Capa | 2010-2011 | 2012 | 2013 | Revista 12 | Revista 13 | Revista 14 | Revista 15

MENU


Editorial

Educar Sempre

A Minha Escola

Crónicas de Aprender

- Entrevista -

 

Cartoon

 


 

 

Conversando com Professor Doutor Joaquim Azevedo

Luísa Moreira
CEFOPNA

Profforma – Portugal, de acordo com os últimos estudos do PISA, revela números assustadores de iliteracia. Considerando o alargamento da escolaridade obrigatória, de forma gradual até ao 12º ano, o que poderá causar tal falhanço educativo?

Os resultados não são tão assustadores, têm vindo a melhorar, ainda que lentamente. Estamos bem melhor do que há dez anos e há vinte... importa não esquecermos que o esforço que fizemos e fazemos produz resultados. Os saltos dados em termos educativos desde 1974 foram de gigante! É certo que continuamos a deixar pelo caminho perto de 25% dos jovens portugueses, antes de concluírem o 12º ano. Isso é grave e não deveria acontecer. É preciso pois que as políticas educativas e os políticos que decidem alargar a escolaridade, universal e obrigatória, até ao 12º ano-18 anos sejam capazes de, com a mesma destreza e solicitude, tomar medidas concretas de política educativa que favoreçam a real possibilidade de cada adolescente e jovem realizar, dentro do mesmo sistema educativo um percurso de qualidade, fundado em motivação, adequação e utilidade, promovendo a realização de cada um e de cada uma.

O “falhanço” educativo existe, é muito impiedoso para com os jovens mais pobres e oriundos de meios socioeconómicos e culturais mais baixos, e radica numa incapacidade estrutural que as escolas apresentam de acolher e promover a totalidade da diversidade cultural que existe em Portugal. A política pública de educação não pode ser para eleitos, ainda que estes eleitos sejam já 75% ou até 80% da população portuguesa. Há muito caminho para andar e o que falta fazer, este resto, é muito difícil de realizar, mais do que o foi até aqui, pois agora trata-se de ter de mudar o modo como a instituição escolar funciona, o modo como se ensina e aprende, o modo como a comunidade vê as escolas e estas a comunidade.

Profforma – Os professores têm sido, sobretudo nos últimos anos, alvo de fortes críticas pela sociedade em geral. Considera justa e justificada a crítica feita?

Os professores têm vindo, neste mesmo processo de persistente dificuldade do sistema escolar em acolher e promover todos e cada um(a), a ser penalizados pelo conjunto da sociedade e pelos dirigentes políticos. Não é fácil lidar com e compreender este grupo profissional numeroso e complexo, com muitas décadas de exercício profissional, que cresceu no pós-25 de abril e que foi “formado” para reproduzir uma escola de elite (a do passado); hoje, estes servidores públicos de extrema importância deviam estar muito bem preparados, técnica e humanamente, para o objetivo essencial de acolher cada um(a) e levá-lo(a) ao desenvolvimento máximo das suas potencialidade, em comunidade. Em geral, nem as políticas educativas nem os políticos têm compreendido isto e agido consequentemente e “atiram” por vezes na direção errada (injetar dinheiro em instalações faraónicas que não servem a educação dos próximos anos, impor modelos uniformes às escolas e aos professores, investir tudo em exames e mais exames, na expectativa de que, pesando o porco muitas vezes, talvez ele engorde!).

Os professores precisam de investir nos próximos 20 anos em melhorarem drasticamente o seu desempenho profissional e em colocar as suas reivindicações também neste patamar. Enquanto continuarmos a ter professores que, quando se questionam sobre os maus resultados escolares, a indisciplina etc., apenas dizem que os pais não apoiam os filhos ou que o meio não favorece a educação escolar... estamos a dar tiros nos pés e ninguém respeitará o nosso grupo profissional. Temos de desenvolver um conhecimento mais sustentado na experiência acumulada (evidence based), no conhecimento que advém de vitórias e de fracassos, conhecimento este que existe e muito, mas que não é acumulado, sistematizado e devolvido ao conjunto dos profissionais para ser de novo aplicado e sempre melhorado. Falta-nos, em grande medida, fazer este humilde e persistente caminho, com associações profissionais educativamente poderosas e redes potentes de apoio interpares.

Profforma – Como encara a formação de professores, inicial e contínua, em Portugal?

Não concordo como o que se faz, nem com uma nem com outra; andamos a investir mal na formação inicial, que deixa de lado seja boa parte deste conhecimento acumulado, mormente em Portugal, seja uma prática de exercício profissional ao longo da formação inicial.  A formação contínua é escassa, devia ser poderosa e eficaz, desde que estivesse vocacionada para enfrentar e resolver os problemas concretos com que nos deparámos, em cada dia, nas salas de aula. Acompanho várias escolas, na sua melhoria gradual, e são evidentes as dificuldades dos professores pensarem o que estão a fazer, numa perspectiva da melhoria profissional contínua. Há escolas, dirigidas por líderes que isso valorizam, que criam ambientes mais favoráveis a esta aprendizagem permanente, mas o MEC está profundamente a leste deste esforço. Ensinar, hoje, todos os portugueses, até ao 12º ano, com esta crise social e cultural envolvente, sem perspectivas de futuro para os jovens, é muito mais difícil do que alguma vez o foi. E isso requer mais investimento e não menos, muito mais perícia profissional e não a manutenção de rotinas.

Profforma –O abandono escolar é uma preocupação da Escola portuguesa. Como considera eficaz combater este flagelo?

Dando oportunidades de desenvolvimento e de conhecimento a cada aluno(a). Ora, isto não se faz: ensina-se o mesmo a todos, ao mesmo tempo, ao mesmo ritmo (com algumas e boas excepções, em grupos-turma fixos e rígidos, em horários inflexíveis,...isso não resulta. Resulta para uma dada percentagem, que já bebe esse “leite” social e cultural em casa. O ensino básico precisa de melhorar a sua qualidade para acolher e promover não apenas todos (a massa), mas cada um (as pessoas), com uma atenção e cuidado redobrados para com os que mais frágeis se revelam nas aprendizagens e no desenvolvimento.

Precisamos de melhorar muito os modelos de ensino, o miolo do que fazemos: a sala de aula. Para isso é preciso mudar muitas outras coisas na escola e colocá-la ao serviço disto mesmo: impedir que haja um só cidadão que seja deixado para trás, sem educação ou formação. Isso é que devia ser obrigatório e universal!

Profforma – Senhor Professor, na sua perspetiva o que deve significar o termo “escola Inclusiva”?

Isso mesmo que tenho estado a referir: uma escola que acolhe e promove cada um(a), na sua natureza única e irrepetível, e que se inclui na comunidade, para a servir do melhor modo e com ela servirem cada um(a) dos alunos. Uma escola humilde, uma instituição parceira e não aquela instituição altiva de antigamente, que atendia apenas a elite e vivia acima do povo. Essa escola morreu na realidade, mas perdura na cabeça de muitos professores e de boa parte dos formadores de professores. O problema é esse. Mudou a “clientela” das escolas e estas e os seus principais atores ainda trabalham, em muitos casos, como se a população escolar fosse a mesma de há trinta anos. Apesar de estarem muito conscientes e aflitos com os anacronismos que se geram todos os dias, encontram dificuldades imensas em re-criar as escolas e as práticas de ensino-aprendizagem, no “molde” existente (o de antigamente).

Profforma – Em sua opinião, uma Escola para todos tem de ser uma Escola diferente para cada um?

Exatamente isso. Se houver, em cada ano de escolaridade, alunos em cinco níveis de aprendizagem diferenciados, é preciso que as escolas trabalhem com os cinco grupos diferenciadamente e que, no limite, depois disso feito, se ainda assim houver alguns alunos que requeiram outro tipo de ensino-aprendizagem, pois que este se crie ou se encaminhem esses alunos, se já existirem essas possibilidades na escola ou na comunidade. Somos muito rígidos e defensivos, pré-ordenamos tudo, de modo uniforme, pois não confiamos, nem em nós, nem nos nossos alunos, nem nas instituições educativas escolares. A confiança é a maior falha do nosso sistema escolar. É assim desde o MEC até às escolas. Temos de nos libertar destas amarras. Se esbarramos com novos problemas, que não existiam há quarenta ou trinta ou vinte anos, pois vamos enfrentá-los hoje, um a um.

O mito dos exames, enquanto avaliação externa uniforme e apenas centrada num pequeno leque de competências desenvolvidas nas escolas, levado ao seu extremo pelas políticas dos últimos anos, está a ter e terá consequências desastrosas. Esta semana ouvi professores de AEC e CAF dizerem, aqui bem perto do Porto, que as crianças do ensino primário/1º ciclo entram nas escolas às 7,30h e saem às 19,30h e que os pais insistem para que os prolongamentos sejam usados para as crianças fazerem os deveres de casa e, para os do 4º ano, que sejam usados para preparação intensiva para o exame. São os pais que o estão a exigir, mas quem induziu a sociedade nesta estúpida vertigem foram os dirigentes políticos que temos, não foram as famílias, a braços já com tantas outras dificuldades. Não sei como recuperaremos deste desastre.

Profforma – É  frequente ouvirmos dizer que os alunos portugueses passam tempo demasiado  na Escola. Concorda?

Sim, como acabei de referir, mas o problema é de toda a sociedade, do modo de organizarmos o trabalho e o modo de vida nas cidades. Raramente os pais abandonam os filhos na escola; deixam-nos porque, de outro modo, não se conseguiriam organizar e nem sequer teriam filhos. O tempo que as crianças aí passam deve ser reduzido ao mínimo, certamente, e o que têm de passar deve conter atividades variadas e não as mesas durante 12 horas diárias e na mesma sala de aula. Nenhuma criança pode sair daqui direita, só por milagre! É uma atrocidade a que o modelo económico dominante, subjugando os políticos, nos está a conduzir. Mas é igualmente pela política que se pode sair desta situação. Há municípios que começam a “dar a volta” e estão a reorganizar-se profundamente, para acolherem cada cidadão e cuidarem de lhe proporcionar um ambiente urbano capaz de promover uma vida decente.

Profforma – A indisciplina é, frequentemente, identificada como factor de insucesso escolar. Considera que o combate à indisciplina depende de mais graves punições?

A indisciplina de um aluno é uma manifestação de que algo está mal; portanto, não será preciso tanto combater a indisciplina, mas mais o que lhe subjaz. A escola pode ajudar a detetar o que se passará com cada um(a), mas precisa do apoio de outras instituições da comunidade, a começar pela família. Quando esta não existe ou não age, é preciso mobilizar outras instituições. As escolas não podem começar a disparar em todas as direções, a braços com uma crescente indisciplina. Era óbvio que esta iria aumentar com o prolongamento da escolaridade obrigatória e com a crise social que vivemos, sobretudo porque a escola não está a evoluir ao ritmo que lhe é exigido, adequando-se a esta nova situação. Os desafios são muito grandes e é preciso criar bolsas de esperança e desbravar caminhos novos, mas... optámos por fazer cada vez mais exames aos alunos, criámos gabinetes de indisciplina, revemos o estatuto do aluno e aplicámos penas mais pesadas! Ou seja, pontapés para fora ou na trave!

Profforma – Considera que a ideia do professor como profissional solitário, dono da sua sala e dos seus alunos, é algo que urge mudar? Como entende um processo de ensino e aprendizagem colaborativo?

Sim, os professores ou trabalham em equipa ou nunca mais melhoram o seu exercício profissional, como corpo profissional. Ensinar hoje todos e cada um(a) é muito difícil, como disse, e só os docentes em equipas (e com apoio de outros profissionais, dentro e fora da escola) podem ajudar-se mutuamente, acumular saber e melhorar as práticas. O professor eremita, fechado no seu castelo (outro paradigma tradicional da formação de professores) tem de cair depressa e não sob a ação do MEC, mas dos próprios docentes. Temos de fazer muito mais e melhor pela nossa profissão, com auto-organização. Antes que, de fora, nos continuem a dizer, por circular, como fazer, cada gesto.

Temos vindo a investigar na Universidade Católica exatamente o que é que faz com que os nossos alunos aprendam melhor nos “ninhos” no âmbito do Projeto Fénix e temos concluído que uma das dimensões cruciais reside no trabalho cooperativo (ver por exemplo: http://repositorio.esepf.pt/jspui/bitstream/10000/1482/4/EBOOK_MARCADORES_FENIX_FINAL_NOVO.pdf)

Profforma – Sendo a Finlândia um país de referência em termos educativos, como analisa as recentes mudanças educativas que esse país se propõe realizar, assentando em aprendizagens colaborativas e na valorização da avaliação formativa?

Sim, há várias mudanças em curso no mundo. Na Finlândia também. Mas é preciso começar por referir que este país, há uns quarenta anos, decidiu investir colossalmente nos professores: médias elevados de acesso aos cursos de formação de professores, provas de ingresso na profissão, nível remuneratório revisto, progressão profissional clarificada, etc. O resto vem por acréscimo: o apoio às escolas e aos alunos com maiores dificuldades, no momento exato em que elas surgem; uma administração educacional leve e de efetivo apoio às escolas; uma política pública de educação serena, debatida, aprofundada e reformas colocadas em marcha com tempo (antes durante e depois); ou seja, uma ação política que responsabiliza todos, cada um com a sua missão, articuladamente, ainda que em conflito e discórdia de posições.

Aquilo para onde se está a caminhar é para o que tem mesmo de ser feito, sob pena de as escolas, como tenho alertado, caminharem em direção a uma irrelevância sociocultural escandalosa: serem um imenso ATL onde se parqueiam os jovens, obrigatoriamente, à falta de melhor modo de vida. O que se está a tentar fazer, cada vez em maior escala, é desfazer as lógicas dominantes desde do séc. XVIII, a saber, a rigidez dos tempos, dos grupos e dos saberes; o que implica acabar com os grupos-turma rígidos, os tempos escolares uniformes e inflexíveis e os saberes administrados em prateleiras estanques, as disciplinas. É apenas isto. E isto é muito, imenso. Demorará muito tempo até que este processo mude com alguma serenidade em todo o lado, nomeadamente em Portugal. Mas à medida que se vê o caminho, é mais fácil caminhar, até para os medrosos.

Profforma – Se, por uma volta do destino, se tornasse Ministro da Educação, quais as três medidas mais urgentes que adotaria?

Não se colocará tal cenário, o destino não vai por aí. A questão subentende um paradigma de ação política que eu não perfilho. O que é preciso é acreditarmos em nós e em redes de colaboração entre nós, entre escolas, professores, projetos. Isso é que nos pode salvar. Isto de acreditarmos em “salvadores” externos também tem de acabar. Serve sobretudo para adiramos, para não fazermos o que temos de fazer. A pergunta certa é: quais são as três medidas que vamos tomar na nossa escola para melhorarmos as aprendizagens de todos os alunos, dos “atrasados” e dos “adiantados”? Como vamos avaliar esses processos? Como vamos melhorar o que correu menos bem? Acredito que é aqui que está aquilo que de mais importante temos de fazer, sem heroicidade, com humildade, muito trabalho, cooperação e persistência.

Deixem os Ministros sucederem-se em paz...daí eu não espero grande coisa, pois os programas de governo dos partidos, no geral, não apontam para nada de essencial quanto ao que precisamos mesmo de fazer nas escolas. O medo impera e o estudo dos problemas sociais não é o prato forte da generalidade dos políticos saídos da geração de abril. Outros virão.