Capa | Revista 09 | Revista 10 | Revista 11

MENU


Editorial

Educar Sempre

A Minha Escola

O A. E. C. Maior

- Crónicas de Aprender -

Aula Bonita

Carta de um Professor

 

Entrevista

Cartoon

 


 

 

Carta de um Professor aos seus Alunos

Rainer Hyathuscin Hesse

Frankfurt, 27 de Janeiro de 1867

Tudo aquilo que temos como garantido, meus amigos, é que o tempo passa por nós todos como um vento invisível e implacável para nos roubar o coração. Poderá, de facto, roubar-nos tudo, mas o coração temo-lo de tal modo perto das nossas raízes que ele nunca no-lo leva. É isso que nos une, bem o sabeis. Não são as aulas, aborrecidas e inúteis, que nos dividem o espírito; não são as matérias que alguém inventou para que nos reuníssemos numa sala bafienta; não são as ilusões de sermos intelectualmente superiores e melhores do que os outros, os que não sabem tantas coisas como nós. Nada disso. Porque o coração traz-nos uma sabedoria muito maior do que a dos livros: neles só encontrareis conhecimento, curiosidades, desafios académicos. Porém, o coração ousa muito mais: desafia-vos a serdes grandes a amar e a tolerar os outros. Se vos perguntardes quais as coisas de que não seríeis capazes de vos livrar, nelas não estariam certamente os vossos livros, os vossos professores, os vossos conhecimentos: esses são todos bens perecíveis. A única coisa que não morrerá em vós é aquilo que vós sois, o que tendes no vosso coração.

Não podeis satisfazer os desejos dos vossos pais, pois eles não são vossos donos nem poderão dispor dos vossos pensamentos. Não tereis de obedecer aos vossos professores, pois eles só poderão reclamar de vós aquilo que lhes quiserdes dar. Porém, a vós mesmos tereis de responder com a maior honestidade. Nenhuma pessoa há-de criar outra coisa senão aquilo que ela é. E essa é a maior liberdade. Não pertenceis a ninguém, a nenhum nome ou lugar, senão a vós, porque o Tempo vós o tendes. Sede, por isso, excessivos em tudo: a rir, a chorar, a amar, a servir e a procurar. Não usai nisso de cautela.

Sede livres. Para vós não tenho outro conselho. Sede leais a vós mesmos, não vos traís e respeitai aquilo que o vosso ser de vós demanda. Cada um de vós é um milagre. Deveis estar à altura do milagre que foi pertencerdes ao mundo, essa riqueza preciosa, indiscutível. Obedecei apenas a um amo: o vosso coração. E que ele vos guarde nas vossas escolhas, pois por mais que queirais, havereis de errar. Viver é isso. Mas se não quiserdes errar, então escolhei não viver e trocai o vosso milagre pelo espírito de um condenado. Sentai-vos nos vossos cadeirões e deixai a vida passar.

Podereis ser médicos, banqueiros, industriais, mas não sereis nada se não fordes boas pessoas. Meus amigos, eu também fui assim, jovem e promissor. Tive os meus delírios, as minhas ambições e cegueiras. E vi como tudo é vão. Tudo o que para mim foi lucro, eu o tive como perda, por amor da humanidade. Nada mais me encheu do que o coração, quando a sua recompensa veio de amar-me a mim mesmo e de amar tudo e todos. Nada mais interessa, um dia o sabereis.

Não tenho mais nada a ensinar-vos. Tudo o que vos expliquei sobre a língua alemã – a gramática, a versificação, a prosa, as configurações e cadência – é supérfluo e devereis esquecê-lo. Lembrai apenas que a língua que usais vos serve para dizerdes quem sois. E não tende medo, pois quem tem medo não ama.

Escondei, pois, o vosso coração no mais fundo de vós, junto às raízes, mas não tão longe que não possa ser entregue a quem vo-lo pedir.

Eternamente