PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

Avaliação educacional: no domínio de avaliação do desempenho profissional de docentes e não docentes

Avaliar para melhorar

Orlando Serrano
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Ao longo dos tempos, a questão da avaliação tem constituído um tema de debate e de profundas reflexões, provavelmente por se constituir como uma variável presente em todas as dimensões da nossa vida, embora seja experimentada de uma forma difusa, nomeadamente, no quadro dos papéis sociais que desempenhamos.

Estando, assim, igualmente presente na vida académica, profissional e institucional, a avaliação apresenta-se, nestes contextos, de uma forma já estruturada e objetivada, quer no processo ensino-aprendizagem, quer na avaliação do desempenho dos profissionais docentes e não docentes, dos dirigentes e, ainda, das organizações.

A escola de hoje, enquanto organização, é caracterizada como uma “entidade social complexa“ (Brito, 1991, p. 12) na qual podemos encontrar diferentes atores que congregam entre si uma mesma missão. Alunos, pais/Encarregados de Educação (pais/EE), professores e funcionários, poderão ser considerados como os atores de maior relevo na relação com a escola, não descurando, no entanto, as autarquias, as associações de pais/EE e a comunidade em geral, que P. Silva (2007) designa como “periféricos” (p. 9).

No que respeita à avaliação dos atores/profissionais docentes e não docentes identificamos dois modelos de avaliação:

- um, destinado aos profissionais não docentes, denominado Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP), cuja legislação em vigor é a Lei 66-B/2007, de 28 de dezembro (alterada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro e Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro), o qual,  como tivemos oportunidade de demonstrar na investigação que realizámos no âmbito do curso de Mestrado em Gestão, “tem sido um enorme desafio para os serviços que o têm implementado ou que ainda não o conseguiram fazer” (O. Serrano, 2010, p. iii). Em março de 2013, publicámos no blog  “SIADAP”, que mantemos online, as respostas à seguinte variável: as constantes políticas de austeridade e consequentes constrangimentos orçamentais na administração pública poderão influenciar negativamente a motivação dos intervenientes no processo de avaliação, provocando a erosão do sistema e sérios impactos na gestão das pessoas? Referimos que as respostas dos atores apontavam para a desmotivação dos trabalhadores como efeito negativo das medidas de austeridade e para o desgaste cada vez maior das pessoas e das organizações. Concluímos, ainda, que esse sentimento poderia afetar os princípios e objetivos subjacentes à aplicação do SIADAP (O. Serrano, 2013).

Azevedo (2015), projetando o futuro da avaliação das organizações na administração pública portuguesa e fazendo a comparação com a avaliação externa das escolas, a propósito do SIADAP, diz-nos que existe uma clara “desvalorização prática” (p. 236) deste modelo de avaliação, porque um dos seus objetivos principais incide nas pessoas, ao nível do desempenho individual, desvalorizando-se a componente organizacional. Este autor, quando equaciona as vantagens e desvantagens da separação entre o modelo de avaliação externa das escolas e o modelo SIADAP, encontra a vantagem de uma maior hipótese “de diversificação do ritmo, da profundidade e da abrangência da avaliação externa” (Azevedo, p. 236), em virtude das diversas realidades encontradas nas escolas e agrupamentos. 

Saliente-se que para os dirigentes da Administração existe um subsistema de Avaliação do Desempenho, designado por SIADAP 2. Por força do n.º 2 do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, com a alteração introduzida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 224/2009, de 11 de setembro, os chefes de serviços de administração escolar e coordenadores técnicos foram avaliados nos termos do SIADAP 2, a partir do ano de 2010 (alínea d) do artigo 4.º da Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro). Todavia, estes trabalhadores, face às alterações introduzidas pelo artigo 49.º da Lei n.º 66-B/2012 (Orçamento do Estado para 2013) à alínea d) do artigo 4.º da Lei n.º 66-B/2007, passaram a ser avaliados nos termos do Subsistema de Avaliação do Desempenho dos Trabalhadores da Administração Pública (SIADAP 3), a partir do ano de 2013.

Ainda no âmbito do SIADAP, a título informativo, referimos que também existe o Subsistema de Avaliação do Desempenho dos Serviços da Administração Pública (SIADAP 1), o qual tem como base um quadro de avaliação e responsabilização (QUAR). No quadro da investigação a que já aludimos (O. Serrano, 2010), “referimos que é considerado um instrumento de avaliação do desempenho organizacional muito importante para a gestão das instituições, dado que permite analisar os objetivos, a monitorização e a avaliação dos indicadores fixados” (p. 66).

Entretanto, a Lei n.º 7-B/2016 de 31 de março, que aprovou as Grandes Opções do Plano para 2016-2019, refere que o atual governo deverá realizar a revisão do SIADAP, tendo como objetivo a sua simplificação e operacionalização.

Volvidos doze anos sobre a aplicação do sistema de avaliação, reiteramos as duas grandes questões que colocámos em dezembro de 2012, quando publicámos o artigo intitulado SIADAP: STATUS QUO:

“1. Conseguirá o governo simplificar o processo e diminuir a carga burocrática ainda sentida?

2. Conseguir-se-á utilizar esta ferramenta de gestão na sua plenitude de modo a considerá-la uma mais-valia para as organizações públicas?” (O. Serrano, 2012)

Hoje, voltamos a considerar que o tempo se encarregará, novamente, de dar a resposta a estas questões.

- O outro regime de avaliação do desempenho aplicado ao pessoal docente e instituído na 11.ª alteração ao Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário foi implementado pelo Decreto Regulamentar n.º 26/2012, de 21 de fevereiro, cujo objetivo previsto no nº 1 do artº 3º é a melhoria da qualidade do serviço educativo e da aprendizagem dos alunos, bem como a valorização e o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes.

Todavia, na opinião de Ruivo (2009), “a avaliação de professores não é uma tarefa simples”, mas, pelo contrário, “uma tarefa complexa” (p. 7).

Cruz (2013), no âmbito de um estudo exploratório sobre a perspetiva dos avaliadores no que diz respeito à avaliação do desempenho docente, inclui a seguinte afirmação:

Avaliar é sempre muito difícil e muito subjetivo e portanto garantir a 100% a equidade e a justiça quando nós sabemos que o modelo se baseia numa avaliação entre pares é difícil de facto de garantir (…). Se fosse uma avaliação externa, eu penso que mais facilmente se poderiam garantir esses princípios. (p. 68)

Indicamos outra referência (N. M. Serrano, 2015) sobre o atual modelo de avaliação do desempenho docente, com a seguinte conclusão “este não promove o desenvolvimento e qualidade educativa na escola, nem a melhoria no processo ensino-aprendizagem mas, antes, contribui para um mal-estar e conflito entre docentes”. (pp. IX-X)

É evidente que ambos os modelos de avaliação, dos docentes e não docentes, nos seus propósitos legislativos, têm como finalidade contribuir para a melhoria do desempenho e da qualidade dos serviços e, consequentemente, para a promoção da motivação no âmbito profissional.

A este propósito … Manuela Silva, no prefácio a uma obra recentemente editada[1] refere que:

educadores e professores acusam sinais de desmotivação e de justificada fadiga devidas às condições de trabalho desumanas que lhes são exigidas e também porque não encontram, no sistema, os necessários incentivos à sua autoestima, valorização pessoal e profissional, estabilidade e progressão na carreira (2016, p. 5)

Constatamos, ainda, que estes modelos de avaliação não têm sido fáceis de implementar e, embora aceites, têm suscitado constrangimentos vários na sua operacionalização. Um dos constrangimentos frequentemente mencionados é o grau de subjetividade, o que, na opinião de Fernandes (2014), é inerente aos processos de avaliação.

No essencial, quanto mais integrada for a avaliação dos vários intervenientes da organização escolar melhores resultados surgirão relativamente à melhoria da qualidade do serviço educativo e da aprendizagem dos alunos.

 

Referências bibliográficas

Azevedo, J. M. (2015). Notas para um terceiro ciclo de avaliação. In Conselho Nacional de Educação (Ed.), Avaliação externa das escolas: [Textos do Seminário realizado em Coimbra a 13 de março de 2015] (pp. 230-238). Recuperado de http://www.cnedu.pt/

Brito, C. (1991). Gestão escolar participada: Na escola todos somos gestores. Lisboa: Texto.

Cruz, M. A. M. (2013). Avaliação do desempenho docente: Estudo exploratório sobre a perspetiva dos avaliadores (Dissertação de mestrado, Instituto Superior de Educação e Ciências, Lisboa, Portugal). Recuperado de http://hdl.handle.net/10400.26/9037

Fernandes, D. (2014). Avaliações externas e melhoria das aprendizagens dos alunos: Questões críticas de uma relação (im)possível. In Conselho Nacional de Educação (Ed.), Avaliação externa e qualidade das aprendizagens: [Textos do Seminário realizado no CNE a 1 de abril de 2014] (pp. 21-49). Recuperado de http://www.cnedu.pt/

Ruivo, J. (2009). Prefácio: Avaliar professores é fácil? In J. Ruivo & A. Trigueiros (Coords.), Avaliação de desempenho de professores. (pp. 7-8). Recuperado de http://www.ensino.eu/media/5538/Avaliacao_de_desempenho_de_professores.pdf

Serrano, O. (2010). A avaliação de desempenho dos trabalhadores da administração pública: O caso do Instituto Politécnico de Portalegre (IPP) (Dissertação de mestrado, Universidade de Évora, Évora, Portugal). Recuperado de http://hdl.handle.net/10174/14221

Serrano, O. (2012). SIADAP: STATUS QUO. PROFFORMA, 8. Recuperado de http://cefopna.edu.pt/revista/revista_08/pdf_08/es_02_08_or.pdf

Serrano, O. (2013, março 12). SIADAP (março de 2013): Visão dos atores num contexto de austeridade [Blog post]. Recuperado em 15 abril, 2016, de http://osiadap.blogspot.pt/

Serrano, N. M. (2015). Perceção dos professores face à avaliação e face ao modelo de avaliação do desempenho docente (Dissertação de mestrado, Instituto Politécnico de Castelo Branco, Castelo Branco, Portugal). Recuperado de http://hdl.handle.net/10400.11/2806

Silva, M. (2016). Prefácio. In M. Silva, B. Cabrito, G. L. Fernandes, M. C. Lopes, M. E. Ribeiro, & M. R. Carneiro (Coord.), Pensar a educação: Temas sectoriais (pp. 5-7). Lisboa: Educa.

Silva, P. (2007). Associações de pais, interculturalidade e clivagem sociológica: Algumas questões. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos, SP, 1(1), 3-30. Recuperado de http://www.reveduc.ufscar.br

 

Legislação[2]

Lei nº 7-B/2016, D.R. I Série, 1.º Supl. 63 (2016-03-31) 1110-(2)-1110-(67). Aprova as Grandes Opções do Plano para 2016-2019. Recuperado de https://dre.pt/application/file/74008569

Lei nº 66-B/2012, D.R. I Série, 1.º Supl. 252 (2012-12-31) 7424-(42)-7424-(240). Orçamento do Estado para 2013. Recuperado de https://dre.pt/application/file/632356

Decreto Regulamentar nº 26/2012, D.R. I Série. 37 (2012-02-21) 855-861. Regulamenta o sistema de avaliação do desempenho do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e revoga o Decreto Regulamentar n.º 2/2010, de 23 de Junho. Recuperado de https://dre.pt/application/file/542930

Lei nº 55-A/2010, D.R. I Série, 1.º Supl. 253 (2010-12-31) 6122-(2)-6122-(322). Orçamento do Estado para 2011. Recuperado de https://dre.pt/application/file/345017

Decreto-Lei nº 224/2009, D.R. I Série. 177 (2009-09-11) 6236-6237. Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, que aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, e prevê a existência de postos de trabalho com a categoria de encarregado operacional da carreira de assistente operacional nos mapas de pessoal dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas. Recuperado de https://dre.pt/application/file/489671

Decreto-Lei nº 75/2008, D.R. I Série. 79 (2008-04-22) 2341-2356. Aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário. Recuperado de https://dre.pt/application/file/249886

Lei nº 64-A/2008, D.R. I Série, 1.º Supl. 252 (2007-12-31) 9300-(2)-9300-(389). Orçamento do Estado para 2009. Recuperado de https://dre.pt/application/file/243671

Lei nº 66-B/2007, D.R. I Série, 1.º Supl. 250 (2007-12-28) 9114-(2)-9114-(21). Estabelece o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na administração pública. Recuperado de https://dre.pt/application/file/227312

Lei nº 31/2002, D.R. I Série-A. 294 (2002-12-20) 7952-7954. Aprova o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior, desenvolvendo o regime previsto na Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo). Recuperado de https://dre.pt/application/file/405438


 

[1] Silva, M. et al. (Coord.). Pensar a educação.

[2] Diplomas ordenados cronologicamente do mais recente para o mais antigo.