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Professora onde é que se usa o preservativo?

Maria José Mandeiro
Professora Aposentada

A pergunta que dá o título à crónica veio da boca de Maria (nome fictício). Aluna extraordinária pela inteligência, pelo querer. Por ter um mecanismo interno de auto-aperfeiçoamento, invulgar para a idade.

Recebi esta turma de quarto ano nos últimos meses de trabalho, na escola dos Fortios. Regressei ao 1º Ciclo após um longo período de doença que me levou a desistir do destacamento na ESE de Portalegre. Era uma turma muito diversa, sob o ponto de vista da proveniência dos alunos (vinham de quatro localidades diferentes) e sob o ponto de vista das vivências e, logo, da sua cultura pessoal. Talvez por isso a relação entre eles fosse, no início do ano lectivo, de agressividade frequente. Verbal e mesmo física. Se queríamos aprender era preciso tornar o grupo numa turma. Criar regras que permitissem pacificar os alunos, trazer serenidade à sala de aula. Fazê-los sentir a sala de aula como um espaço regulado, de afecto e acolhimento.

Um dos aspectos negociados foi que a professora e os alunos poderiam trazer música para a sala de aula que achassem de interesse  partilhar com o grupo. Um dia levei um disco dos Queen. A faixa “We are the Champions” causou enorme impacto. E quiseram saber muitas coisas sobre a banda. Quando souberam que o protagonista já não estava vivo perguntaram porquê. E aí começou uma chuva de perguntas. A pergunta da Maria não foi a primeira – mas foi talvez aquela que mais medo causa a um professor ou a um adulto. Porque não deixa escapatória a não ser a clássica fuga : não respondo porque isso não são coisas para a tua idade!

 Eles sabiam que me podiam colocar todo o tipo de questões, sem filtros, sem medo de ouvir uma censura – tinha ficado claro desde o início na negociação dos direitos e deveres do grupo. Foi só honrar o compromisso. Porque este como outros compromissos ou não se assumem ou são para cumprir. No mundo das crianças tal como no mundo dos adultos. Afinal que modelo seríamos se assim não fosse?

Surgiram muitas e diversas dúvidas, coisas que nunca tinham perguntado a adultos, coisas que falavam entre si mas sem respostas seguras. À medida que umas se levantavam outras eram desencadeadas. Foi o início de uma fase que levou à abordagem mais aprofundada de conteúdos na área da saúde, da prevenção, da formação pessoal ou também, e se quiserem, de educação sexual, pura e dura.

E não, as famílias não contestaram. Aperceberam-se? Sim. Algumas mães deslocaram-se à escola dizendo que os filhos falaram de assuntos que nunca antes tinham falado e que o fizeram com muita naturalidade. Eles sim, os pais, tinham sido confrontados com os seus próprios tabus, enquistados de geração em geração  -  como se pudéssemos apagar a parte do corpo que garante que por aqui continuamos com os pés na Terra,  a usufruir da vida.

O importante, do meu ponto de vista, é ser capaz de criar um clima de trabalho que confira confiança a pais, a filhos, aos professores. Se os pais confiarem no professor não contestam a técnica deste.

Isto não faz a legislação. Faz o professor.

O medo pode salvar a nossa vida? Pode, em determinadas circunstâncias. É por isso que não circulo nas faixas de rodagem numa estrada. É por isso que fujo de uma vaca se durante um passeio ao campo ela correr em direcção a mim. E por aí fora.

Nas escolas o medo dos pais, dos inspectores, da hierarquia e outros - consoante a época e os protagonistas, condiciona, ainda e mais do que devia, a prática dos professores.

Este não deve esquecer que é um técnico preparado e reconhecido para a função. E como tal deve afirmar e defender a sua prática. Se não é capaz de o fazer ou não está seguro daquilo que faz, por ser um mero aplicador da receita do vizinho, ou porque até hoje, verdadeiramente, poucos se preocuparam em formar, aprofundar e respeitar a autonomia técnica dos professores. Porque na verdade, a insegurança e a dependência dos professores também pode ser apetecível, consoante o lado de que se está.