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Verdade??
Maria Luísa
Moreira O dia estava cinzento. Um dia de Verão de Portalegre, com trovoadas anunciadas, as festas de Maio terminadas, um Junho a anunciar o final do ano. Entrei na sala carregando dicionários, era uma turma de 8º ano, decidida a levar os miúdos a descobrir palavras e significados para, depois, lhes darem uso. À entrada, três rapazes discutiam acaloradamente. Pensei que a razão da contenda fosse futebol, para raparigas eram jovens demais, e pedi que se calassem. Um deles, de linha escura no lábio superior, naquele desajeito que acontece quando o corpo cresce mais do que o desejado, pediu a minha opinião: - Diga lá, setôra, o que é que acha? Eu não achava coisa nenhuma, porque nem sabia do que se tratava, e ele explicou: - Foi assim: O H copiou um exercício de matemática por mim. O setôr, agora, diz que fui eu que copiei porque ele tem sempre melhores notas. Não acha que ele devia ir dizer a verdade ao setôr? Obviamente, achava. Achava mesmo que seria bonito que o H dissesse a verdade, que se mostrasse amigo e leal, que fosse corajoso. Dei a minha opinião. O H, sentindo-se apertado, argumentava: - Mas o setôr não vai acreditar, de que serve ficarmos os dois mal vistos? – Perante o pragmatismo que revelava conhecimento social.., hesitei. Já na sala de aula, resolvi provocar o debate discutir, na turma, a situação. Ainda a oralidade não integrava explicitamente o programa de português, andávamos por volta de 1984, e não foi fácil conduzir a discussão. No final, e depois de muitos prós e contras, ficou decidido que o H iria, na companhia da delegada de turma, explicar o sucedido ao professor de matemática. Voltamos aos dicionários, procurámos burla, fraude, honestidade, verdade, coragem cobardia. Escrevemos breves textos e saímos mais calmos, com exceção do H. Não pensei mais no assunto. Na semana seguinte, o H esperou-me à porta da sala dos professores e, vermelho e suado, disse de chofre: - Vê, setôra, eu não lhe dizia? O setôr não nos acreditou e, agora, vai dar negativa aos dois! Fiquei engasgada. Tão engasgada que nem consegui corrigir o “nos acreditou”. Hoje, penso no H. Será que ele voltou a acreditar um dia na vantagem da verdade? Malhas que uma escola tece!
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