PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

Comunicação proferida no XV Congresso Nacional dos CFAE (Lagoa, 5 de outubro de 2022)

Susana Castanheira Lopes
Diretora-Geral DGAE

É sempre com grande satisfação que aceito estar presente nas iniciativas promovidas pelos CFAE quer estas sejam organizadas a nível local ou regional, quer, como agora, quando se trata de participar na sessão de abertura de mais um Congresso Nacional.

O décimo quinto congresso, reunião magna na qual os CFAE celebram 30 anos ao serviço da formação contínua dos professores e do pessoal não docente, do seu desenvolvimento profissional e, nesse sentido… É um testemunho das mudanças, das transformações, da vontade e do empenho dos profissionais que nas escolas contribuem decisivamente para a aplicação das políticas educativas.

De facto, sem a visão prospetiva dos CFAE, sem a sua estreita ligação à realidade local e regional, ou seja, sem a sua capacidade para prever necessidades e desenhar estratégias eficazes para as colmatar, não teríamos sido capazes de atingir algumas das metas traçadas.

E o programa deste Congresso, tal como o rico conjunto de painéis que o compõem, confirma a importância que os responsáveis dos CFAE atribuem à reflexão sobre as práticas e sobre os resultados obtidos, sem a qual não é possível antever que caminhos a formação contínua terá de prosseguir.

De entre o leque de temas que serão debatidos ao longo deste Congresso, permitam-me que destaque dois. Por um lado, a reflexão sobre o papel da formação no desenvolvimento pessoal e profissional. Por outro lado, a reflexão sobre as práticas de formação no contexto atual da formação contínua de professores.

Sem me pretender antecipar ao debate que terá lugar nos próximos dias, gostaria de partilhar convosco alguns pensamentos sobre estas dimensões, abordando-as a partir da atual situação de escassez de professores.

Um problema que alguns estudos preveem que se tenderá a agravar, devido ao aumento do número de docentes que nos próximos anos terminará a sua carreira por via da aposentação.

Sabemos que as causas para a escassez de docentes têm um caráter sistémico.

Há muito que as mesmas vêm a ser apontadas por diversos organismos internacionais: a reduzida atratividade da carreira docente; a saída do sistema de docentes qualificados que optam por outras carreiras profissionais; e, a complexificação do perfil funcional da profissão docente, que não se reflete no respetivo reconhecimento social.

Problemas que não se colocam apenas em Portugal, como o comprovam as diversas reuniões de emergência organizadas por vários organismos e responsáveis da União Europeia e nas quais a Direção-Geral tem participado.

Embora estejamos a viver num contexto de grande incerteza, podemos assumir que a escassez de professores corre o risco de deixar de ser um problema conjuntural, para se transformar num problema estrutural.

E como todos os problemas de natureza estrutural exige a tomada de medidas de fundo, que não podem ser encaradas como um mero paliativo, antes como estratégia tendente a produzir resultados duradouros.

Temos desde logo e a montante um problema com a formação inicial de professores. Por efeito de um desequilíbrio global entre a oferta e a procura, uma vez que o número de docentes certificados anualmente pelas diferentes instituições formadoras não consegue colmatar o número dos professores que sai do sistema.

Por efeito de um desequilíbrio geográfico, uma vez que a oferta de docentes certificados é superior na região norte, sendo que o número de lugares disponíveis para colocação é superior nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve. Todos conhecemos os obstáculos que dificultam esta migração interna.

E, por último, por efeito de um desequilíbrio ao nível da estrutura da própria oferta de programas de formação, uma vez que a oferta de Mestrados em Ensino que conferem habilitação para a docência no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário está concentrada num número muito reduzido de Instituições de Ensino Superior.

Trata-se, como todos percebemos, de problemas para os quais não se anteveem soluções que possam dar resultados no curto prazo.

Uma das soluções encontradas pela tutela para atenuar este problema passou, como é do vosso conhecimento, pela aprovação do Despacho n.º 10914-A, que fixa os requisitos de formação para a seleção de docentes em procedimentos de contratação de escola.

Em certa medida, podemos talvez conceber esta medida como antecâmara para uma reforma mais profunda dos programas de formação que habilitam para o exercício da docência, designadamente, através da reconfiguração e/ou aperfeiçoamento do modelo de profissionalização em serviço.

É certo que este nunca servirá para substituir a formação inicial, mas poderá consolidar-se como via alternativa de acesso ao sistema e à carreira docente.

Não se trata sequer de uma novidade no nosso sistema.

Recordemo-nos apenas das largas centenas de docentes que, ao longo dos anos, têm obtido a sua profissionalização e, por essa via, aberto caminho para o acesso à carreira, através da frequência dos cursos CPS ministrados pela Universidade Aberta ao abrigo do protocolo celebrado com a Direção-Geral.

E, não obstante, nos dias que antecederam a publicação do Despacho que antes referi, muito se disse e se escreveu na comunicação social alertando para o facilitismo decorrente da possibilidade de o Ministério da Educação autorizar o exercício da docência a titulares de habilitação própria, licenciados é certo, mas sem qualquer preparação pedagógica.

Devo confessar que tais reações me pareceram estranhas e, quiçá, fruto de um profundo desconhecimento acerca da história do nosso sistema educativo e do modo como o caminho de acesso à docência e à carreira se foram reconfigurando ao longo das últimas quatro décadas.

Sobretudo, porque tais afirmações proferidas muitas vezes por quem antes tendia a desvalorizar a necessidade de formar pedagogicamente os candidatos à docência; e, omitem que muitos dos professores que a breve trecho deixarão o sistema por aposentação, são os mesmos que nele entraram também sem qualquer preparação pedagógica, tendo adquirido a sua profissionalização em contexto escolar e já no pleno exercício das funções usualmente cometidas a um docente.

Na verdade, importa não esquecer que a generalização da formação inicial como modelo dominante para a obtenção de habilitação para o exercício da docência só ocorre depois de 1987.

Caros participantes…

Num quadro em que se estudam alterações ao modelo de formação inicial que podem passar por um reforço da componente de formação que tem lugar na escola; e em simultâneo, se perspetiva a existência de novos programas de profissionalização em serviço acessíveis a candidatos munidos de habilitação própria.

É indispensável também refletir sobre o tipo de formação contínua que vamos oferecer aos docentes que, todos esperamos, entrarão no sistema por efeito da diferenciação dos percursos de acesso à profissão e à carreira docente.

Antevejo que os CFAE terão em todo este processo, não apenas um papel central, mas um papel renovado.

Tal como expresso no programa deste Congresso, trata-se de repensar o paradigma da formação contínua, concebendo-a como um processo dissociado dos mecanismos de progressão e de avaliação de desempenho.

E, permitam-me que nesta curta intervenção aponte apenas duas possibilidades.

Em primeiro lugar, quer o reforço da componente de formação em escola na formação inicial, quer a extensão da profissionalização em serviço a novos candidatos, dependem da existência dos recursos humanos que assegurem as atividades de acompanhamento e de supervisão dos sujeitos em formação.

E porque tais processos se operacionalizam de modo distinto consoante o modelo de formação considerado, é de conceber que os novos docentes a designar para o exercício de tais cargos necessitem – para além da formação que possam ter obtido em cursos de especialização – de programas de atualização pensados e concebidos pelos CFAE em função das realidades e das necessidades locais em articulação com as instituições formadoras, ou com os programas e iniciativas que as unidades orgânicas possam já ter constituído no âmbito de dispositivos próprios de supervisão e de observação das práticas.

Em segundo lugar, é necessário auxiliar os novos docentes, qualquer que seja a sua porta de entrada no sistema, a definir os seus próprios caminhos de desenvolvimento pessoal e profissional.

A consecução deste propósito exige repensar o papel da formação contínua, afirmando a sua função de suporte ao processo de indução

Isto é, processo através do qual se contribui localmente para a socialização dos docentes mais jovens; para o desenvolvimento da sua identidade profissional; para o aprofundamento de saberes e de competências insuficientemente trabalhados na formação e na profissionalização, para a clarificação do modo como cada docente se define enquanto sujeito apto a definir um caminho próprio de crescimento como profissional.

Meus amigos, embora já tenham passado 30 anos, o caminho de desenvolvimento e de afirmação da centralidade dos CFAE em prol da formação de professores, nas suas várias dimensões e modalidades, está longe de se esgotar.                        

E assim termino, reiterando os meus agradecimentos pelo convite que me foi endereçado e desejando que deste Congresso saiam reflexões que permitam aos CFAE renovar o seu caminho e missão.

Muito obrigada!