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Editorial

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A Fronteira Portugal Espanha após 1995

Miguel Castro
Escola Superior de Educação de Portalegre

 No trabalho sobre a fronteira Portugal/Espanha propõe-se analisar as dinâmicas e as novas realidades espaciais, que se vêm delineando nas áreas fronteiriças, a partir da adesão dos dois países ibéricos à Comunidade Europeia, em 1986 (então Comunidade Económica Europeia) e, ainda mais acentuadamente, desde 1995, com a entrada em vigor do tratado de Schengen.

A proximidade e contacto entre duas realidades distintas que são a essência das regiões de fronteira, originam (re)arranjos espaciais particulares e induzem novas realidades intrínsecas a cada área.

Até cerca de 1990, as regiões de fronteira e a fronteira em Portugal não foram alvo de estudos intensos, se comparados com outros temas da Geografia.

Este, talvez aparente, desinteresse pela problemática fronteiriça em Portugal pode ter-se devido à forte estabilidade que as nossas fronteiras apresentam, desde há séculos, apenas com pequenas alterações, sem grande impacto, sobre áreas basilares do território e não pondo em causa, de forma substantiva, a soberania nacional.

O século XX português foi marcado por políticas onde os aspectos da soberania foram dados como adquiridos e, no seu início, a instabilidade política interna sobrepunha-se como factor principal, não proporcionando ambiente político e académico para estudos sobre a região de fronteira. A partir de 1926, com a instauração do Estado Novo, caracterizado por uma política isolacionista e não existindo ameaças externas concretas, a fronteira Portugal/Espanha passou a ser cada vez mais uma área isolada, votada ao esquecimento.  

Um outro factor mais geral que poderá justificar a relativa falta de atenção à(s) fronteira(s) é o facto do tema estar ligado à Geopolítica e à Geografia Política. Principalmente a Geopolítica, a partir da década de 30 do século passado, foi uma ciência muito conotada com o pensamento geográfico alemão e as teorias expansionistas do Nacional-socialismo de Hitler. Após a II Guerra Mundial, a geopolítica, principalmente a nível europeu, foi remetida para um limbo académico em que abordar o tema da fronteira estava implicitamente conotado com teorias bélicas ou de expansionismo agressivo – o que não consideramos, de todo, verdadeiro.

A fronteira entre os dois países ibéricos tem feito o seu percurso histórico e cumprido as funções políticas que os poderes lhe têm conferido – mais controlada ou mais porosa, mas nunca um muro intransponível. Neste momento, ela é apenas uma linha política traçada nos mapas ou nos imaginários simbólicos das populações. Este facto pode dever-se à forte estabilidade na delimitação entre os dois Estados Ibéricos. Na verdade, desde 1297, com o tratado de Alcanices entre o reino de Portugal e o de Castela e Leão, muito poucas alterações tem havido, ficando o traçado da fronteira definitivamente firmado pelo tratado de Lisboa, de 1894, onde a vila de Olivença ficou pertença do Estado Espanhol. “A la situación de antigüedad hay que añadir el de la rigidez de la frontera luso-española donde el intercambio y la cooperación, como ocurría en Centro-Europa, apenas existió en algunos períodos históricos”[1]

 Não obstante este aparente desinteresse, a fronteira esteve presente nalguns estudos, principalmente a partir da década de oitenta, do século passado. Alguns anos antes, porém, Pintado e Barrenechea[2] empreenderam uma viagem à mais velha fronteira da Europa, da qual publicaram um estudo e onde a denominaram como a “fronteira do subdesenvolvimento”.

Com a adesão Ibérica à actual União Europeia, o estudo desta imensa região (“maior em extensão superficial que a Grécia ou a Checoslováquia, vez e meia a Áustria, três vezes maior que a Dinamarca ou Suíça e quatro vezes a Holanda ou a Bélgica…”[3]), com uma linha de fronteira que se estende por cerca de 1234 Km e onde, segundo os dados de 2001, residem perto de milhão e meio de pessoas, numa área de 136 649 Km2[4], começou a ser um tema cada vez mais presente na Geografia.

Em 1997, também Carminda Cavaco reforça a ideia dos novos caminhos de cooperação que o INTERREG proporciona, chamando a atenção para que “A individualidade das regiões de fronteira assenta deste modo, fundamentalmente, no tipo de relações que se estabelecem entre populações vizinhas, quaisquer que sejam as tensões, os controlos e as proibições impostas do exterior, pelo poder político distante.”[5]

O processo de integração europeia e as novas adesões de países à comunidade conduzem à necessidade de maior coesão espacial, que reflecte a maior interligação, não só entre territórios, mas também entre populações e condições sociais. No caso da fronteira entre os países ibéricos, a necessidade de afirmação destas áreas, muito desfavorecidas a nível nacional e regional, leva a que sejam fortes candidatas a áreas prioritárias de intervenção, no contexto da organização espacial da U.E.. 

Na sequência do interesse despertado pelas transformações operadas na fronteira ibérica pela integração Europeia, Iva Pires e Dulce Pimentel (2004)[6]realizaram uma análise das regiões de fronteira, do lado português, caracterizando-as e comparando-as com a realidade antes da integração europeia. “Contudo, as regiões de fronteira mantiveram-se alheadas desse processo de convergência. Sem deixar de reconhecer a importância dos investimentos realizados nos últimos anos para o seu desenvolvimento, que as afastam da imagem dada pelos dois jornalistas dos anos 70, alguns indicadores demográficos e sócio-económicos, continuam a evidenciar o agravamento das disparidades quer no contexto nacional quer no mesmo comparando os dois lados da fronteira luso-espanhola.” [7]  

Mas a fronteira entre Portugal e Espanha, talvez pela sua longevidade, estabilidade e especificidade geográfica, também é considerada objecto de estudo para não-ibéricos. Numa perspectiva mais marcadamente culturalista, Sidaway (2005)[8] escreve um artigo sobre as interacções das populações fronteiriças, para lá dos aspectos de política de cooperação nestas regiões. O artigo, muito sucintamente, pode resumir-se numa frase de Kavanagh (2000), citado por Sidaway, sobre a nossa fronteira comum: “You may remove the door but the doorframe remains… You may remove the door but the doorframe remains”[9] 

Nesta perspectiva, mais culturalista, interessa saber se as populações estão realmente mais próximas e se existe uma maior integração social e cultural que conduza a uma nova realidade mais integrada e, assim, a uma nova organização espacial entre os núcleos dos dois lados da fronteira.

Para tentarmos avaliar o nível de integração das populações optámos por uma actividade que provoca muita interacção – o comércio e o lazer. A indução de contactos entre populações, a partir da actividade comercial retalhista, tende a ser cada vez mais ampla, uma vez que o acto de consumir é, na pós-modernidade, cada vez mais um conceito que transcende a mera necessidade de adquirir produtos - consome-se cada vez mais o não essencial à subsistência. O modo de vida pós-modernista, e inerentemente tecnológico, tornou básicas necessidades que vão além da simples subsistência.

O consumo só adquire sentido quando incorpora outras componentes. O lazer, o divertimento, as experiências, a novidade, o ambiente ou mesmo a transposição exteriorizada das representações pessoais e sociais são componentes do consumo. Desta forma, a actividade comercial torna-se fulcral para o conhecimento de outros grupos de pessoas, das suas formas de vida e representações.

A loja alcança um outro patamar de significado - não é um local de transacção de bens, tornou-se um “fun-center”. Uma loja FNAC não é uma livraria ou discoteca - é um espaço onde se pode ouvir música, ler livros, jogar, assistir a filmes, documentários, ou espectáculos ao vivo, comer e beber, conviver e interagir. O factor da compra de um artigo deixa de ser central - a experiência vivida nesse espaço é que realiza o consumo.

O potencial de contacto com o outro e o seu conhecimento amplo é, em muito, realizado através da sociedade de hiper-consumo pós-moderna. É por esta via que pretendemos avaliar o grau de integração e cooperação entre populações, na fronteira do Alto Alentejo com a Extremadura espanhola, após a supressão do controlo alfandegário, proporcionado por Schengen, pelas novas acessibilidades e por todos os projectos transfronteiriços, quer fruto do INTERREG A, quer provocados pelas dinâmicas dos actores locais, presentes nesta área.

Segundo os dados preliminares que conseguimos obter (por inquérito a um universo indefinido e com uma margem de erro de 6%), percebemos que não obstante a eliminação do controlo alfandegário e a existência de uma moeda comum, as populações, embora se relacionem positivamente e com frequência, ainda conservam um sentimento muito acentuado de nacionalismo e separação.

Portugueses e espanhóis mantêm a frequência das relações inalteradas, independentemente da existência, ou não existência do controlo alfandegário. Sendo, no entanto, o comércio e a restauração responsáveis pelo maior número de deslocações de espanhóis a Portugal, fazem-no de um modo turístico, com uma forte componente de lazer. Não existem relações de trabalho, familiares ou de convívio em número significativo para concluirmos que a aproximação das populações espanholas vai além das efémeras relações turísticas ou comerciais.

Pelo lado nacional, procuramos em Espanha essencialmente uma maior diversidade de produtos, em várias áreas e, com um relevo que se distancia dos outros factores, preços substancialmente mais baixos, principalmente combustíveis.

Sem podermos, por enquanto, chegar a conclusões mais abrangentes e definitivas - visto ainda ser necessário trabalhar mais dados – podemos, pelo menos, afirmar que embora a porta (controlo fronteiriço) tenha sido definitivamente retirada, ainda subsistem, nas representações e simbologia das populações e dos indivíduos, países diferentes. Embora o nível de interacção tenha aumentado, ainda não se pode falar de uma realidade espacial, regionalmente integrada, onde o factor fronteira, como barreira, não exista.

 

 

[1] FLORES, Sonia Garcia; ALISEDA, Julián Mora (2005); “Estudio de la iniciativa interreg IIIa españa-Portugal”; Actas do X Colóquio Ibérico de Geografia; APGEO

[2] PINTADO, António; BARRENECHEA, Eduardo (1974); “A raia de Portugal. A fronteira do subdesenvolvimento”; Edições Afrontamento, Porto

[3] PINTADO, António; BARRENECHEA, Eduardo (1974); “A raia de Portugal. A fronteira do subdesenvolvimento”; Edições Afrontamento, Porto, pag. 9

[4] Dados apresentados em: FLORES, Sonia Garcia; ALISEDA, Julián Mora (2005); “Estudio de la iniciativa interreg III España-Portugal”; Actas do X Colóqui Ibérico de Geografia; APGEO, pag. 3

[5] CAVACO, Carminda (1997); “Fronteira Portugal-Espanha e individualidade territorial”; Finisterra, XXXII, 63, CEG, Lisboa

[6] PIRES, Iva Miranda; PIMENTEL, Dulce (2004); “Revisitando a região transfronteiriça ibérica: potencialidades e estrangulamentos nos novos contextos de integração ibérica”; in “V Congresso da Geografia Portuguesa. Portugal: territórios e protagonistas”; Ass. Portuguesa de Geógrafos, Lisboa

[7] Idem, pag. 18

[8] SIDAWAY, James D. (2005); “The poetry of boundaries. Reflections from the portuguese-spanish borderlands”; in “B/ordering space”, editado por HOUTON, Henk van, et al, Ashgate, Inglaterra

[9] Idem, pag 189