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Editorial

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A Necessidade de Realizar a Avaliação de Desempenho dos Recursos Humanos: O Ponto de Concórdia

Alexandre Pires
DREAlentejo

"Aprender sem pensar é tempo perdido."

Confúcio

A avaliação é-nos familiar a todos. Em diversas situações na vida, de forma mais ou menos formal, desenvolvemos procedimentos tendentes a avaliar algo, alguém ou até a nós próprios. Fomos avaliados enquanto frequentámos os anos de escolaridade como alunos, mesmo durante esta frequência, a partir de um determinado momento, nos pediram que avaliássemos a nossa prestação, somos avaliados quando respondemos a inquéritos em que valoramos certos produtos ou serviços, somos sujeitos atuantes em processos de avaliação no âmbito das nossas profissões, entre muitos outros exemplos. As linhas que se seguem são dedicadas ao último exemplo, particularmente no que se refere ao sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP).

A nossa ligação ao longo da vida à avaliação leva a que a esmagadora maioria dos indivíduos assuma como fundamental que se proceda à realização da mesma em termos profissionais, constituindo, em meu entender, um ponto de concórdia nesta temática. Já os fins e os meios da avaliação não se evidenciam como pontos de congruência entre as pessoas, pelo que me é dado perceber da minha experiência de contacto com vários atores e formadores destas matérias, por mínimas que sejam as diferenças.

Neste artigo proponho-me tecer algumas considerações sobre o atual momento da avaliação na Administração Pública, com base na minha experiência de implementação e sujeição ao SIADAP, que forçosamente me conduzem a conjunto de reflexões, opiniões e ideias que me atrevo a partilhar. Os que procuram uma teoria ou modelo alternativo certamente que ficarão desiludidos. Não é de todo o meu propósito.

Para avançarmos temos que olhar para trás

Todos têm posição sobre os diferentes aspetos que enformam o SIADAP. Certamente que muitas críticas são feitas e, quais bons “treinadores de bancada”, muitos têm soluções que melhoravam e acabavam de vez com os problemas com que tiveram que conviver e com as consequência que, no seu entender, resultaram para a sua situação pessoal.

Concordo. Há muito que criticar, há necessidade de refletir para procurar melhorar de forma ativa e participativa, seja por que vias isso possa ocorrer.

No entanto, é da mais elementar honestidade intelectual que nos recordemos que foi feito um caminho para chegarmos até aqui.

Defendo a necessidade de constantemente ponderarmos sobre os diferentes processos em que participamos, seja qual for o nosso nível de envolvimento, para que possamos contribuir para as mudanças e evoluções que se imponham quanto a estes. A avaliação de recursos humanos não fica de fora, como é evidente. Não obstante esta necessidade, também acredito que para melhorarmos e construirmos processos de qualidade e obtermos melhores produtos no futuro não perdemos nada em ter alguma atenção sobre o que aconteceu anteriormente. É por esta posição que me proponho, de forma muito rápida e breve, ocupar algum tempo na análise dos procedimentos ou sistemas de avaliação na administração pública que antecederam o atual. Para marcar temporalmente o início da análise referida abordo aqueles a que estive ligado como avaliador. Assim, começo no sistema em vigência quando profissionalmente realizei a primeira avaliação de pessoal não docente.

 Regulamento da Classificação de Serviço na Função Pública

O processo desenvolvido a partir dos anos 80, enquadrado pelo Decreto Regulamentar 44-A/83, de 1 de junho, constitui um processo de classificação de serviço, ao contrário do SIADAP, em ambas as versões, que se assume como sistema de avaliação. Resulta que os dirigentes da administração pública e os próprios serviços, pelo menos de forma direta e explícita, não eram abrangidos.

A sua conceção e planeamento não assumiam o ciclo normal de gestão dos diferentes serviços ou organismos existentes. Apenas tinha finalidades que se prendiam com os aspetos relacionados com o próprio funcionário ou agente, avaliando os conhecimentos e capacidades demonstrados ao longo do respetivo trabalho desenvolvido, para que lhe fosse dado conhecer, pelo seu superior hierárquico, o juízo que este fazia do seu desempenho de funções, procurando promover a melhoria da sua eficácia profissional. Caso fossem detetadas algumas situações de trabalho menos adequadas, era expectável para o legislador que fossem definidas medidas tendentes a ultrapassar e suprir ditas situações. Para além das anteriores finalidades, o sistema visado ainda deixava a eventualidade de permitir detetar necessidades de formação. Como corolário de todas estas, a não menos importante finalidade definida era que da classificação resultasse a atribuição de uma menção.

A avaliação/ classificação dos funcionários e agentes era realizada pelo seu superior hierárquico imediato e o de segundo nível, a quem se atribuía a designação de notadores (e não de avaliadores). Para realizar a notação era utilizada a ficha correspondente à categoria respetiva, escolhida numa lista de 4 existentes (com uma quinta ficha destinada a avaliar quem tivesse menos de 1 ano de serviço). As fichas em causa demonstram o lado meramente classificativo deste modelo, para além dos aspetos menos dinâmicos. Nestas, o notado (funcionário) indicava as funções que desempenhara durante o período em avaliação e quais as atividades que considerou relevantes, cabendo aos notadores atribuir uma pontuação a um conjunto de fatores[1], de acordo com descritores previamente definidos, a que se seguia a respetiva apreciação geral quanto à sua adaptação à função, os aspetos positivos e negativos e eventuais necessidades de formação. Para terminar, os notadores deviam dar a sua opinião quanto à capacidade do funcionário para o desempenho de funções de categoria superior à que detinha ou mesmo de chefia.

Sobre este modelo, tendo em conta a análise muito breve que pretendo fazer, resta indicar que previa a ponderação do currículo para suprimento de períodos sem classificação. Estava igualmente prevista e era constituída uma comissão paritária, com representantes dos notados e da administração, para funcionar junto do dirigente que homologava as classificações como órgão consultivo.

Ao escrever sobre este modelo que agora analisámos, vem à minha memória um artigo de opinião do Professor António Barreto. Apesar de não o conseguir situar no tempo, posso dar como referência que foi publicado no diário “Público” e ainda estávamos longe de falar do sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública, por todos conhecido como SIADAP. Neste artigo, o autor referia que nessa altura do ano em que escrevia tinham sido divulgadas as avaliações globais dos funcionários do Estado. Com alguma ironia, a que confiro alguma intenção pedagógica e de agitação dos espíritos nacionais mais acomodados, o Professor António Barreto divulgava que os portugueses tinham que estar satisfeitos por os funcionários que prestavam o serviço público, de que usufruíam, terem esmagadoramente atingido o nível de Muito Bom nas respetivas avaliações[2]. Era este o resultado da implementação do Regulamento de Classificação de Serviço na Função Pública.

Sistema integrado de avaliação do desempenho da Administração Pública (2004)

A partir de 2004, os funcionários e agentes do Estado, incluindo os seus dirigentes intermédios, são avaliados pelo sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP), criado pela Lei nº10/2004, de 22 de Março, regulada pelo Decreto Regulamentar 19-A/2004, de 14 de Maio. Sendo um sistema de natureza mais complexa que o anterior, apenas me vou deter em alguns dos principais aspetos.

Pela primeira vez a avaliação dos funcionários, agentes e dirigentes intermédios passa a integrar o ciclo de gestão anual de cada serviço e organismo, estando intimamente ligado ao respetivo plano anual de atividades, implicando a definição de objetivos anuais para o serviço e cada um dos trabalhadores. As suas finalidades, de uma forma geral, passam a ter preocupações ligadas não só ao próprio funcionário, agente ou dirigente intermédio em termos de mera classificação, mas também para o cumprimento dos objetivos do serviço ou organismo como via de obter a qualidade e a excelência dos serviço que este integra, numa ótica de equipa e cumprimento do serviço público. Assim, a avaliação surge como um ato construído para o todo organizacional, com responsabilização de todos e cada um dos colaboradores, bem como da distinção de mérito de acordo com o que cada um desenvolveu no ano a que respeita a avaliação. Consequentemente, tem implicações na progressão na carreira, na conversão de nomeações provisórias em definitivas e na renovação de contratos (tal como na renovação da comissão de serviço dos dirigentes intermédios).

A avaliação, a partir da implementação do SIADAP, comportava três componentes: objetivos, competências comportamentais e atitude pessoal[3]. A cada uma das componentes é indicada uma determinada ponderação de acordo com a categoria profissional do trabalhador, definida legalmente, sendo que para cada objetivo ou competência poderá ser atribuída ponderação diferenciadora, em sede de negociação, que agora passa a ser obrigatória, entre avaliador e avaliado. O primeiro é sempre o superior hierárquico ou funcionário que tem funções de coordenação.

Para a atribuição de menções resultantes da avaliação passa a ser definida quota para o número de Muito Bom e Excelente em cada organismo.

As fichas a utilizar são previamente definidas, não existindo liberdade para alterar os seus diferentes componentes ou campos.

Surge pela primeira vez a constituição de um conselho, que funciona junto do dirigente máximo, com a designação de Conselho Coordenador da Avaliação, o qual integra não só o referido dirigente máximo mas também outros dirigentes do serviço ou organismo. A este cabe estabelecer a orientações para o funcionamento do sistema de avaliação, bem como garantir que o sistema promova a diferenciação de desempenhos, entre outras funções.

O SIADAP também prevê mecanismos para suprimento de avaliação dos funcionários, através de ponderação curricular.

É de realçar que a base do sistema agora em uso implica a negociação dos objetivos e competências comportamentais, com a assunção por escrito dos mesmos pelo avaliador e pelo avaliado. Este último passa a ter que realizar a sua respetiva autoavaliação.

 Por último, destaco a importância que é conferida à formação, uma vez que no final do processo de avaliação deve o avaliador identificar as necessidades de formação do funcionário avaliado, sendo que estas deverão ser integradas no plano de formação que venha a ser desenvolvido, dentro das possibilidades existentes.

Sistema integrado de avaliação do desempenho da Administração Pública (2007)

A partir da publicação da Lei 66-B/2007, de 28 de Dezembro, o sistema integrado de avaliação do desempenho da Administração Pública sofre alterações, constituindo o modelo agora em vigor. Começo por destacar o seu amplo âmbito de aplicação, de forma direta ou adaptada, a todos os níveis e serviços de diferente natureza da Administração Pública. Mantém e aprofunda a ligação ao ciclo anual de gestão, uma vez que para além do plano anual de atividades, por exemplo, passa a assumir uma ligação profunda ao orçamento aprovado e ao mapa de pessoal em serviço.

Integra três subsistemas: SIADAP 1, para avaliação dos serviços, SIADAP 2, para avaliação dos dirigentes, e SIADAP 3, para avaliação dos trabalhadores.

A avaliação a assenta na construção e definição de um Quadro de Avaliação e Responsabilização do Serviço, no qual se definem os diferentes componentes que determinam o funcionamento e a avaliação do serviço, em estreita ligação com o ciclo anual de gestão do mesmo. Surge, assim, uma novidade, uma vez que os próprios serviços passam a estar abrangidos pela avaliação formal e direta, e, logo, os respetivos dirigentes de nível superior.

Como será lógico concluir, as finalidades do SIADAP são alargadas e complexificadas, dada a própria abrangência que se pretende agora conferir à avaliação, resultando um sistema que apesar de dinâmico é também exigente do ponto de vista da sua organização interna e implementação no terreno.

Correndo o sério mas consciente risco de deixar aspetos importantes de fora, mas que aqui não cabem pela sua extensão, pretendo apenas destacar algumas mudanças. A avaliação passa a incidir sobre duas componentes no caso dos trabalhadores e dirigentes, a saber, resultados e competências, as quais terão uma ponderação variável de acordo com regras fixadas previamente e pouco flexíveis, mas não impostas de forma fixa como anteriormente. A sua avaliação é expressa em tês níveis a que correspondem o 1, o 3 e o 5, sem utilizar os níveis intermédios.

Para atribuição de menções de Desempenho Relevante e Desempenho Excelente mantém-se a necessidade de cumprimento de quotas pré-definidas, com envolvimento do Conselho Coordenador de Avaliação, que mantém a sua existência, juntando-se a este novamente a constituição de uma Comissão Paritária, em que se representam as administração e os trabalhadores, enquanto órgão consultivo junto do dirigente máximo e a que podem recorrer os trabalhadores em caso de discórdia com a avaliação que lhe pretendem atribuir.

Para finalizar, é de referir que se conserva o sistema de negociação entre o avaliador e o avaliado, assim como se institui a obrigatoriedade de este último realizar a sua autoavaliação. Igualmente é necessário definir a formação necessária e ajustada ao trabalhador, para integração eventual do plano de formação do serviço.

Consciente que muitos aspetos dos três modelos a que sucintamente aludi anteriormente ficaram por referir, dou por finda a nossa viagem no tempo. Se alguém teve a paciência e o empenho de ler estas palavras até agora e está neste momento a ter memória dos tais aspetos em falta então cumpri o que pretendia: alertar para o caminho que fizemos até aqui, mal ou bem, consoante a opinião de cada um.

O Momento Atual: Algumas ideias, reflexões e alertas

A primeira ideia que me parece justa e pertinente é reconhecer que a evolução realizada desde os modelos anteriores de avaliação da Administração Pública até aos nossos dias é substancial. Evoluir de uma mera visão de classificação de funcionários para a integração da avaliação em estreita ligação com o serviço e organismo em que estes desempenham funções e obtêm/ propiciam a obtenção de resultados, significa um passo organizacional muito grande, e, sobretudo, indicia uma mudança de paradigma. Como é lógico, esta evolução no âmbito da avaliação não fica explicada só por si, isto é, não ocorre de forma isolada da própria evolução organizacional dos serviços e organismos da Administração Pública, o que nos leva a acreditar que o retrocesso da importância da avaliação, em termos de finalidades e modelo de base, não será provável.

O SIADAP assenta na definição de objetivos estratégicos para o serviço ou organismo, permitindo definir metas, temporalmente determinadas, que forçosamente conduz a que estes se “conheçam” melhor, questionem a sua missão de serviço público (enquanto mais valia que a sua prestação de serviços propicia aos seus utentes), definam os recursos de que dispõe, a par da sua gestão e utilização mais racional e ajustada. Por outro lado, a ligação ao ciclo anual de gestão implica a assunção dos objetivos estratégicos por todos os diferentes níveis, até ao nível dos trabalhadores. Um adequado desdobramento destes pelos diferentes trabalhadores, assumidos no seio de uma equipa ou a título individual, pode potenciar a obtenção de resultados com economia de esforço e de recursos, uma vez que estes, previamente perspetivados e planeados, são atingidos através de uma provável sintonia de ações.

As diferentes ações preparatórias do SIADAP exigem serviços e organismos com clara cultura organizacional, para obtenção de sucesso na sua implementação. No seu início penso ter sido menosprezada alguma necessidade de diagnóstico quanto ao verdadeiro estado dos serviços e organismos da Administração Pública nesta matéria, o que concorreu para alguns desequilíbrios quanto ao nível de prossecução das finalidades do SIADAP. Em termos mais concretos, tenho sérias dúvidas se todos tiveram a preocupação de perspetivar o seu estado inicial, no que se refere aos resultados, condição essencial para saber onde se quer chegar. No entanto, mesmo com esta eventual falta, a definição transparente, adequada e honesta dos resultados esperados no futuro implicou um trabalho de concertação e análise prévia, mesmo que menos formal, que impeliu as organizações públicas para outro patamar de desempenho. Por vezes é devagar que se consolidam as mudanças.

A necessidade de avaliar os resultados obtidos, quer pelos trabalhadores, quer pelas unidades orgânicas, quer pelos serviços, assim como as competências demonstradas fez despertar para uma nova necessidade. Com efeito, sem coligir uma série de evidências demonstrativas do desempenho não é viável concluir se um determinado resultado esperado foi ou não atingido ou se uma competência foi ou não demonstrada e em que nível. Não obstante se definir previamente e se negociarem também os indicadores de medida a ter em conta na aferição dos resultados, penso ser uma área em que é necessário um urgente investimento de formação para construção de sistemas de recolha credíveis.

O facto de ser obrigatória e fundamental a negociação entre avaliador e avaliado dos resultados fixados, com a definição dos objetivos, seus indicadores de medida e critérios de superação, bem como das competências que se espera ver alcançar, constitui uma das marcas principais deste modelo, permitindo que os esforços de sucesso sejam comummente aceites e desenvolvidos. Esta ideia de uma complementaridade no desempenho de funções é reforçada com a obrigatoriedade de definir objetivos partilhados. Desta forma, vários colaboradores que integram uma mesma unidade ou serviço desenvolvem as suas funções para a obtenção do mesmo resultado ou resultados.

A avaliação perspetivada no SIADAP conduz à diferenciação do mérito no desempenho. Mesmo com as tão criticadas quotas para o Relevante e para o Excelente penso ser importante diferenciar aqueles que se empenham em criar sinergias que acabam por influenciar os outros ou criar inovação.

Independentemente de sermos mais ou menos “apreciadores” do atual modelo de avaliação é fundamental que cada um entenda a necessidade de investir, pessoal e institucionalmente, na sua implementação. A sua complexidade exige a aquisição de competências, por vezes novas, sem as quais não nos podemos apropriar do mesmo, caindo na crítica fácil, na subversão do modelo e na sua descredibilização.

 

[1] Os fatores deveriam ser pontuados com 2, 4, 6, 8 ou 10, podendo ser utilizados os seus valores intermédios, o que significa que o 1 não era considerado.

[2] Apesar de várias tentativas, não consegui encontrar o referido artigo para referenciar os números concretos. No entanto, os números do nível em causa rondariam os 90% a 95% dos funcionários públicos.

[3] No caso dos dirigentes intermédios a avaliação não tinha a componente “atitude pessoal”