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Cuidar e Educar na Creche

Leonor Serrano
Creche “Golfinho Azul” - APPACDM de Setúbal

A mensagem da Diretora-Geral da UNESCO, de acordo com a qual “as crianças pequenas simplesmente não podem esperar” (Bokova, 2012, p. 7), foi utilizada como conclusão primordial de um trabalho de investigação que surgiu no âmbito do mestrado em Educação Pré-Escolar, e que decorreu da prática de ensino supervisionada em Creche.

O objetivo do estudo, realizado na creche “Golfinho Azul” da APPACDM de Setúbal, no ano letivo de 2013/2014, teve como propósito responder à questão: como promover uma prática que integre o cuidar e o educar numa sala de 1º berçário?

O vocábulo educare vem introduzir o conceito de uma prática que integra os cuidados e a educação nos currículos de creche, porque não podemos realizar bons cuidados sem educar nem educar sem cuidar.

Partindo deste pressuposto, este trabalho de investigação, sobre a resposta social de creche, assume particular importância, tanto mais que surge numa área com escassa investigação em Portugal. De facto, e embora a Lei de Bases do Sistema Educativo exclua por completo o atendimento às crianças dos 0 aos 3 anos, é imprescindível que se reflita sobre as práticas realizadas nas creches.

Este trabalho foi desenvolvido tendo por base o paradigma qualitativo/interpretativo, na medida em que se pretendeu analisar e interpretar a prática educativa da educadora responsável da sala de 1º berçário, à luz do conceito educare. Os dados recolhidos tiveram por base a observação participante e a entrevista realizada à referida educadora.

Foram momentos de reflexão profunda sobre determinados aspetos da prática pedagógica na creche, mais precisamente, na sala de 1º berçário, sobre a prática integrada do cuidar e do educar, e de que forma tal prática deve ser a linha condutora da atitude pedagógica dos educadores.

Todos os pormenores se revelam de extrema importância na preparação de um ambiente pedagógico mais propício a um desenvolvimento harmonioso do bebé, mas, sem dúvida, o primeiro passo será a consistência dos princípios orientadores da prática do educador.

A postura do educador face ao grupo, o respeito pelas suas características, pelos seus interesses, pelas suas limitações, assim como a prática de uma pedagogia diferenciada, constituem-se como aspetos fundamentais, que podem fazer toda a diferença.

 

A consideração da creche como um espaço de direitos da família e da criança foi o sentimento vivenciado na sala de 1º berçário, confirmando que desta forma é possível criar um ambiente educativo acolhedor e feliz, no qual estão presentes as duas vertentes indissociáveis da prática pedagógica, o cuidar e o educar, tendo em conta as linhas fundamentais para uma educação de qualidade. Tal perspetiva potencializa, de acordo com Marchão (2013), o que podemos referenciar como: “enriquecimento do meio/estimulação,... livre iniciativa da criança/autonomia e... diálogo experiencial/sensibilidade.” (p. 1).

 

No momento em que se comemoram os 25 anos da Convenção dos Direitos da Criança, há que repensar de que forma a creche pode responder aos direitos das crianças pequenas (0 aos 3 anos) através de uma educação de qualidade, assumindo que os cuidados e a educação devem acontecer de forma integrada, de modo a responder às necessidades de um desenvolvimento integral da criança. Segundo Dias, Correia, e Pereira (2011), devemos defender a creche “não só como direito da mulher e da família, mas como direito da criança enquanto agência educativa.” (p. 367).

No entanto, a praticabilidade deste modelo preocupa-nos, uma vez que “A Lei de Bases do Sistema Educativo exclui por completo as modalidades de atendimento à primeira infância” (Cró & Pinho, 2011, p. 9). Para além deste aspeto, salientamos o facto de, através da Recomendação nº 3/2011 do Conselho Nacional de Educação, terem surgido onze recomendações atinentes à melhoria dos serviços de creche, bem como o reconhecimento da importância da educação dos 0 aos 3 anos. Todavia, o Ministério da Solidariedade e Segurança Social decidiu publicar a Portaria nº 262/2011, de 31 de agosto, “cujas orientações irão ter implicações na qualidade de vida das crianças nas creches” (Vasconcelos, 2012, p. 31).

Num artigo redigido por Lobo, a autora afirma que “a crise não pode pôr em causa a qualidade das práticas pedagógicas na creche” (2011), mas a não existência de um educador de infância nas salas de 1º berçário, a qualidade de trabalho dos educadores de infância relativamente aos profissionais do pré-escolar, a falta de reconhecimento pelo seu trabalho desenvolvido e a ausência de orientações pedagógicas para a primeira infância, comprometem a qualidade do serviço que é prestado “na primeira fase de vida das crianças, período decisivo em que assenta o seu desenvolvimento” (Bettencourt, 2011, p. 9).

À margem desta investigação, ficámos muito satisfeitos por saber que estão a ser criadas as condições para a produção das Orientações Pedagógicas para a Creche através de um processo conjunto entre a Direção Geral da Educação e o Instituto da Segurança Social, processo esse orientado pela professora Gabriela Portugal. Este é um documento há muito esperado e indispensável, quer para os profissionais da educação, quer para o bem das crianças pequenas.

As conclusões da investigação salientam a necessidade de cada vez mais se considerar a creche um contexto educativo no qual a educação e os cuidados aconteçam de forma integrada, de modo a responder às necessidades de cada criança, promovendo dessa forma um desenvolvimento o mais harmonioso possível.

 

* na composição deste artigo/reflexão foram integradas as principais conclusões obtidas no trabalho de investigação subordinado ao tema "Práticas Pedagógicas em Creche: a prática integrada entre o cuidar e o educar".

Referências bibliográficas

Bettencourt, A. M. (2011). [Discurso de] abertura. In Conselho Nacional de Educação (Ed.), Educação das crianças dos 0 aos 3 anos: Actas do Seminário realizado no CNE em 18 de Novembro de 2010, 7-13. Lisboa: CNE. Recuperado de http://www.cnedu.pt/content/antigo/files/pub/Ed%20das%20criancas%200aos3/3-abertura.pdf

Bokova, I. (2012). Mensagem de Irina Bokova, Diretora-Geral da UNESCO. In V. Muñoz, Direitos desde o princípio: Educação e cuidados  na primeira infância. [Relatório] (p. 7). [S.l.]: Global Campaign for Education. Recuperado de http://globalactionweek.org/app/webroot/files/reports/RFTS_REPORT_MEDIA_RELEASE_PT.pdf

Cró, M. L., & Pinho, A. M. (2012). Educação de infância em Portugal: Perspectiva histórica. Revista de Educação PUC-Campinas, 17, 205-215. Recuperado de http://periodicos.puc-campinas.edu.br/seer/index.php/reveducacao/article/view/998

Dias, R., Correia, J. A., & Pereira, M. F. (2011). A creche como direito das crianças à educação: A legitimidade construída pela experiência de pais e mães com filhos na creche. In C. S. Reis, & F. S. Neves (Coords.), Livro de atas do XI Congresso da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (vol. II), 365-374. Recuperado de http://hdl.handle.net/10216/61923

Lobo, A. (2011, setembro 30). Ensino pré-escolar: Entre cuidar e educar. Recuperado em 20 abril, 2014, de http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=14864&langid=1

Marchão, A. J. (2013, junho). Educar para a igualdade de género no contexto da educação básica. Comunicação apresentada no Seminário Género: Memória, Educação e Literatura, Portalegre, Portugal. Recuperado de  http://comum.rcaap.pt/handle/123456789/6554

Revisão das orientações curriculares para a educação pré-escolar e orientações pedagógicas para a creche. (2014). Recuperado em 8 de novembro, 2014, de http://apei.pt/upload/ficheiros/var/AOS%20ASSOCIADOSV3-1.pdf

Serrano, L. J. S. C. (2014). Práticas pedagógicas em creche: A prática integrada entre o cuidar e o educar (Relatório de estágio de mestrado não publicado). Instituto Politécnico de Setúbal, Setúbal, Portugal).

Vasconcelos, T. (2012). A casa [que] se procura: Percursos curriculares na educação de infância em Portugal. Lisboa: Associação de Profissionais de Educação de Infância

 Legislação:

 Lei n.º 46/86, D.R. I Série. 237 (86-10-14) 3067-3081. Lei de Bases do Sistema Educativo.

Recomendação n.º 3/2011, D.R. II Série. 79 (2011-04-21) 18026-18036. Recomendação sobre A Educação dos 0 aos 3 anos.

Portaria n.º 262/2011, D.R. I Série. 167 (2011-08-31) 4338-4343. Estabelece as normas reguladoras das condições de instalação e funcionamento das creches.