PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

 

Memórias Recentes

Xavier Mourato Nabo
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Em certos tempos e em certas alturas, cruzamo-nos com personalidades, que tanto nos podem alegrar com a sua companhia, arrebatar-nos com a sua inteligência e conhecimento, surpreender-nos com a sua frontalidade, ou desafiar-nos quando os seus ideais e convicções colidem com os nossos. Contando com aquilo que já vivi (e, espero eu, ainda muito me falta viver) não há sítio onde se encontrem mais personalidades diversas, antagónicas ou não, que numa escola. Na minha vida escolar cruzei-me com muitas pessoas, da minha geração e de outras anteriores, a maior parte das quais me foi indiferente. Houve um bom número, das pessoas com as quais me cruzei que, para mim, sempre foram simplesmente agradáveis, sem ter a respeito dessas pessoas algo substancial a escrever ou dizer. Contudo, há sempre aquele grupo de pessoas com quem me cruzei na escola que deixaram a sua marca, tendo privado muito, pouco, ou nada, com essas personalidades marcantes. A crónica que escrevo tem tudo a ver com a escola, e aquilo que são as vivências no nosso ensino, mas nada tem a ver com a escola arco-íris, feliz e bonita, que alguns leitores desejariam ler, e que eu próprio desejaria escrever. Mas as prioridades têm de ser definidas, e aquilo que me foi comissionado impele-me a escrever, a título geral, sobre os obstáculos do mundo da formação e do ensino que, por coincidência ou por necessidade, se impõem aos jovens.

Escola e ensino, deviam ser sinónimos do mais alto nível de formação intelectual e cívica que se podia fornecer a um jovem. A escola, como eu penso que deveria ser, seria uma instituição onde os jovens fossem formados, consoante as suas aspirações, tendo em conta o espírito crítico e a capacidade de análise que é possível um jovem ter. Num sistema de ensino ideal, o conhecimento e a capacidade de solucionar problemáticas dum aluno não seriam testados, somente, numa confusão papelística de testes sumativos nos quais se pode vomitar da caneta para o papel toda a matéria que vem num manual, para daí a duas semanas não se falar mais nisso, e sem que se tenha observado as análises críticas e interpretativas de cada jovem, a respeito desses conteúdos. Sempre me perguntei, na escola secundária – no básico ainda não pensava muito nestes assuntos – porque se fazem tantos testes e tão poucos trabalhos de análise e de exploração. A culpa, claramente, não reside primeiramente nos professores, antes reside naqueles que tutelam e tutelaram o nosso sistema de ensino.

Passando do geral, apresentando a minha visão sintetizada daquilo que devia ser o ensino, que é altamente importante ser referido para a ocasião, indo para a minha questão pessoal, no particular, o episódio que vou relatar é um testamento ao choque de vontades, e uma prova da capacidade crítica colectiva de jovens preocupados com o seu futuro e formação. No meu décimo primeiro ano, eu e a minha turma vimo-nos perante um grande desafio, uma colisão de vontades e valores, onde, num lado estava um conjunto de alunos que procuravam alcançar a melhor formação possível numa determinada disciplina, para terem a preparação bastante para enfrentarem o exame (aqueles que precisavam de fazer este exame), e do outro lado principiava um professor, cujas convicções no ensino eram de autoridade desmedida, abstraccionismo científico, e uma boa dose de implacabilidade, inflexibilidade e “chicotada psicológica” para aqueles que o confrontavam, denunciavam e enfrentavam no domínio dos seus métodos pedagógicos. A história, em pormenor, aqui não será contada porque não há espaço necessário, a história em si já muito foi relatada, e seria um remexer desnecessário em águas passadas. A conclusão deste conflito terminou com um impasse, mas um impasse onde, tanto o professor em questão como aqueles que lhe aprovaram os métodos, não conseguiram fazer com que esta turma arredasse pé na defesa dos seus direitos, e por isso ficarei sempre grato aos meus colegas e amigos.

Este conflito, talvez pudesse ter sido evitado logo desde o início, e como eu gostava que assim tivesse sido... É uma situação que me dá sempre a sensação que algo se perdeu, que algo não foi compreendido, que não houve a comunicação necessária para que fossem criadas pontes. Mas seriam essas pontes possíveis na sua construção? Pensar sobre isto retrospectivamente é bem mais fácil. Por isso, utilizando esta crónica, apelo a qualquer aluno, que sinta que os seus direitos fundamentais foram violados, que lute por eles, e sem medo, pois estas também são as aprendizagens valorosas para a vida. Sermos falsos à nossa própria consciência, na escola ou noutro sítio qualquer, é o pior dos danos que podemos provocar-nos. Tendo isto escrito, é altura de fechar o pano neste capítulo e evocar as tréguas. Citando Abraham Lincoln, “a filosofia de uma sala de aula numa geração, será a filosofia de governo na próxima geração”.   

Por opção do autor este texto foi escrito de acordo com o AO de 1990