PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

A Formação de Professores e Educadores de Infância - O caso do CEFOPNA

Miguel Castro
Instituto Politécnico de Portalegre

Resumo

A formação de Professores e Educadores é fulcral nos sistemas de ensino. É a partir desta que professores e educadores encontram espaço de atualização científica, pedagógica, didática e, fundamentalmente, de reflexão que permitem traçar novos caminhos, iniciar e renovar práticas, ajustando-as à realidade escolar, reflexo do contexto socioeconómico geral.

A formação de um grupo profissional responsável pela educação das crianças e jovens levou a que alguns docentes concetualizassem e teorizassem a formação, o desenvolvimento e a especificidade da profissão. Morais e Medeiros, Alarcão e Tavares, Ponte, R Canário, Nóvoa e Formosinho, em Portugal e Marcelo García, Fullan e Hargraves, Day ou Guskey são alguns autores que sustentam a necessidade de formação e desenvolvimento do professor como ator da mudança no sistema, bem como a necessidade de reflexão da especificidade da docência e da sua prática.  

Em Portugal, a Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 reconhece a formação como um direito dos profissionais de Educação, com o fim de atualizarem e refletirem sobre os conhecimentos científicos e competências específicas. Este processo será a base da progressão na carreira. O Decreto-Lei 344/89 é o primeiro a regulamentar os processos de formação. Outros se seguiram e atualmente o Decreto-Lei 22 de 2014 regula os aspetos formativos da profissão. Embora evoluindo na abordagem formativa dos docentes, no concreto é baseada em ações de formação, oficinas ou seminários especificamente destinados a grupos de docentes, de acordo com as necessidades apontadas pelas escolas ou induzidas pelas várias reformas educativas.

A partir de 776 inquéritos a Professores e Educadores da base de dados do CEFOPNA, averiguámos a visão dos professores e educadores face à formação, compulsória para a sua progressão na carreira, mas voluntária para a sua dignidade e qualificação como profissionais. De facto, os resultados revelam que os professores, frequentam as formações por obrigatoriedade, mas também para atualização e contacto com novas didáticas. Para além destes objetivos, as formações tornam-se locais de encontro e troca de experiências e projetos, que permitem auto reflexão e desenvolvimento profissional, tão positivos como as novidades advindas da formação.

Assim, uma hipótese a considerar será enquadrar, na avaliação docente e progressão na carreira, a frequência de espaços informais (em escolas ou agrupamentos) de troca de experiências e reflexões, que possam contribuir para o desenvolvimento e melhoria da qualidade do ensino, tanto quanto a formação mais tradicional. 

Palavras – chave: Formação de Professores e Educadores; Desenvolvimento global do docente; CEFOPNA.

Nota Prévia

O presente texto provêm de outra publicação, do mesmo autor, em agosto de 2017 no European Journal of Education Studies Vol 3; Issue 9, Bucareste, com o título: Teacher and Kindergarten Teacher Lifelong Training – The Cefopna. (Disponível em:

 http://oapub.org/edu/index.php/ejes/issue/view/76;http://oapub.org/edu/index.php/ejes/article/view/953

Para não ferir os direitos de exclusividade da revista, o texto apresenta algumas alterações. Esta reflexão só foi possível com a colaboração do CEFOPNA na recolha, tratamento dos dados e incentivo à sua realização. Ao CEFOPNA e à sua equipa, muito obrigado.

1 – A diversidade e exigência da profissão docente

 Ao entrar numa sala de aula de 1916 ou de 2016, nada se alterou de substancial na organização do espaço. As alterações são relativas aos materiais dos quais são feitas as peças de mobiliário e a alguma tecnologia que foi sendo introduzida. Penso que fazer a mesma avaliação da docência é algo exagerado e injusto para com os professores. Em termos pedagógicos, didáticos, de conteúdos e da formação e capacidade dos próprios professores e educadores, existe uma enorme diferença, para uma melhor adequação às necessidades dos contextos.

Após a segunda Guerra Mundial - e principalmente a partir da década de 60 do século passado - a democratização das sociedades ocidentais, a elevação do nível de vida e a generalização do acesso à informação, conduziu a uma alteração do acesso à escolarização e obrigou os docentes à mais profunda alteração do seu modus operandi.

A nenhuma profissão se pede mais do que ter os skills, conhecimento e empenhamento; ao professor não basta conhecimento científico, pedagógico ou didático, terá que desempenhar funções muito variadas noutras áreas, mas que sem as quais não consegue levar o seu trabalho a bom termo.

Exige-se do professor um conhecimento pedagógico e didático adequados à multiplicidade de situações com que se depara: além de ter de dominar os conteúdos que leciona, deverá ainda promover e ser facilitador da aprendizagem, estar atento aos alunos, organizar o trabalho na sala de aula, diferenciar e diversificar os métodos, tendo em conta a heterogeneidade dos alunos. Para além destes aspetos deverá também ter em conta a estabilidade e o equilíbrio emocional e afetivo de todos os alunos, assim como os aspetos de caráter social da turma. (Ventura dos Santos, 2013: 10)

Psicólogo, assistente social, animador sociocultural, são algumas das áreas que os professores e educadores têm que conhecer e ter algumas bases para poder atuar eficazmente face às crianças. Esta situação leva a que os docentes tenham que investir em formação (formal ou não-formal) em áreas não educacionais e/ou científicas, o que conduz, por vezes a que se dispersem, nesta imensidão de tarefas e procedimentos burocráticos, ficando para trás o que deveria ser o foco da sua profissão.

Paralelamente, a omnipresença da informação e a imensa quantidade de opinion-makers que, de uma forma ou de outra, nos vão apresentando a realidade pelos inúmeros canais de comunicação, leva o cidadão comum a sentir-se na posse de conhecimento pseudocientífico sobre todas as áreas que regularmente assolam a atualidade. Crente de que é realmente um conhecedor, uma larga quantidade de Pais e Encarregados de Educação tendem a desvalorizar a profissão docente e os professores. Não há neste momento (2016) indivíduo medianamente informado que não tenha opinião sobre o prémio Nobel da Literatura – merecido, imerecido/poeta ou escritor/ literatura versus letras de músicas… De repente todos temos doutoramentos em literatura comparada. Se o professor na aula expressa uma opinião, terá boas hipóteses de parte dos encarregados de educação fazerem dele uma fraca ideia. Porém, se o docente continuar a insistir na literatura trovadoresca, é acusado de não incorporar nas suas práticas os aspetos atuais, para que os alunos se motivem para as aulas e área de conhecimento. Esta ambivalência face à profissão docente leva a que cada vez mais o cidadão comum tenha uma posição paradoxal acerca da escola e dos professores: por um lado, arroga-se a ser dono do conhecimento e das melhores práticas pedagógicas, desprestigiando a escola; por outro, exige desta a educação dos seus filhos em aspetos científicos, mas também no seu acompanhamento psicológico, pais de substituição e animadores infantis e juvenis para reterem os alunos na escola o maior tempo possível, e poderem ou serem condicionados a trabalhar até mais tarde.

O que a maioria dos cidadãos não se apercebe é a alteração do papel da instituição Escola perante o meio global, nacional, local e pessoal. A Escola que detinha e ensinava conhecimentos científicos e que apetrechava os alunos dos mesmos, para estes os aplicarem nas suas profissões ou no prosseguimento de estudos, deu lugar a uma outra instituição com um papel mais amplo – educar para a realidade, formando cidadãos críticos e interventivos – da instrução passou-se à educação.

O professor, não descurando os aspetos científicos, possui o papel de facilitador de aprendizagens (cada vez mais autónomas), potencializador da aquisição de conhecimentos, propiciador e incentivador do desenvolvimento de competências, científicas, sociais e pessoais. Sob este ponto de vista, a maior parte das universidades e politécnicos ministram uma formação ainda muito teórica e orientada mais para a transmissão de conhecimentos do que para o desenvolvimento de competências. Um dos objetivos da escola é proporcionar aos alunos meios, técnicas e formas de procurar e utilizar a informação para a sua vida quotidiana e profissional, paralelamente à aquisição de conteúdos. Embora a escola possua as duas vertentes, é pela eficiência e eficácia da primeira que ela tem de se afirmar. Para tal, o professor tem de procurar a formação, sempre atualizada, que o ajude a propiciar aos alunos alcançar os seus objetivos e integrarem-se nos seus contextos sociais aos vários níveis, global, nacional, regional e local. Pretende-se que seja “não alguém que transmite conhecimentos, mas aquele que ajuda os seus alunos a encontrar, organizar e gerir o saber, guiando mas não modelando os espíritos, e demonstrando grande firmeza quanto aos valores fundamentais que devem orientar toda a vida” (Delors, 1996: 133)

2 – Breve enquadramento da Formação Contínua d Professores e Educadores

 Sendo a escola espelho das contradições, tensões e desenvolvimentos da sociedade, também os docentes estão “condenados” à mudança. Se até aos anos 60 do século passado, as alterações se processavam paulatinamente, a partir dessa década a velocidade da mudança veio-se acelerando. A tecnologia, por exemplo, possui uma taxa de mudança tão rápida, que existem mudanças significativas de 18 em 18 meses; muitas destas transformações são tão profundas que tornam obsoletos equipamentos ainda muito recentes.

Neste contexto, a mudança e alteração da profissão docente é inevitável. Porém, não acreditamos em mudanças efetivamente eficazes e duradouras se não forem baseadas em decisões que reflitam uma política botton-up. Como enfatizam Fullan & Hargreaves (2001) mudanças nas escolas e nos sistemas educativos que não partam das necessidades, ansiedades e projetos dos professores e não sejam suportadas e apoiadas por estes, não conseguem os seus objetivos. Em Portugal, e não apenas na educação, as alterações tentadas e efetivadas são predominantemente Top-Down. Esta pode ser uma das justificações para a falta de reais alterações quer no sistema educativo, quer nas práticas letivas e didáticas específicas. Não sendo fruto das reais necessidades dos professores, estes não adotam as novas ideias de alteração que a tutela pretende introduzir, independentemente da “bondade” das intenções. As alterações que vão sendo verificadas e constatadas nas práticas letivas são, assim, desconexas, erráticas e não sendo fruto de um movimento significativo de docentes e das suas necessidades, não produzem mudanças permanentes no sentido do aperfeiçoamento. Embora muito positivas e eficazes, são pontuais e não constituem um conjunto coeso e com sustentação teórica que permita a sua expansão e a adesão a novos modelos de práticas pedagógicas. Cada docente trilha, sozinho, o seu caminho, mas a mudança é residual.

A formação deverá colmatar esta deficiência e permitir aos docentes contactar com inovações que sustentem e incentivem a sua necessidade de mudança e alteração de práticas; concomitantemente, deve permitir a organização e fundamentação teórica que suporte essa mesma transformação e centrar-se essencialmente na sala de aula, em sentido amplo (lugar de aprender a aprender e a ser cidadão). Para que este processo ocorra e seja eficaz, a formação não deve, portanto, ser algo que não emane das necessidades sentidas e expressas pelos docentes (que deverão através dos órgãos das suas escolas fazer chegar aos responsáveis por pôr em prática essas mesmas formações). Correspondendo às necessidades e expetativas dos professores e educadores, a formação contínua vai dar respostas mais alargadas e abrangentes que aquelas estritamente ligadas às novidades da evolução científica, da inovação nas didáticas e nas linhas pedagógicas mais recentes. Permite ao docente crescer e valorizar-se enquanto pessoa preparada, reflexiva e com skills específicos que a identifiquem socialmente como especialista essencial para o desenvolvimento de uma sociedade proactiva, capaz de produzir perspetivas críticas e de acordo com o ritmo de mudança social do mundo onde está inserido.  

“Marcelo García (1999), relativamente ao conceito de formação, afirma que (i) a formação como realidade concetual não se identifica, nem se esbate dentro de outros conceitos em uso, como educação, ensino e treino, (ii) o conceito de formação agrega uma dimensão pessoal, de desenvolvimento humano global, a que é preciso atender, frente a outras conceções eminentemente técnicas, (iii) o conceito de formação tem a ver com a capacidade de formação, assim como com a vontade de formação, ou seja, o indivíduo é o responsável último pela ativação e desenvolvimento de processos formativos. Isto não quer dizer que a formação seja necessariamente autónoma. É através da inter-formação que os sujeitos podem encontrar contextos de aprendizagem que favoreçam a procura de metas de aperfeiçoamento pessoal e profissional.” (Ventura dos Santos, 2013:14) 

A formação contínua de professores e educadores tem sido alvo de várias abordagens teóricas; no entanto, todas enfatizam a perspetiva do desenvolvimento pessoal integral do profissional da educação. Na formação contínua, existe um paradigma que enquadra, de forma abrangente, todo o processo – são necessários dois pilares base: o desenvolvimento de competências específicas da profissão, com duas dimensões bem vincadas, a científica e a didático-pedagógica; o outro pilar é a de proporcionar espaços de reflexão pessoal e coletiva, de crítica e questionamento da sua atividade, de maneira a encontrar e trilhar novos caminhos e posturas. Estas duas componentes estão refletidas nas obras de Garcia (1999), Alarcão (2001,2009), Canário (1998), M. T. Estrela (2001, 2010) ou Formosinho (1991) e realça, para além destes aspetos, a necessidade de considerar a especificidade dos docentes.

Cada professor possui um percurso e uma história pessoal específica que deve ser parte integrante da formação e constituir material de reflexão e crítica – onde estou e para onde quero ir. A vivência do professor é igualmente marcada pelos alunos, escolas, turmas e as formas como cada sistema por onde lecionou se organizava. Todo este manancial de informação e percurso de vida profissional deve ser base para uma postura investigativa e organização de quadros conceptuais que permitam ao docente dirigir as suas ações no sentido de melhoria das suas práticas. O professor deve ser igualmente um questionador e investigador da realidade do seu quotidiano profissional. A “formação deve ter em conta o questionamento reflexivo com caráter organizado e sistemático, focalizando a atenção nos problemas e no processo de resolução dos mesmos – ocorrer uma interligação entre os diversos sistemas de conhecimento e uma prática educativa em contexto.” (Ventura dos Santos, 2013:21). Tal como o aluno, também o docente deve ser o construtor do seu próprio conhecimento. Esta postura de investigação da realidade concreta do docente já tinha sido proposta por Estrela e Estrela (2001) no que ficou conhecido como estratégia de formação IRA (Investigação/Reflexão/Ação) tendo sido levada a cabo em projetos de investigação/ação coordenados por estes dois investigadores em diversas escolas com a colaboração de vários docentes.

A formação, quanto a nós, deverá ser entendida como um ciclo que permite ao professor ou educador um processo contínuo de ajustamento, conhecimento e inovação, que conduz ao melhoramento da sua prática pedagógica e ao desenvolvimento do seu conhecimento científico e crescimento pessoal.

 

Elaboração própria

 3 – Formação Contínua de Professores e Educadores em Portugal

 A Formação Contínua de Professores e Educadores surge em Portugal como uma necessidade sentida pelos docentes de atualização e desenvolvimento profissional, mas também do próprio sistema educativo, no seu todo, sentiu a falta de um instrumento, que simultaneamente pudesse satisfazer a pressão dos professores, por um lado, e, por outro, criasse uma forma de avaliação e progressão na carreira docente que fosse para além da simples contagem de anos de serviço.

Em 1986 a Lei de Bases do Sistema Educativo é clara reconhecendo o direito e o dever à formação pelos profissionais. A formação teria o fim proporcionar a estes profissionais a atualização e reflexão sobre conhecimentos científicos e competências específicas, mas simultaneamente enquadrar a carreira docente. Porém, só em 1989 é que é publicado o Decreto-lei (DL nº 344/89 de 11 de outubro) que vai regulamentar, dar forma e ordenamento jurídico à formação dos profissionais da educação (educadores e professores dos diferentes níveis de ensino). O DL criar formas de atualização das diversas competências profissionais, fornecer novos instrumentos relativos à especialização da docências e à evolução e modernização constantes do sistema educativo; por último, através da formação pretendecriar ambientes propícios à inovação dos processos educacionais. Paralelamente a estes objetivos, o Decreto-lei faz depender a progressão na carreira docente da frequência de formação específica.

Em 1994 o DL nº 274/94, reformulando um outro Decreto-lei de 92 (que tinha também introduzido pequenas alterações) cria-se um sistema nacional de formação contínua de professores baseado em Centros de Associação de Escolas. A novidade foi a tentativa de proporcionar às escolas a possibilidade de definirem as suas necessidades de formação. Revertendo para as Associações de Escolas a responsabilidade de Formação Contínua pretendia-se uma aproximação às necessidades sentidas por quem se encontrava no terreno, sendo que sem o suporte dos professores, nenhuma reforma vingaria realmente. Se a Escola antes da Revolução de 74 estava basicamente igual aquela que existia no princípio do século (a Reforma de Veiga Simão nunca veio a ser realmente e completamente implementada devido às mudanças revolucionárias), no período revolucionário, o sistema educativo acompanhou as convulsões próprias da época, mas nunca conseguiu a estabilidade suficiente para realizar a sua atualização com as correntes mais seguidas na Europa. Após a adesão à então C:E.E. e com a normalização da vida social e política de Portugal, a Escola começou a tentar “queimar etapas” e conseguir atualizar-se com os modelos didáticos, pedagógicos e organizacionais mais eficazes e comprovados. Não obstante esta orientação geral, a Educação e o Sistema Educativo terá sido um dos setores que mais e maiores mudanças sentiu, alterando-se e reformulando-se quase ao ritmo da ocorrência de eleições legislativas.

Atualmente a Formação Contínua de Professores e Educadores é regulamentada pelo Decreto-lei 22 de 2014.

 “Estabelece-se um novo paradigma para o sistema de formação contínua, orientado para a melhoria da qualidade de desempenho dos professores, com vista a centrar o sistema de formação nas prioridades identificadas nas escolas e no desenvolvimento profissional dos docentes, de modo a que a formação contínua possibilite a melhoria da qualidade do e ensino e se articule com os objetivos de política educativa local e nacional. (DL nº 22 de 2014: 1286)

Um dos aspetos que este DL vinca é o papel no sistema formativo dos CFAE (Centros de Formação de Associação de Escolas) como elemento estruturante, embora inclua também as instituições de Ensino Superior. Este papel enfatiza a maior aproximação das necessidades de formação sentidas pelos docentes e a oferta. Os CFAE constroem os seus planos de formação a partir das propostas das escolas. Estas propõem formações que estejam de acordo com as necessidades sentidas pelos colegas e que preencham as necessidades de formação que os planos de atividades e de escola possam exigir. Não obstante as boas intenções e aperfeiçoamentos que o Decreto-lei apresenta, este não deixa de enfatizar a formação como essencial e obrigatória à progressão na carreira e estabelece a exigência de que esta ocorra nas dimensões científicas e pedagógica.

A obrigatoriedade da formação e a exigência de apresentação de relatórios de avaliação de desempenho pelos docentes é, neste momento (e desde há largos anos), quase caricata: por um lado, obriga-se os professores à formação para progressão na carreira; por outro, o congelamento da carreira é fator desmotivante para que os docentes sejam atraídos para despenderem tempo e investimento intelectual em processos que não têm retorno. De salientar é a atitude e brio profissional da maioria dos docentes, que continuam a frequentar as formações para que o sistema, as escolas e os alunos possam desenvolver o seu trabalho da melhor forma. Sem sentir apoio das tutelas, os docentes têm demonstrado um forte sentido de responsabilidade, sem o qual o sistema já se teria degradado ainda mais.

Não pondo em causa as sucessivas inovações que os decretos e leis têm vindo a introduzir, na essência a formação continua assente em modelos muito formatados: ações de formação, seminários ou oficinas de formação. São nestas modalidades que os docentes realizam a sua formação; a reflexão conjunta, o trabalho colaborativo ou a supervisão entre pares, embora teoricamente incentivados, não têm expressão concreta em créditos para a carreira, nem a certificação do trabalho pela tutela ou pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Continua. Assim, as novas tendências pedagógicas e as novas modalidades de formação, que fazem do professor um protagonista do seu próprio desenvolvimento, são postas de parte em termos de progressão; porém, mostram-se essenciais para o crescimento docente nos dois vetores que o último Decreto-lei aponta como essenciais para a carreira – a dimensão científica e didático-pedagógica.

 4 – O CEFOPNA e a visão dos docentes da formação contínua

 O Centro de Formação de Professores do Nordeste Alentejano é composto por 9 agrupamentos de escolas e uma escola não agrupada do distrito de Portalegre. Criado por despacho, publicado no DR nº 150, IIª Série, de 29/06/93, tem a sua sede na Escola Secundária Mouzinho da Silveira, em Portalegre e agrega as escolas dos concelhos de Arronches, Castelo de Vide, Campo Maior, Elvas, Marvão e Portalegre. Este CFAE é responsável pela quase totalidade da formação contínua dos professores e educadores nesta região. A sua política de intervenção tem sido a de procurar oferecer aos docentes as formações por estes apresentadas através das suas escolas ou agrupamentos, valorizando as sugestões e procurando apresentar planos de formação diversificados e que abranjam o maior número de docentes.

Em colaboração com o CFOPNA lançámos um inquérito para avaliar a visão dos professores e educadores face à formação que lhes é imposta como obrigatória, mas que procuram e frequentam pela sua necessidade de atualização. Obtivemos 776 resposta válidas às questões que centramos em dois campos: motivações para frequência das formações e opiniões sobre as mesmas. Obtivemos respostas de todos os distritos de Portugal continental, sendo a distribuição por género de 74,9% feminino e 25,1% masculino. Os anos de serviço dos docentes contemplam vários grupos, sendo que os mais representativos são o conjunto de professores que possuem entre 15 e 30 anos de serviço (62%), o que demonstra que os inquiridos têm uma vasta experiência na profissão e também terão frequentado um número considerável de formações em diversas áreas.

 

              Elaboração própria

 

                 Elaboração própria

 

A primeira parte do inquérito pretendia saber as motivações dos professore e educadores para frequentarem as formações. Das quatro possibilidades – obrigatoriedade; progressão na carreira; atualização científica; atualização didático-pedagógica – obtivemos os seguintes resultados. A obrigatoriedade de formação pesa significativamente na adesão dos docentes (55,4%); no entanto não existe penalização por não frequentar. As consequências serão apenas na progressão na carreira, mas estando esta hipótese congelada, a razão terá que estar relacionada com o peso da lei no comportamento; para além de não ser valido para a subida de escalão, os professores que já estão no topo da carreira ou perto desse nível, já nem a compulsividade deveria justificar uma vez que não usufruem de qualquer benefício e não são penalizados.

Relativamente ao peso nos relatórios de avaliação de desempenho que a formação possa ter, terá maior sentido uma percentagem maior de respostas (60,8%), uma vez que os relatórios são aferidos pela Direção e pelo Conselho Pedagógico. Porém, o que realmente pesa na decisão dos profissionais da educação é a sua vontade de atualização e inovação. A atualização a nível científico, proporcionada pela formação, é considerada importante ou muito importante (92,1%) e na área das didáticas específicas e das tendências pedagógicas recentes a percentagem de docente que a valoriza é de 91,5%. Estes dados demonstram que não só que a formação faz sentido para os docentes, mas também que da parte deste grupo profissional existe uma enorme disponibilidade para a inovação e alargamento dos seus conhecimentos, que se refletirá nas suas práticas pedagógicas.

Sobre a atitude face às formações, quisemos saber se estes espaços potenciam e proporcionam a troca de ideias e experiências pedagógicas entre colegas, por um lado e por outro, se o encontro com colegas conduz à elaboração de projetos entre escolas diferentes e a construção de projetos trans e interdisciplinares. As respostas, quer no primeiro caso (51,7%) quer no segundo (56,3%) são pouco vincadas, mas mesmo assim, as formações são indutoras de novas formas de atuação pedagógica e entre escolas. Este facto parece-nos estar mais relacionado com dificuldades organizacionais e institucionais que transcendem os docentes do que da vontade de realizar novas formas de atuação pedagógica.

Noutras questões que abordavam a adesão voluntária à formação, os números vão novamente para os 80.Também mais de 90% das respostas consideram o tempo despendido com as diversas modalidades de formação bem empregue e não as realizam apenas por obrigação. Já relativamente às temáticas das formações, os docentes dividem-se quase a meio – 50,5% pensam que apenas os temas científicos e pedagógicos deveriam ser objetos de formação; já os restantes colegas apontam a necessidade de temas mais latos e não apenas dentro dos itens apontados. No que respeita à avaliação a posição é também dividida; enquanto 47,6% das respostas revela que o importante é o contacto com as novidades nas áreas específicas, a outra metade aponta para o valor da avaliação no processo formativo.

Por último, pedimos a valorização das ações de formação como forma de convívio e descontração produtivos; isto é, até que ponto o ambiente não formal permite a reflexão de problemas comuns aos docentes e à sua profissão. 68,8% dos docentes parecem aproveitar estes espaços na sua vida profissional para refletirem em conjunto, “desabafarem” com outros colegas os aspetos que os incomodam ou inquietam. Para além destes momentos de catarse, podemos igualmente inferir que a assunção dos problemas ou dificuldades com os outros colegas conduzam a troca de possíveis soluções e partilhas que são momentos igualmente de formação e crescimento mais abrangente dos docentes.

 5 – Notas finais

 Para concluir, após a apresentação dos dados provenientes das opiniões expressas pelos docentes que realizaram formação no CEFOPNA, podem-se estabelecer algumas conclusões e apontar pistas relativas à formação deste grupo profissional.

A formação contínua de professores é um instrumento útil aos docentes como forma de atualização e de introdução de inovações a nível didático, pedagógico e científico. Estas alterações, posteriormente postas em prática, conduzem a um melhor e mais eficaz desempenho de professores, alunos e instituições escolares. Desta forma, permite-se que a Escola cumpra mais eficazmente os seus propósitos: educar alunos para a vida num mundo em mudança e apetrechá-los de ferramentas e conhecimentos que potenciem o seu sucesso, integração e participação crítica e construtiva nas suas comunidades.

Existe por parte dos docentes disponibilidade para a formação. Os dados evidenciam que independentemente dos anos de serviço, os professores aderem às formações com a consciência de que esta pode (e deve) apresentar algo de novo nas áreas científicas e didático-pedagógicas. Fica igualmente vincado que não é apenas a obrigatoriedade que leva à formação, mas sim uma necessidade sentida para que o desempenho e o papel de professor e educador seja mais eficaz e conduza os alunos a maior sucesso escolar.

O último aspeto que gostaríamos de frisar prende-se com as possibilidades alternativas de proporcionar formação creditada aos docentes noutras modalidades, que não as tradicionais. Os dados apontam para que as ações/oficina de formação constituam momentos de partilha e reflexão conjunta dos colegas. Lembremos que mais de 50% das respostas dizem que estes espaços levam a projetos entre escolas e trans e interdisciplinares. Também uma percentagem muito significativa refere que os momentos que a formação proporciona permitem troca de experiências, dúvidas e partilha de ideias e soluções. O que propomos, como um possível caminho paralelo e complementar à formação mais tradicional, é a possibilidade de se constituírem nas escolas, entre escolas ou em agrupamentos de escolas, espaços relativamente informais, mas organizados,  com agendas definidas e temas pertinentes, onde os professores se possam reunir com regularidade e discutir, refletir, criticar e descobrir soluções e novos caminhos, que permitam melhorar as suas práticas pedagógicas e alargar o seu leque de interesse e conhecimentos científicos, não apenas da sua área específica, mas também de outras áreas, permitindo novas didáticas e formas de trabalho. A proposta de um programa com os temas de trabalho e um relatório final ou trimestral poderiam garantir os requisitos para uma possível creditação ao CCPFC (ainda que com possível menor peso). Este processo poderia potenciar e valorizar mais e melhor trabalho cooperativo e de supervisão entre pares, para além de se mostrar alternativo, o trabalho entre pares, sem o peso do formador/formando, poderia constituir um espaço de partilha e união entre um grupo profissional que tem vindo a ser desvalorizado, mas que, como podemos constatar, é um daqueles que maior formação possui.

 6 – Bibliografia

Alarcão, I. (2001). Professor-Investigador. Que Sentido? Que Formação? Cadernos de Formação de Professores, I, 21-30.

Alarcão, I. (2009). Formação e Supervisão de Professores: Uma nova abrangência. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 8, 119-128.

Canário, R. (1998). A escola e o lugar onde os professores aprendem. Psicologia da Educação. São Paulo, 6, 9-28.

Casanova. M. P. (2014). Avaliação da Formação Contínua de Professores: Uma Necessidade Emergente. In Formação continua. 20 anos 20 ideias em Ação. Revista do CFAECA. Almada: CFAECA (pp. 31-37).

Costa, Irene de Souza (2013). Avaliação da Formação Continuada de Professores: Programa Sala de Educador (Mato Grosso – Brasil). Lisboa. UL/Instituto da Educação

Delors, J. & al (1996). Educação um Tesouro a Descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI. Porto, Asa.

Estrela, M. T. (2001). Realidades e perspectivas da formação contínua de professores. Revista de Educação, vol. XIV, nº 1, pp. 27- 48.

Estrela, M. T. (2010). Profissão Docente - Dimensões Afetivas e Éticas. Coleção Saberes Plurais. Areal Editores.

Formosinho, J. (1991). Formação Contínua de Professores: realidades e perspetivas. Aveiro. Universidade de Aveiro.

Estrela, M. T; Estrela, A (org) (2001). IRA – Investigação, Reflexão, Ação e Formação de Professores: Estudos de Caso. Porto. Porto Editora

Fullan, M.; Hargreaves, A. (2001). Por que é que vale a pena lutar? O trabalho de equipa na escola. Porto: Porto Editora.    

Gonçalves, Lina Maria Alves (2011). Formação Contínua De Professores Em Contexto. Lisboa. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias/Faculdade de Educação Física e Desporto

Ventura dos Santos, Maria Manuela Ferreira (2013). Formação Contínua De Professores Em Contextos Laborais Colaborativos – Seus Reflexos Nas Conceções E Práticas Profissionais. Lisboa, UL. Instituto da Educação.