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Editorial

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Separatismo Soc. e Ideológico

 

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Separatismo Social e Ideológico nas Sociedades Europeias

José Barreiros
Agrupamento de Escolas do Bonfim

“Na natureza não existem

recompensas nem castigos.

Existem consequências.”                     

                          Robert Green Ingersoll

“Le déséquilibre entre les riches et

les pauvres est la plus ancienne et la

plus fatale des maladies des républiques.”

                                                 Plutarque

 Claude Vignon, Crésus, 1629, Musée des Beaux-Arts de Tours.

Creso, rei da Lídia, um país de cultura grega na Anatólia, era muito rico. Apesar dessa riqueza extremada, praticava uma política muito agressiva para com os seus súbitos no âmbito dos impostos.

Um dia Creso, ao receber o filósofo Sólon, mostra-lhe a sua enorme riqueza em ouro. Perante isto, Sólon exclama de modo sibilino: “Nunca alguém se poderá considerar feliz antes de ter morrido!”

 Posteriormente, Ciro, o rei da Pérsia, derrota-o e aprisiona-o.

Este episódio histórico, mostra que o poder é passageiro, como se fosse o vento que passa pelas nossas mãos

O principal mérito das democracias ocidentais tem residido na possibilidade de todas as pessoas escolherem os seus representantes, ou seja, o fenómeno democrático pressupõe que os cidadãos, após um evento eleitoral, deleguem a soberania durante um espaço de tempo limitado e fixo nos candidatos eleitos.

Teoricamente, os eleitores devem escolher os melhores representantes para que a justiça, a liberdade, a cultura e o progresso social sejam realidades concretas da civilização ocidental e, numa dimensão intemporal, se tornem as verdadeiras âncoras dos valores europeus. Contudo, o quotidiano social, frequente e teimosamente, insiste em mostrar o resultado disfórico e sombrio das opções ideológicas saídas da maioria das eleições.

Sabemos que a Constituição da IIIª República Portuguesa, nascida com a revolução dos cravos, defende que a soberania nacional pertence ao povo. Este princípio assertivo, assente num imperativo categórico, deveria favorecer a harmonia social vigente em Portugal, já que o povo, ao votar, defenderia os seus legítimos interesses com grande eficácia, utilizando o voto, o qual, numa ação consciente e bem ponderada, seria um valioso instrumento na construção de uma sociedade solidária, igualitária e democrática.

Graças à revolução dos cravos, elaborou-se uma nova Constituição para legitimar a IIIª República Portuguesa e, deste modo, impor um novo paradigma – o estado social

Infelizmente, os factos são teimosos, mostrando que o povo – isto é, a maioria da população – é falível na interpretação das propostas que lhe são apresentadas durante o período eleitoral: frequentemente, engana-se – e engana-se mesmo muitas vezes! – na escolha dos seus representantes, delegando o poder numa aristocracia eletiva, a qual, como é visível, mantém relações privilegiadas com a elite económica ou financeira. Esta realidade concreta impõe respostas objetivas às seguintes questões: O que leva os que não são ricos, de modo recorrente, a votarem contra as políticas que lhes são favoráveis? Por que razão os ricos, cujo número corresponde aproximadamente a 10% da população, votam sempre a favor dos seus interesses pessoais?

Ao longo dos tempos, os movimentos excessivamente populistas ou nacionalistas necessitam de construir um inimigo - o outro, isto é, o estrangeiro, o viajante, o judeu, o qual se torna o alvo de perseguição

É verdade que qualquer aposta errada, numa democracia representativa, poderá ser corrigida através da mudança tendencial do voto, já que, terminado o mandato dos eleitos, o poder regressa ao povo, ou seja, aos eleitores / cidadãos, os quais, ao terem a possibilidade de julgar os efeitos das políticas seguidas, optam pela continuidade ou mudança, escolhendo os candidatos a um mandato político, cujas propostas sejam as mais credíveis. É esta possibilidade de decisão popular que reforça a coesão democrática das sociedades plurais, abertas e tolerantes, alimentando, deste modo, o ideal republicano. Este, repleto de preceitos humanistas, possibilita alternâncias ou reformas políticas, afastando-se definitivamente as inconveniências das grandes rupturas sociais, incluindo as mortíferas guerras civis.

Quando as expetativas da maioria dos indivíduos são ignoradas por políticas aprisionadas por um neoliberalismo extremado no plano económico, financeiro e cultural, há o perigo de nascerem pulsações autoritárias, ressuscitando-se o passado – os fantasmas das ditaduras do século XX – através de discursos populistas e nacionalistas, os quais, na perspetiva de Umberto Eco, precisam urgentemente de encontrar ou de construir um inimigo – o outro, seja real ou fictício. Aliás, esta atitude é comum à radicalidade da esquerda e da direita. Neste contexto político, uma classe média, que seja forte e consciente da sua força, assegura a predominância dos valores cívicos numa perspetiva de paz social, impedindo que os movimentos radicais sejam poderosos e capazes de mudarem o regime político através de uma revolução ou de uma guerra civil.

Júpiter disfarçado de touro rapta a Princesa Europa, levando-a para Creta

Nas recentes eleições europeias, foi notório e preocupante o sucesso eleitoral de movimentos radicais, cuja matriz está dominada por um pensamento único e totalitário. O caso mais evidente e surpreendente aconteceu em França. O sucesso eleitoral do partido político Front National de Marine Le Pen, foi sentido como uma catástrofe pelos muitos amantes da liberdade. Infelizmente, Marine Le Pen, nesta vitória, teve aliados objetivos situados à esquerda e à direita. Em França, tal como tem acontecido em Portugal, a esquerda do arco do poder, ao centrar demasiado o seu discurso na defesa das minorias, dos emigrantes e da cultura, esqueceu-se das principais preocupações do seu eleitorado – as condições de trabalho, o desemprego, a regressão das liberdades e repressão salarial – e, amargamente, viu os votos dos seus simpatizantes a serem entregues à FN. A direita, representada pelo UMP, ao ter um discurso neoliberal, transatlântico e descontextualizado, ofereceu involuntariamente votos à FN.

Ao longo de vários eventos históricos, a Europa mostra-nos que os momentos de paz social podem ser substituídos por tempos catastróficos, isto é, a seguir a uma tempestade surge a bonança. Nesta senda reflexiva, a mitologia recorda-nos o famoso rapto da Europa por Júpiter/Zeus, ajudando-nos a compreender que o território europeu nos remete para os seguintes paradigmas: conquista, violência, paixão numa atmosfera transgressiva e arrebatadora; o plano divino que se funde com a dimensão humana. Assim, a violência, numa dimensão histórica europeia, surge geralmente associada às guerras militares ou crises, provocando mudanças de regimes políticos e, por vezes, o aparecimento de novos paradigmas culturais.

Le Rêve, Éduard Detaille, 1888, Musée d’Orsay de Paris.

Os jovens soldados franceses, no tempo do imperador Napoleão III, sonhando com a vitória. Infelizmente, o exército prussiano, mais tarde, humilhará a França, conquistando Paris.

 

Quando um regime político se mostra incapaz de responder rapidamente aos anseios da população num ambiente de crise, isola-se, perde apoios e morre, sendo rapidamente substituído por outras propostas ideológicas. Este tipo de evento ocorreu várias vezes em França, sendo de destacar o ano de 1870, ou seja, a derrota do exército francês pelas forças prussianas/alemães, implicando o fim da IIIª República francesa e a destituição de Napoleão III e, por isso, o nascimento da IVª República francesa.

Igualmente, em Portugal surgiram crises que se traduziram em rupturas ideológicas e, em consequência, a implantação de novas políticas: a cinco de outubro de 1910, a monarquia é substituída pela Iª República; mais tarde, esta esgotou-se, quando Salazar, a 19 de março 1933, institui o Estado Novo através de um plebiscito, ratificando o nascimento de outra Constituição que sustentará legalmente a IIª República; em seguida, em 25 de Abril de 1974, o movimento das forças armadas, ao impor uma transição democrática que durará dezoito meses, culminando com a feitura de uma nova Constituição em 1976, provocou o nascimento da IIIª República, tendo como referência matricial a criação de estado social.

Estas alterações bruscas e inesperadas dos modelos sociais europeus põem em causa a validade da teoria darwinista que defende a evolução progressiva e natural dos acontecimentos históricos relevantes.

Touro de bronze de Wall Street, símbolo do vigor e robustez da economia americana.

 

Atualmente, tendo em consideração que visão do estado social está enfraquecida ou mesma moribunda pela prepotência neoliberal, é provável que se elabore uma nova Constituição, legitimando os desejos das elites que desejam um Estado enfraquecido, retirando-lhe peso na sociedade e, ao mesmo tempo, deslegitimando qualquer intervenção estatal no mundo financeiro ou económico. Esta filosofia política, se sair totalmente vencedora, implicará a elaboração de outra Constituição da República que fundamente a legalidade de um novo regime político, ou seja, a IVª República, cuja matriz ideológica será necessariamente neoliberal, isto é, neocapitalista.

Será esta mudança má? Pelo contrário, traduzir-se-á numa robustez da sociedade Portuguesa? Para o nosso país, será melhor um estado fraco ou estado forte? Sinceramente, penso que um governo, que tenha maioria absoluta, deverá governar dentro do espírito da lei vigente, respeitando a Constituição da Republicana para que a sua prática política não fique à margem da lei.

Contudo, como sou popperiano, defendo que um governo, com força parlamentar, poderia construir uma nova Constituição da República para expor as suas propostas, materializar as suas ideias e mostrar a eficácia da sua ideologia. Assim, a sociedade, no momento eleitoral, aceitaria ou refutaria a ação governativa. Nesta perspetiva, a refutabilidade ou aceitação deverão ser os principais instrumentos democráticos para validar um governo.