elementos variam consoante o grau de formalidade do discurso. Ora, o domínio destas dimensões pode e deve ser treinado na escola, a diferentes níveis: linguístico e comunicativo. É sem dúvida necessário incluir na aula de português esta competência que parece continuar a ficar nos corredores da Escola…

Nos últimos anos, o mundo tem rodado a uma velocidade alucinante, vertiginosa mesmo. Alguns sociólogos mais centrados nos motivos de tão profundas alterações, apresentam as tecnologias, o desenvolvimento informático, a desvalorização de referentes éticos da Humanidade como responsáveis pelas mudanças. Sejam quais forem as razões, e pensá-las não cabe no objeto deste trabalho, não podemos ignorar o seu reflexo na Escola. A Escola de hoje não pode, ou não deveria, continuar a organizar-se numa estrutura secular pensada e criada para o mundo de ontem. A Escola acolhe as mudanças, nos comportamentos e atitudes dos que a integram, mas não altera, não alterou ainda, a sua estrutura organizativa. O que se pede ao professor de hoje? Que, parafraseando Mª do Ceu Roldão, “Ensine Educando”. Que cumpra a missão da Escola – ENSINAR – sendo capaz, simultaneamente, de Educar. Educar para a inserção social, numa perspetiva de equidade e inclusão.

Hoje, o professor confronta-se com um público diverso, movido por motivações díspares.

O Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, atribui às escolas uma missão de serviço público, que consiste em “dotar todos e cada um dos cidadãos das competências e conhecimentos que lhes permitam explorar plenamente as suas capacidades, integrar-se ativamente na sociedade e dar um contributo para a vida económica, social e cultural do País”. Como cumprir este desiderato ignorando o ensino explícito do oral?

Propomos, então, que o professor de português atribua, no âmbito do cumprimento do previsto nas Metas Curriculares em vigor, um novo lugar à didática do oral! O desafio é, no fundo, reinventar a sala de aula de português…