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Para a Maria do Patrocínio
Com Amizade... e muita Saudade

Francisco Simão
 

Há 30 anos conheci a Maria do Patrocínio, na qualidade de aluno do 5º ano do liceu… Lembro-me da professora rigorosa, exigente e disciplinadora, alguém com quem não se podia brincar, mas também uma professora que era uma referência em toda a escola.  Mesmo por pouco tempo, acho que apenas um período escolar, deixou-me uma impressão forte… apesar de ter uma aparência frágil e muito feminina, a força e a energia que aquela professora irradiava era evidente para todos nós. E estava bem longe de pensar como passados alguns anos, por razões que são coincidências da vida, nos iríamos cruzar de novo, em circunstâncias bem diversas, trabalhar juntos, discutir, concordar e divergir, em circunstâncias que iriam fazer com que eu ainda  admirasse mais, respeitasse mais, esta mulher que fez da vida que escolheu viver entre nós, nesta cidade que ela escolheu para viver, um exemplo de dedicação ao próximo, um exemplo de exercício de cidadania…

Passados muitos anos voltei a cruzar-me com a Maria do Patrocínio, por intermédio de uma grande amiga comum, a Piedade Murta. Foi ela que acidentalmente - das tais circunstâncias acidentais da vida que parecem quase coincidências - nos voltou a colocar em contacto, desta vez em circunstâncias bem diferentes da anterior….

Quando em 1998, a Piedade se candidatou à Junta de Freguesia da Sé ambos integrámos a equipa que ela formou. Ficámos juntos na Assembleia de Freguesia onde partilhámos o cargo de Secretários da Assembleia de Freguesia presidida pelo engenheiro Zapico, e foi a primeira oportunidade para conhecer melhor esta mulher extraordinária. 

De um rigor e honestidade inquestionáveis, nunca em qualquer circunstância esquecia o seu primeiro dever de respeitar e trabalhar em prol da comunidade que a elegera sua representante, e independentemente de qualquer orientação política ou partidária, o primado que a orientava, era o interesse e a qualidade da vida daqueles que representava, a primazia da cidadania sobre qualquer interesse… e nunca abdicava daquilo que entendia certo e justo, fosse contra quem fosse, custasse o que custasse! Persistente, e mesmo teimosa, até à exaustão, quando as causas o justificavam e era preciso. E contudo, era uma mulher com um coração de ouro, com um sentido da dimensão e da fragilidade humanas fora de comum… capaz de se emocionar com coisas que, por vezes nos escapavam por desatentos… sensível e atenta como poucos às mais pequenas dores e fragilidades humanas dos munícipes que ali representávamos… Ao longo de quatro anos, na Assembleia de Freguesia da Sé, a Maria do Patrocínio, exerceu em pleno a sua cidadania, de uma forma que qualquer autarca terá que definir como exemplar, do ponto de vista do rigor e respeito pelas normas da democracia, mas sobretudo, do ponto de vista humano e moral que deve pautar o exercício de quem exerce a representação dos seus pares…

Lembro-me como o nosso bom Presidente, o Engº Zapico se deixava arrastar pelas longas discussões dos eleitos daquela assembleia… e de como eu e a Maria do Patrocínio, de forma cúmplice, lhe tentávamos, discretamente, chamar a atenção para a necessidade de abreviar e passar a votações decisórias sobre assuntos que já estavam esgotados e discutidos… e coincidíamos muitas vezes nas cotoveladas por baixo da mesa… e mesmo nalguns pontapés ao pobre Engenheiro…

Era assim a Maria do Patrocínio… a par com todo o ar formal e de rigor, a aparência de moça que sempre manteve, também lhe permitia ser tão marota como qualquer adolescente… e quem com ela conviveu teve o privilégio de lhe descobrir uma jovialidade, uma capacidade de comunicação, uma afabilidade e simpatia incomuns… que me surpreenderam perante a memória da professora austera e exigente… E é engraçado… mas…há uma outra faceta que não posso esquecer, porque lhe é devida como Mulher… é que era uma mulher muito bonita… era-o na minha lembrança da professora de Liceu… e manteve essa qualidade de mulher muito bonita ao longo de toda a vida… E percorri algumas centenas de fotografias da Maria do Patrocínio que a Piedade me facultou … desde os mais tenros anos de garotinha engraçada, passando pela adolescência, os anos da juventude… os anos maduros… e os últimos anos!… Foi sempre uma mulher muito bonita!

Em 2002, então já com um convívio maior, que decorreu de muitas reuniões da Assembleia de Freguesia da Sé… de alguns jantares de amigos… de muitas horas de convívio e conversa que me levaram a descobrir, cada vez mais, a força daquela mulher extraordinária… a Piedade alicia-nos para um desafio bem maior… integrar os corpos directivos da Santa Casa da Misericórdia de Portalegre… a Maria do Patrocínio para presidir à Assembleia Geral… eu como Mesário para exercer a vice-provedoria… a Piedade não se cansava de nos arranjar trabalhos e mais trabalhos… é com certeza um dom!…

E devo dizer que foi aqui que descobri na Maria do Patrocínio a dimensão real da capacidade que ela tinha para se dedicar a uma causa, a dimensão humana, ética e moral, da forma como ela encarava a missão que lhe confiavam… que ela não enjeitava… e à qual se dedicou como poucos…

Na verdade, se era a Presidente da Assembleia Geral, obrigada formalmente a presidir a 2 ou 3 reuniões por ano, a Maria do Patrocínio quis envolver-se com a Santa Casa de uma outra forma mais íntima… E não lhe chegou participar regularmente nas reuniões da Mesa… como um membro interventivo, opinativo e tão activo que acabava a contagiar tudo e todos… Precisou de mais… diariamente, ou quase, estava ali, na Santa Casa, a organizar o Economato, a conversar com funcionários, a corrigir atitudes e procedimentos, a conhecer e acompanhar os utentes que a ela recorriam já, como uma amiga que a todos conhecia e dava uma palavra de amizade e simpatia… e sobretudo, na forma como se empenhou em mudar o que não estava bem naquela Santa Casa, o que precisava humanizar-se e racionalizar-se… e de tal forma se envolveu que ali deixou o seu cunho marcante de rigor e humanidade… a tal ponto se envolveu… que quando a sua falta se foi fazendo sentir… foi irremediável o vazio que deixou… no lugar que a pouco e pouco foi deixando cada vez mais órfão da mão que o segurava e fazia dele um lugar cada vez melhor… a mão que lhe dava o cunho mais humano que alguma vez podia ter sentido!...

Tive ocasião de, por várias vezes, privar com a Maria do Patrocínio… ao longo dos anos bons… em que mesmo aos amigos, a quem não poupava carinhos, também não pouparia as críticas necessárias e justas… e também ao longo do período em que a doença começou a minar as energias desta mulher extraordinária… que nunca deixou de pensar nos outros mesmo assim… lembro-me particularmente de um ou dois serões na minha casa… de conversa, de boa disposição… lembro-me da mulher simples e que irradiava simpatia, alegria e distribuía amizade como se disso dependesse a felicidade do mundo. Recordo a forma como, já debilitada e transfigurada pela doença, ainda assim, mantinha os traços de beleza da mulher que sempre foi… os olhos brilhantes e sempre risonhos de quem, acima de tudo, ama a vida e quer viver…

É assim que me lembro da Maria do Patrocínio. Mas, por mais e melhor que possa escrever, meu Deus… sei que nunca lhe vou poder fazer justiça… No entanto, aí fica este pobre contributo para a memória desta Mulher única na vida desta cidade, por onde passou tão discreta e, contudo, de uma forma que ninguém pode ignorar!

Foi minha professora por um instante… mas sobretudo recordo-a como uma Amiga querida… uma colega de muitos trabalhos! Orgulho-me de ter tido o privilégio de a ter conhecido e com ela privado…