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Editorial

Educar Sempre

A Minha Escola

- Crónicas de Aprender -

Velhas Pedagogias

 

Entrevista

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Velhas Pedagogias

Maria Amélia Moreira
 

Fui professora quarenta anos. Comecei no velho Colégio de Santo António, simultaneamente na então Escola Industrial e, finalmente e por mais de trinta anos, no Liceu Nacional de Portalegre. Pelas minhas mãos, acompanhando a literatura portuguesa, passaram muitas gerações e, quando me pediram que contasse um episódio, surgiram-me vários… Resolvi, então, contar algo que, por se relacionar com o Dr. Reis Pereira, o escritor José Régio, penso que poderá ter interesse para quem me ler.

Fui aluna, e mais tarde colega, do Dr. Reis Pereira. Como aluna, sempre tive imenso respeito (algum medo também) do professor sério, reservado e sábio, que era o dr. Reis Pereira. Quando ele abria a caderneta e me calhava ser chamada, uma prática que já desapareceu, eu tremia. O dr. Reis Pereira raramente se levantava durante as aulas. Sentava-se atrás da secretária, abria a selecta, o manual, e a aula seguia com a leitura e interpretação do texto. Na época, a única motivação para os alunos aprenderem era a obrigação de o fazerem, e as metodologias assentavam, quase sempre, na exposição da matéria, no estudo e na avaliação. Não sei se os alunos aprendiam melhor, mas acho que aprendiam mais (desculpem-me os teóricos da educação). Mas não foi uma reflexão sobre didática que me solicitaram, e, antes que me acusem de senilidade, vou já voltar à minha historieta.

 Um dia, teria eu os meus 14 anos, um colega escreveu-me um bilhete amoroso e, azar!, o dr. Reis Pereira apanhou o papelinho. Guardou-o e nada disse. Na aula seguinte , estávamos a ler a peça de Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, chamou-me a mim e ao meu infeliz apaixonado e, no estrado, pôs-nos a ler: - Eu era a Maria e ele, o ousado rapaz, agora mais enfiado que nunca, era o Frei Jorge. O diálogo, a certa altura, obrigava o Frei Jorge a dizer “Tontinha!” e, perante uma leitura hesitante e engasgada, o professor Reis Pereira ria tanto que se pôs vermelho e a tossir. O estudo da obra acabou, o rapaz fez a sua vida, eu também e, anos mais tarde, como colega já do dr. Reis Pereira, sentada ao lado dele junto à lareira que havia na sala de professores do velho Liceu, perguntei-lhe porque me fizera passar por aquela maldade. Bem lembrado do episódio, explicou que hesitara entre contar ao meu pai o sucedido (o meu pai era também professor no liceu…) ou fazer o rapaz perceber que não devia nunca mais arriscar-se a distrair-se na aula sob pena de sofrer forte humilhação. Eu, disse-me ele, fui apanhada na volta porque, muitas vezes “a vida apanha-nos e temos de saber fazer-lhe frente!”.

Talvez, nos dias de hoje, na escola que se diz tão moderna, uma atitude de um professor como esta fosse mal aceite e condenada. A mim, sinceramente, não me deixou traumatizada, nem me fez deixar de gostar da disciplina de português…