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Editorial

Educar Sempre

A Minha Escola

- XI Cong. Nac. CFAE -

XI Congresso CFAEs

A Formação dos Técnicos

Papéis dos CFAEs

Tensões e Oportunidades

Conclusões

Comentários

Congresso em fotos

 

Crónicas de Aprender

Entrevista

 

Cartoon


 

 

A formação contínua dos profissionais de ensino: Tensões e oportunidades

José Diogo
...

Excelentíssima Drª Ana Costa, Excelentíssimo Prof. Júan António Rodrigues, Excelentíssimos Diretores de CFAE, srs. professores, muito bom dia. Queria começar por agradecer o convite que me foi endereçado para participar neste congresso na pessoa do dr. Francisco Simão, bem como o magnífico acolhimento de que fui objecto e ainda a excelência da organização que temos tido oportunidade de vivenciar.

Antes de iniciar a intervenção propriamente dita quero fazer uma nota prévia constituída por quatro pontos:

  1. Faço esta comunicação a título pessoal e não na condição de adjunto do gabinete do Sr. SEEAE. Deste modo, as opiniões que aqui expressarei apenas me vinculam individualmente enquanto profissional da educação e do ensino e não representam qualquer tipo de posicionamento institucional;

  2. A intervenção não tem preocupações de exaustividade na abordagem da problemática e visa sobretudo analisar situações, levantar problemas e estimular o debate;

  3. Deixei a teoria, as citações as referências a obras e a autores para segundo plano e focalize-me na experiência, no conhecimento prático e na interpretação da realidade vista com o auxílio destas lentes que me ajudam a ver e que, porventura, também a podem distorcer;

  4. O discurso crítico que por vezes adopto, tem finalidades estritamente didáticas e mais não visa do que evidenciar alguns problemas decorrentes da formação contínua. Acredito que a crítica e o conflito são condições indispensáveis à mudança, à criatividade, à melhoria e à construção positiva de novos caminhos. Peço portanto compreensão para os exageros e as pequenas provocações que vos lançarei, que têm finalidades exclusivamente didáticas e visam facilitar a comunicação e a compreensão dos problemas.

Introdução

A presente intervenção pretende refletir, sem qualquer preocupação de exaustividade, sobre algumas tensões que o sistema de formação contínua (FC) dos profissionais de educação tem vivido, e através da sua análise e problematização contribuir para transformar as tensões em oportunidades, apontando algumas linhas e perspetivas do caminho a trilhar no futuro. Um caminho que se pretende de maior qualidade, eficiência e eficácia, mas também de maior sentido e adequação para as escolas e para os seus profissionais de modo a (trans)formar, para melhor, o ensino e o serviço público de educação em Portugal.

1. Tensão entre a "engenharia" e o "artesanato"

Esta tensão é do foro das concepções de formação e coloca em diálogo a metáfora industrial e a engenharia que lhe está associada e a metáfora do artesanato. A primeira corresponde a um paradigma que encara a formação associada a planos de iniciativa central, como lógica industrial taylorista assente na replicação normalizada, compreensível quando se pretendem imprimir novas dinâmicas ou quando a eficácia da ação passada é tida como insuficiente, mas questionável quando asfixia pelo consumo da totalidade dos recursos financeiros disponíveis.

Por outro lado, falar de artesanato é falar mais de pessoas do que de objetos, na medida em que o produto resultante do trabalho artesanal é um produto "com alma", onde estão presentes o saber, a arte, a criatividade e a habilidade. Não associo naturalmente o artesanato à rudeza dos processos e das produções, mas antes à relação do artesão com o meio onde vive e com a sua cultura, com a produção de peças criativas e úteis, por vezes únicas em que o artesão concebe e realiza as diferentes etapas da produção, desde a preparação da matéria-prima até o acabamento final e em que a qualidade é mais relevante do que a quantidade.

De facto, a imaginação, sendo o primeiro passo da criação (e o artesanato é sintoma disso mesmo), representa, também a materialização das ideias num contexto cultural específico e este é, em grande medida, o grande desafio que a FC têm entre mãos: encontrar respostas contextualizadas e adequadas (no plano dos agentes, das modalidades, dos conteúdos e das metodologias de formação) às realidades em que se inscrevem, respostas criativas, inovadoras e sobretudo úteis, no sentido do aperfeiçoamento e da melhoria dos profissionais e das organizações em que estes se inscrevem.

Entre nós a FC surgiu desde os primeiros momentos associada à emergência do discurso investigativo e educativo centrado na escola entendida como organização ou estabelecimento, mas tenho ideia que até ao momento esta visão nunca terá sido concretizada no terreno com a eficácia necessária por razões diversas e sistémicas. Por outro lado, sabemos que a melhoria da escola não se faz apenas pelo aumento da qualificação dos profissionais em áreas centralmente definidas.

Neste quadro, quero crer que de modo mais consistente do que a engenharia, o artesanato formativo abre caminhos à compatibilização contextualizada dos interesses individuais e coletivos, serve o "eu" mas também o "nós" na escola x ou na escola y, conferindo à formação maior significância e eficácia. Sem excluir outras, a metáfora do artesanato parece assim, servir os profissionais e o desenvolvimento organizacional e, em consequência, a melhoria do sistema e a tarefa maior de servir o bem comum.

2. Tensão entre a gestão e a liderança

Esta tensão constitui uma tensão clássica em qualquer sistema organizacional e, em meu entender, assume um papel nuclear na compreensão da situação vivida na FC.

É já clássica a frase de Bennis e Nanus. «Managers are people who do things right and leaders are people who do the right thing» (Bennis e Nanuus, 1985: 21). Este dualismo teórico constitui em meu entender uma chave poderosa para compreender muitos dos problemas vividos no sistema educativo, nas escolas e também nos CFAE (Diretores e Comissões Pedagógicas incluídas).

Kets de Vries (2001)1 proporciona uma síntese heuristicamente significativa que esclarece as principais diferenças entre aqueles dois papéis:

 

Gestores

Líderes

  • Interessam-se pelo presente

  • Preferem a estabilidade

  • Atuam no curto prazo

  • Preferem a execução

  • Tratam do “como”

  • Tendem para o controlo

  • Apreciam a complexidade

  • Prezam a lógica

  • Preocupam-se com a organização

  • Interessam-se pelo futuro

  • Respiram a mudança

  • Pensam no longo prazo

  • São cativados por uma visão

  • Tratam do “porquê”

  • Sabem como "empoderar" os seguidores

  • Sabem como simplificar

  • Confiam na intuição

  • Têm uma perspectiva societal alargada

 

Os gestores são assim, por natureza, mais conservadores, reagindo e adaptando-se aos factos, enquanto os líderes são mais criativos, têm estilos mais imprevisíveis e são mais intuitivos do que racionais. Mais do que a adaptação os líderes privilegiam a transformação.

Entre as conclusões do estudo recente de avaliação da FC efectuado pelo CCPFC destaco esta: «são os centros já mais fortes (…) que resistem melhor. Nos outros percebe-se desistência e desencanto progressivos, de que a própria forma de relatar, descrever e se estudar são o espelho» (Lopes, A. et al, 2011: 163)2. A este respeito interrogo: e o que são centros fortes? Qual o porquê da desistência e desencanto noutros? Vejo aqui sinais do dualismo teórico de que estamos a falar.

Por outro lado, o mesmo estudo conclui sob um título que imputo de inspirado «a vida das escolas como um não lugar», pode ler-se «elas [as escolas] são o grande ausente deste enredo (…) as escolas (a comissão pedagógica) não tem assegurado a sua participação na definição das necessidades e desejos da formação (…) o papel das escolas tornou-se mais administrativo do que projetual» (Lopes, A. et al, 2011: 166)

Esta conclusão, confere cobertura científica a um refrão conhecido de todos: o insipiente envolvimento das escolas e dos seus diretores nas políticas de formação dos seus profissionais. Mas ao contrário do que se afirma no trabalho, penso que aqui tem residido a componente fundamental do problema, sendo este um objetivo primeiro e não secundário do sistema.

O que se exige é uma mudança de mentalidades profunda de modo a que as comissões pedagógicas dos CFAE convertam a lógica administrativa tradicionalmente assumida, numa lógica de projeto em torno de prioridades plurianuais intencionais, contextualizadas e adequadas às necessidades.

Os CFAE e as escolas «precisam de ser incitadas a mudar e apoiadas na mudança em função de referenciais de qualidade» (Lopes, A. et al, 2011: 162) e a FC dos profissionais de educação é uma condição indispensável para o conseguir.

Neste quadro, tanto como uma gestão competente na planificação e gestão da formação e do orçamento, de organização e distribuição dos formadores, de resolução dos problemas quotidianos, de controlo, precisam-se de lideranças nos CFAE e nas Comissões Pedagógicas que se focalizem na produção das mudanças necessárias através da construção de uma visão e de uma estratégia coerente para a concretizar, do alinhamento das pessoas, na comunicação, na motivação e na inspiração dos atores, e esta não é mais do que a via central entre a gestão e a liderança. A capacidade de suscitar o entusiasmo em torno de projetos credíveis e consistentes é um traço distintivo das lideranças fortes. Esse é o desafio que todos temos pela frente.

3. Tensão entre a necessidade e o sentido

Esta tensão coloca-se no plano do indivíduo e do profissional que é também destinatário da formação contínua, e com a forma como estes, tantas vezes, a encaram. Isto é, reporta-se à necessidade da formação, enquanto condição de progressão na carreira e avaliação do desempenho docente, e o sentido profissional de desenvolvimento ao longo da vida, inerente ao trabalho docente enquanto profissional do ensino (ou se quisermos do desenvolvimento humano, para utilizar as palavras do professor João Formosinho).

Por outro lado, mais do que um direito ou uma obrigação, a formação e o desenvolvimento que lhe está associado é um dever resultante do compromisso ético que o decente tem, não apenas para consigo próprio, mas sobretudo para com os seus alunos, a sua escola e a sociedade em geral. Por isso, exige-se-lhe uma atitude proactiva e orientada para o desenvolvimento profissional e a melhoria da qualidade dos seus desempenhos.

Neste cenário, a formação contínua, entendida como o aperfeiçoamento continuado dos saberes e competências profissionais no plano teórico, prático, relacional, corresponde a um elemento estrutural da carta deontológica do docente em qualquer lugar e em qualquer momento. Mais do que uma obrigação emanada por decreto, a formação contínua é antes de mais um dever a que nenhum profissional estará em condições de se furtar ou de subvalorizar. O superior interesse dos seus alunos e a "carta deontológica" da profissão assim o determinam.

Apesar dos discursos teóricos e da investigação sobre a eficácia, a qualidade, a melhoria e a excelência das organizações atribuírem à formação um lugar de pódio a frequência da formação contínua, sendo uma necessidade, cuja decisão tem cabido quase exclusivamente ao indivíduo, desenvolve-se frequentemente em torno de uma visão utilitarista: «eu frequento a formação que mais e melhor me convêm, tendo em vista a concretização dos meus objetivos de progressão e de avaliação de desempenho, tantas vezes aquela que pode garantir a melhor avaliação possível». Esta visão utilitarista da formação se do ponto de vista da salvaguarda dos interesses individuais imediatos pode ser compreensível, sem deixar de ser criticável, dos pontos de vista profissional e organizacional é ainda mais discutível.

O docente é antes de mais um profissional e por isso a sua ação é indissociável da organização/escola em que presta serviço.

A busca do sentido individual da formação, não é pois dissociável do sentido profissional e as prioridades da organização não poderão ser ignoradas ou secundarizadas no momento da escolha. A formação contínua enquanto processo de desenvolvimento ao longo da vida não admite pois divórcios entre o sentido individual e o compromisso organizacional: a opção individual é também e por inerência profissional e, por isso, indissociavelmente organizacional.

4. Tensão entre o "cardápio" e o plano

Esta tensão, decorre da anterior e reporta-se à forma como tantas vezes se inventariam necessidades e se estrutura a oferta formativa e, é também, uma tensão entre a quantidade e a qualidade dessa mesma oferta. Por outras palavras, prende-se com a dicotomia entre os "menus à la carte" e os cardápios questionáveis na pertinência e adequação às realidades concretas das escolas e dos seus docentes e o plano de ação assente em prioridades faseadas em torno de projetos consistentes.

Mais do que listas de ações importa produzir planos de formação contextualizados e adequados, nas modalidades de formação e nos conteúdos, à situação concreta das escolas e dos seus profissionais. Mais do que garantir oferta formativa, desproporcionada face à procura e às realidades concretas das escolas, importa responder por encomenda e, neste domínio, urge reconfigurar os papéis das comissões pedagógicas, que em articulação com o diretor do CFAE terão necessariamente de assumir um papel mais envolvido e proactivo na inventariação das necessidades, no estabelecimento de prioridades, na avaliação dos resultados e, naturalmente, na promoção das regulações necessárias à melhoria, tendo em vista encontrar respostas de qualidade aos problemas vividos.

Não parece sustentável que a oferta formativa possa insistir na velha receita de «um vaivém entre as exigências do sistema e as vontades dos professores» (Lopes, A. et al, 2011: 167). A qualidade e adequação dos planos de formação e da oferta formativa possível é um dos elementos mais estruturantes nas respostas que não fomos ainda capazes de concretizar cabalmente e, importa aqui salientar que esse é também um problema que não depende de terceiros, mas dos atores envolvidos no quadro de cada CFAE ou das suas respetivas redes regionais. Neste quadro, e independentemente dos programas de formação de iniciativa central, o desafio que enfrentamos é o de melhorar a adequação e a qualidade dos planos de formação e redirecionar a formação através da clarificação das prioridades efetivas de cada escola e dos seus profissionais, em articulação com os respetivos Projetos Educativos e na refocalização da oferta formativa no "sistema nervoso central" das escolas: i) os problemas do ensino e da sala de aula, mas também ii) da cultura organizacional e iii) da liderança, gestão e administração escolar.

5. A tenção entre a "cursite" e a investigação

Esta tensão relaciona-se com as práticas instituídas no domínio das modalidades de formação e com as transformações necessárias neste domínio.

Como é do conhecimento geral o RJFC contempla oito modalidades de formação (cursos, módulos, seminários, oficinas de formação, estágios, projetos, círculos de estudos e disciplinas singulares em instituições de ensino superior), mas na realidade, a cultura instituída tem ido pouco além da "cursite" e mais recentemente na "oficinite aguda" (com o natural respeito que ambas as modalidades me oferecem).

Esta situação começou com pequenos sintomas e evoluiu em doença crónica, manifesta na predominância esmagadora de cursos e oficinas na oferta formativa e no consequente apagamento das restantes modalidades de formação que têm vindo a definhar na agonia típica de uma morte anunciada.

Esta situação parece encontrar compreensão na dialética entre a oferta e a procura da formação, traduzida por uma visão instrumental e utilitarista de matriz cognitiva orientada para a satisfação pontual, ora das necessidades do sistema, ora das necessidades de progressão na carreira dos profissionais e que, por essas razões, se apresentam insuficientemente ancoradas nas realidades concretas das escolas e nas suas dinâmicas de melhoria.

A "cursite aguda" a que assistimos em matéria de FC ilustra, com alguma clareza a fragilidade do que designaria por uma concepção investigativa da formação centrada na reflexividade prática sobre os contextos de trabalho, os processos e as tecnologias utilizadas e a mudanças indispensáveis para que a melhoria aconteça e, ao mesmo tempo, coloca interrogações sobre o real conteúdo do discurso de sacralização do trabalho colaborativo nas escolas.

A talho de foice, importa aqui salientar que as opções por metodologias de e.learning ou b.learning que agora se começam a difundir não passarão de mera cosmética formativa se, a troco de uma alegada modernidade tecnológica, mais não fizerem que reproduzirem lógicas e metodologias que vêm do passado. Não basta portanto travestir a formação com roupagem tecnológica para que a sua eficácia melhore.

Em síntese, esta tensão coloca em confronto uma visão instrumental da formação, que em determinadas situações é necessária, e uma visão investigativa e orientada para a acção da formação centrada na colaboração entre os profissionais, bem como nas escolas e nos contextos locais e orientada para a melhoria sustentada. A concretização deste último desiderato exige mais do que uma operação de cosmética e requer de todos uma transformação de concepções, de procedimentos e do peso relativos das diferentes modalidades e metodologias de formação. Urge uma verdadeira (trans)formação nas concepções que enquadram a FC, bem como das suas modalidades e metodologias privilegiadas. Sem prejuízo de outras que possam vir a ser consideradas no futuro, privilegiar mais as modalidades de projeto, círculo de estudos e estágio e em torno de problemas concretos é uma condição indissociável desta mudança orientada para ação real, numa lógica de melhoria sustentada.

6. A tensão entre a abundância e a penúria

Esta tensão decorre dos contextos passado e futuro em que a FC dos profissionais de ensino se tem movimentado, designadamente no que se refere às modalidades de financiamento que lhe asseguram os recursos e lhe garantem a sobrevivência.

A um passado relativamente farto por via dos financiamentos europeus decorrentes das políticas de convergência associadas primeiramente ao PRODEP I, II e III3 e, posteriormente, a partir de 2007, ao POPH4 no âmbito do QREN5, quer por via de candidatura direta dos CFAE, quer por via da replicação de planos de formação contínua de iniciativa central, sucede-se um estado de penúria que limita e dificulta a ação.

Não obstante a abundância relativa, a eficácia da formação nem sempre foi conseguida e os resultados obtidos parecem ficar aquém das expectativas e dos recursos consumidos. No entanto, se a sabedoria popular tiver razão quando afirma que «a necessidade aguça o engenho», então o estado de penúria em que nos encontramos pode constituir-se em elemento de criatividade e de maior eficácia e eficiência.

De facto, não estamos mais em condições de insistirmos em alguns erros cometidos no passado e com os quais se tem vindo a aprender e a evoluir. Hoje, e daqui para a frente, não bastará fazer as coisas bem, importa sobretudo passar a afazer as coisas certas, como anteriormente referi.

A clivagem entre a fartura e a penúria é inegavelmente dolorosa, mas não inultrapassável e pode até ser regeneradora.

E regeneradora porque a manutenção de uma oferta formativa eficaz exige compromisso, inteligência, criatividade e inovação na abordagem dos problemas e das soluções, na gestão dos recursos materiais e humanos disponíveis, na rentabilização de infraestruturas, no aprofundamento de parcerias e redes qualificantes com as mais variadas instituições, escolas, municípios, empresas, etc.

O desafio que se coloca nesta matéria é o de, a par das mudanças legislativas que se exigem, , é o de estudar as oportunidades, gerar recursos e saber geri-los bem com mais eficiência e eficácia.

E é aqui que este raciocínio entronca com a tensão seguinte.

7. Tensão entre a rotina e a inovação (genérica e integradora das restantes)

Esta tensão representa muito a tensão entre o que tem sido um passado (de rotinas) e o futuro (que exige inovação e desenvolvimento). Isto é, a tensão entre as práticas instituídas e o desafio dos novos caminhos que se colocam à FC e de que a designação escolhida para este seminário constitui um exemplo eloquente

Tendo consciência de que desde sempre houve exemplos de boas práticas e dinâmicas de inovação e qualidade substantivas, e de que a tradição nada de mal transporta consigo, mas representa uma herança cultural nem sempre fácil de ultrapassar, refiro-me aqui a alguns dos vícios/problemas que todos sabemos existir e que, em meu entender, constituíram constrangimentos importantes no sistema de FC.

Sem a pretensão de exaustividade cito i) a interiorização de um certo modelo de repartição associada à dependência normativa do centro e à dependência exclusiva dos financiamentos externos; ii) a reprodução de lógicas de trabalho e funcionamento orientadas para a sobrevivência dos CFAES e dos seus diretores; iii) a alimentação de equipas de formadores e muitas vezes de "turbo-formadores"6 consumidores dos fundos do PRODEP ou do QREN e "paus para toda a obra", especialistas nas mais diversas áreas da educação, da pedagogia, da didática, das novas tecnologias, etc.; iv) o isolamento e o fechamento sobre si , não obstante os discursos recorrentes e as retóricas assentes em redes de trabalho comunicante, em parcerias várias; v) os "menus a la carte" somatório de ações mais do que elenco de prioridades; vi) as estatísticas de concretização e taxas de cobertura meramente descritivas e muito pouco autoavaliativas e reflexivas; vii) o preenchimento dos formulários de avaliação das ações inconsequentes e a fragilidade da cultura de avaliação interna reguladora e indutora de melhoria; viii) o desperdício de recursos com ações de conteúdo e eficácia questionável; ix) o subaproveitamento dos recursos tecnológicos e das instalações tantas vezes guardados em salas de pouco uso; x) A preocupação em assegurar o funcionamento (já temos 15 inscrições?); xi) na reprodução continuada de determinado tipo de práticas, e outros exemplos se poderiam ainda aqui citar.

Por outro lado, o futuro terá de ser diferente. O futuro não terá futuro se não for marcado pela reflexividade, pela criatividade, pela inovação e pelo desenvolvimento na: i) liderança transformadora, assente numa visão clara de futuro concretizada em missão agregadora de sinergias várias, ii) construção de planos de formação ao serviço de políticas de intencionalidade e de projetos formativos credíveis e reconhecidos, iii) clarificação e divulgação das prioridades, iv) construção de redes (inter e intra) qualificantes e comunicantes de formação de que os CFAEs são peças nucleares, v) produção e divulgação de recursos educativos, vi) estabelecimento de parcerias com diferentes entidades e designadamente com instituições de ensino superior e universidades, vii) diversificação e inovação nas modalidades de formação e nos públicos alvo, viii) adopção de bons exemplos e práticas, ix) pro-atividade junto da direção das escolas, mas também do MEC readquirindo estatuto e credibilidade, enfim da x) cooptação de parcerias locais com diferentes instituições, xi) assunção do papel dos CFAES como um elemento significante na qualificação dos profissionais de ensino, na melhorias das escolas, mas também no desenvolvimento local, nos planos técnico, científico e cultural.

Conclusão

Em termos de conclusão diria que mais do que acentuar os dualismos (a que chamei tensões) de que temos vindo a falar, parte da solução e das alternativas passará por encontrar um rumo entre dois, uma espécie de via central que, sem rupturas, assegure os compromissos necessários e as alternativas desejáveis e possíveis.

Estou também convicto que a superação de todas estas tensões, pode ser facilitada pelo quadro de crise em que nos encontramos.

De facto, se, as crises, por um lado, podem colocar em perigo a existência do que por elas é afetado, por outro lado, as recomposições necessárias para as superar permitem superar muitos dos comportamentos nocivos e incorporar inovações redentoras e emancipadoras: a crise é também um tempo de decisão em que os sistemas optam entre reconstituir-se ou declinar. Neste quadro, cumpre-nos fazer da crise uma oportunidade, já que na crise ocorrem mudanças que são também oportunidades para quem estiver preparado para elas.

A oportunidade que vos proponho é pois a de nos envolvermos todos numa verdadeira, exigente e competente FC centrada na escola e nas práticas profissionais, mas agora ao serviço de prioridades localmente contextualizadas, partilhadas e assumidas, sem as quais te torna vã a invocação teórica, e tão frequentemente enunciada, do paradigma ecológico na formação contínua dos profissionais do ensino.

Para ilustrar este meu ponto de vista, não resisto a concluir esta minha intervenção citando um pequeno texto de Albert Einstein a propósito da crise:

«Não pretendemos que as coisas mudem, se fazemos sempre o mesmo.

(…) Quem atribui à crise os seus fracassos e penúrias, violenta o seu próprio talento e respeita mais aos problemas do que às soluções.

A verdadeira crise, é a crise da incompetência.

O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. (...)

Trabalhemos [pois] duro. "Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la».

Albert Einstein

 

Muito obrigado a todos

 

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 1 Kets de Vries, M. (2001) The leadership mystique: A user’s manual for the human enterprise. London: Prentice-Hall.

2 Lopes, A. et al (2011) Formação Contínua de Professores (1992-2007): Contributos de Investigação para uma Apreciação Retrospectiva, Porto, Livpsic/CCPFC.

3 Programa Operacional da Educação que mobilizou generosos fundos oriundos dos Fundos Estruturais do FEDER (Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional) e do FSE (Fundo Social Europeu).

4 Programa Operacional de Potencial Humano.

5 Quadro de Referência Estratégico Nacional.

6 Veja-se as conclusões do estudo de avaliação da FC: «a relações dos formadores com os CFAE não se estabeleceu em função dos projetos de formação desses mesmos CFAE, ou emergentes do Projeto Educativo dos Agrupamento de Escolas que a eles se associam» (Lopes et al, 2011: 169).