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Educação para a Cidadania

 

Crónicas de Aprender

Entrevista

Cartoon

  


 

 

Educação para a cidadania: A valorização das potencialidades dos indivíduos e sua implicação no desenvolvimento local 

Olímpia Nabo
Agrupamento de Escolas de Marvão

A escola é um espaço central nas sociedades modernas e democráticas, porque é o palco onde as gerações mais novas aprendem a estabelecer relações sociais, com os seus pares e com a figura adulta. Ou seja, com o outro – e sobretudo com o outro que conta. (…) A «forma escolar moderna», criada no século XIX, foi um pilar para a modernização dos Estados-nações, e também para o sistema democrático.

Resende, José Manuel, Cidadania [1]

 

Na sociedade do século XXI, urge apetrechar crianças, jovens e adultos com saberes teóricos e práticos que os capacitem para enfrentarem com sucesso os desafios profissionais e pessoais que lhes são lançados. Será o campo da Educação o mais apropriado e privilegiado para concretização dessa missão?

Para Christine Josso, a Educação manifesta-se na ação exercida pela sociedade através das suas diversas instituições políticas e públicas para se assegurar a transmissão dos conhecimentos, dos valores, do savoir-faire, dos comportamentos que vão assegurar a integração das novas gerações – ou das gerações mais velhas que necessitam reintegrar-se – na vida social, cultural, económica, política. Pela Educação preservam-se, perpetuam-se e transmitem-se ao indivíduo as normas e valores, que englobam os modos culturais de ser, estar e agir, necessários à convivência e ao ajustamento no seu grupo ou sociedade.

Esta perspetiva encerra uma conceção conservadora, porque, embora não seja um obstáculo, procura assegurar a “continuidade da vida da sociedade”. Por outro lado, é inovadora, na medida em que facilita a adaptação das pessoas à evolução da sociedade. É sobretudo um processo de socialização exercido para a adequação do indivíduo ao mundo, à civilização, à sociedade e ao grupo.

Ao contrário do que globalmente se pensa, a Educação na sua génese, por definição, não se revela como “um espaço de liberdade”. Esta concepção de Josso, apesar de provocatória, como reconhece a própria autora, poderá fazer todo o sentido ao considerar-se que o acto de educar (deriva de educare, em latim, que significa “conduzir”) carrega a intencionalidade de adequar e moldar o indivíduo de acordo com a sociedade em que se insere.

Todavia, a aprendizagem é uma atividade intrínseca, natural, imprescindível e inevitável. Os indivíduos aprendem vivendo e vivem aprendendo. Estão “condenados a aprender” e ao envolverem-se num processo de interação com o contexto social, constroem uma visão do mundo e intervêm nele. O ser humano é, aliás, o único ser existente no Universo que busca permanentemente conhecê-lo. Por conseguinte, pela aprendizagem, os indivíduos adquirem novos conhecimentos, desenvolvem competências e mudam o comportamento e a atitude ao longo da vida. A aprendizagem é, simultaneamente, causa e efeito de uma mudança permanente, mais ou menos sistematizada, adquirida pela experiência, pela observação e pela prática (ação) que acontece em meio social, num tempo e num espaço.

Na civilização ocidental, desde os finais do século XVIII, toda a formação tem estado impregnada do modelo escolar (Nóvoa, 1988). Ao longo do tempo, as sociedades foram concebendo as práticas de formação segundo um pressuposto inalterável: “educar é preparar no presente para agir no futuro”.

Na perspectiva de Rui Canário, a maior parte daquilo que sabemos não foi aprendido na escola. O modelo escolar é uma “invenção histórica muito recente, pela qual passou uma parte ínfima da humanidade”. Ao longo da vida, as situações de aprendizagem proporcionadas não são somente as que se enquadram no modelo escolar. Aprendemos pelas mais diversas formas, ocorrendo a maioria das aprendizagens em contextos não formais.

Desde as últimas décadas do século XX até à primeira década do século XXI, têm-se revalorizado os processos não formais da aprendizagem. Numa conceção de aprendizagem ao longo da vida, passa-se a encarar a educação como um processo contínuo, que coincide com o ciclo vital, em que se combinam de modo fecundo uma via experiencial e uma via simbólica (de formalização da experiência).

No entanto, seguindo a visão de Nóvoa (1988), o paradigma escolar dissocia o tempo da formação (no presente), do tempo da ação (no futuro), assim como separa o espaço da formação (na escola), do espaço da ação (no trabalho). Tal visão implica duas lógicas distintas e separadas no tempo e no espaço: de um lado, situações de formação organizadas segundo uma lógica de conteúdos e disciplinas; por outro lado, situações de trabalho organizadas segundo uma lógica dos problemas a resolver e dos projetos a realizar. Perante tal dissociação, o autor interroga-se,

…em que medida (e de que modo) as atitudes, as capacidades e os conhecimentos adquiridos durante a formação podem ser “mobilizados” numa situação real de trabalho?

Se por um lado o modelo escolar ao longo de gerações tornou possível o acesso rápido e democratizado ao saber, por outro lado foi-se revelando limitativo, na medida em que se centra na repetição e acumulação de informações dirigidas a grupos homogéneos, menosprezando-se o valor da experiência de cada indivíduo, que “constitui o principal recurso para quem aprende”[2].

Na Escola de hoje, tanto as aprendizagens formais, como as que se fazem por caminhos não formais, são igualmente importantes. Umas não anulam nem invalidam as outras. À medida que se foram valorizando os processos de aprendizagem não formal, foi possível compreender a “globalidade, a continuidade e a unidade de processos de aprender, viver e trabalhar”, evidenciando-se “potencial formativo dos contextos de trabalho”[3].

Segundo Canário, “as situações formalizadas, nomeadamente escolares, continuam a ser importantes”. A organização escolar poderá melhorar se for capaz de aprender com a riqueza de experiências educativas que lhe são exteriores, cuja matriz é não formal.

Não se trata de contestar simplesmente a autoridade do paradigma escolar na procura de uma “nova epistemologia da formação”. É sim necessária uma ação educativa globalizada que se centre na aprendizagem, que valorize as vivências experienciais e a interação coletiva e encare a “formação como um processo de autoconstrução, por parte dos próprios sujeitos”.

Canário salienta a realidade das zonas rurais, no interior do País, em que se verifica a perda de identidade, a descrença, o conservadorismo, a baixa autoestima coletiva e que conduzem ao isolamento, a perdas demográficas, ao encerramento de serviços públicos e à ausência de perspetivas de emprego.

A ação educativa tem um importante contributo a dar aos processos de desenvolvimento global, integrado e qualitativo das regiões rurais, fundamentalmente, numa perspetiva de o processo de desenvolvimento coincidir com um processo coletivo de aprendizagem. Podemos considerar que esta visão de Educação é a que melhor se harmoniza com o desenvolvimento local.

A solução para a quebra deste “ciclo vicioso” pouco animador depende da ação e da iniciativa de cada um dos indivíduos que aí vive a sua história de vida. Pois, como refere Canário, o envolvimento e a participação dos interessados, a partir da construção de uma visão positiva sobre as suas potencialidades e sobre as suas perspetivas de futuro, dão fundamento a tomadas de iniciativa.

Será a Escola, através das suas missões formadora e civilizadora, o universo privilegiado onde se valorizam e fomentam as potencialidades intelectuais, profissionais e cívicas dos sujeitos com vista à sua implicação no desenvolvimento local?

 A educação para a cidadania salienta-se no contexto educativo atual como o campo adequado para enfatizar e estimular as competências que conduzem os seus protagonistas à intervenção e à participação cívicas, voluntárias, ativas e efetivas, em iniciativas e projetos da comunidade, por via dos domínios profissional, pessoal ou como mero cidadão. Cada um, individualmente e em grupo, empenha-se, dinamicamente, na construção da sua própria consciência cívica.

Ao reconhecer os seus direitos e deveres de participação social, torna-se parte ativa na construção do presente e do futuro da comunidade onde vive e trabalha. Consciente dos seus direitos, atua e exige à sociedade as condições mais propícias à sua realização pessoal. Conhecedor dos seus deveres, encara o esforço de aperfeiçoamento permanente como uma tarefa vitalícia, na qual inclui não só a satisfação de desejos mais ou menos egoístas, mas também um forte empenho na melhoria da sociedade.

Graças ao aprofundamento da consciência da condição de cidadã(o) e à consolidação dos mecanismos da participação democrática, adquire uma maior “lucidez para ler o mundo”. Criam-se as condições para a “emergência da cultura de desenvolvimento”. (Melo, 1998), ou seja, a população sente-se capaz e capacita-se

para analisar os problemas actuais, para pôr em equação necessidades e recursos, para conceber projectos de melhoria, integrando as dimensões de espaço e de tempo, e para, enfim, abranger com esses projectos finalidades de desenvolvimento global – pessoal como colectivo, económico como cultural como sócio-político.

A emergência da cultura de desenvolvimento depende, essencialmente, de uma ação educativa assente num paradigma de Educação que promova através da formação cívica os valores de cidadania.

O desenvolvimento local depende do envolvimento e participação ativa de todos os atores sociais nas iniciativas e projetos locais, valorizando-se, simultaneamente, a formação integral do indivíduo, dando-se particular ênfase à formação para o exercício da cidadania na vida democrática (Cavaco, 2009:163). 

Referências Bibliográficas

Agapova, Olga (02-09-2008). A aprendizagem autobiográfica na educação de adultos, Aprender. Consultado em 31 de Maio de 2010, em http://www.direitodeaprender.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=69&Itemid=12

Canário, Rui (08-08-2008). Educação e perspectivas de desenvolvimento do “interior”, Aprender. Consultado em 31 de Maio de 2010, em http://www.direitodeaprender.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=38&Itemid=12

Canário, Rui (02-09-2008). Aprender sem ser ensinado, Aprender. Consultado em 31 de Maio de 2010, em http://www.direitodeaprender.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=52&Itemid=12

Cavaco, Carmén. (2009). Adultos pouco escolarizados: políticas e práticas de formação. Lisboa. Educa/Uidce.

Dominicé, Pierre (2006). Ressaltar o desafio biográfico na formação, pp 355-357. In A Formação de Adultos confrontada pelo Imperativo Biográfico. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32,n.2.

Josso, Marie-Christine (05-09-2008). As histórias de vida abrem novas potencialidades às pessoas, Aprender. Consultado em 31 de Maio de 2010, em http://www.direitodeaprender.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=195&Itemid=30

Marques, Fernanda (02-09-2008). RVCC – um sistema que se alicerça na vida, Aprender. Consultado em 31 de Maio de 2010, em http://www.direitodeaprender.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=64&Itemid=12

Melo, Alberto de. Ditos e reditos em torno do desenvolvimento local, A Rede, Novembro de 1998, pp 5-8.

Melo, Alberto de (01-Set-2008). A educação e formação de adultos em Portugal como um projecto de sociedade, Aprender. Consultado em 31 de Maio de 2010, em http://www.direitodeaprender.com.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=45&Itemid

Nóvoa, António (1988). A formação tem de passar por aqui: as histórias de vida no Projecto Prosalus. In A. Nóvoa & M. Finger (org.). O método autobiográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde, pp 107-130.

Nóvoa, António e Finger, Mathias (1988). Introdução. In A. Nóvoa & M. Finger (org.). O método autobiográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde, pp 9-16.

 

[1] Entrevista ao Professor José Manuel Resende, investigador e sociólogo da educação, por Sarah Adamopoulos. Artigo: Cidadania (28-02-2010). Revista Notícias Magazine.

[2] Artigo de Rui Canário no número 67 da revista NOESIS (do extinto Instituto de Inovação Educacional recentemente reactivada pela Direcção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular do Min. da Ed.). O autor discute o papel das aprendizagens não formais no âmbito do Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências. Artigo: Aprender sem ser ensinado. (02-09-2008). Revista Aprender.Este endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o JavaScript terá de estar activado para que possa visualizar o endereço de e-mail

[3] Artigo: Educação e perspectivas de desenvolvimento do "interior". (08-08-2008). Revista Aprender.