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A Formação de Professores e a Integração das TIC no Currículo: com que formadores?* (divulgado no II Congresso Internacional ticEDUCA 2012, que se realizou em Lisboa, de 30 de novembro a 2 de dezembro)

Maria Helena Felizardo e Fernando Albuquerque Costa
Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

Resumo

O ponto de partida para este trabalho foi uma reflexão sobre a formação contínua de professores desenvolvida no âmbito dos Centros de Formação de Associação de Escolas e o papel e a influência dos formadores no desafiante processo de mudança em direção a novas práticas pedagógicas induzidas pela utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Na prática, procurámos dar resposta ao problema de investigação sobre o modo como os formadores contribuem para o objetivo de integração curricular das TIC em Portugal.

Embora os formadores apenas constituam uma das variáveis a ter em conta na complexa teia de fatores que constituem ou influenciam a formação de professores, não deixam de ser uma pedra angular do processo de superação dos bloqueios psicológicos e técnicos que impedem os professores de encarar as TIC como meio de otimizar as aprendizagens dos seus alunos.

Numa perspectiva exploratória e descritiva, auscultámos os formadores através de questionário, com o objetivo de alicerçar e desenvolver uma reflexão sobre o modo como contribuem para a integração curricular das TIC. Neste texto apresentamos apenas os resultados correspondentes à sua caracterização, ou seja, quem é que no nosso país tem assumido a responsabilidade de preparação dos professores nesta área, e que tipo de formação tem sido privilegiado.

Sumariamente, podemos concluir que os formadores têm as condições necessárias para contribuir para o desenvolvimento de competências técnicas dos professores na utilização das TIC, embora não seja claro que contribuam, de igual modo, ao nível da integração pedagógica dessas tecnologias no currículo, nomeadamente devido à especificidade e diversidade de áreas disciplinares dos professores que frequentam a formação.

Palavras-chave: Formação de professores, Formadores, Tecnologias de informação e comunicação, Desenvolvimento profissional de professores, Competências profissionais dos professores.

 

Abstract

The starting point for this work was a reflection on the teacher training developed under the Training Centers Association of Schools, the role and the influence of those trainers in the challenging the process of changing to new didactic and pedagogical practices through the use of ICT. Our practical work was conducted so as to try to find the answer to the research problem on how the in-service teacher training trainers in ICT contribute to the goals of curricular integration of ICT in Portugal.

Bearing in mind that teacher trainers are only one of the variables to take into account in the complex web of factors that constitute or influence teacher continuing professional development, they are still an angular cornerstone in the process of overcoming the technical and psychological barriers that prevent teachers to face the ICT as an effective way to optimize the learning of their students.

Using the perspective of an exploratory and descriptive methodology, we heard the teacher trainer teachers, applying a questionnaire with the objective of developing a reflection on the way they contribute to the ICT curriculum integration. In this article we just present the results that match to their characterization, that is, who in our country has been taking the responsibility for the preparation of teachers in this area, and what kind of teacher training has been privileged.

In short, we can conclude that the teacher trainers have the necessary conditions to contribute to the technical skills development of teachers in ICT use, although it is not clear that they can equally contribute to the level of pedagogical integration of these technologies into the curriculum, namely owing to the specificity and the diversity of the different areas of subjects of the teachers attending the teacher training.

Keywords: Teacher training, teachers’ trainers, Information and communication technologies, teacher continuing professional development, teachers’ professional skills.

1. INTRODUÇÃO

Numa altura em que a perspetiva da formação ao longo da vida é algo incontornável, também a formação contínua dos professores se torna cada vez mais relevante e necessária para que os docentes possam enfrentar os desafios que se colocam à Educação no Século XXI. Se o problema da integração curricular das TIC reside, em parte, nas dificuldades que os docentes apresentam em compreender as potencialidades das novas ferramentas e das formas como estas podem ou devem ser integradas no quotidiano das escolas (Costa, 2004), importa compreender em que medida os formadores desses professores contribuem para a transposição dos obstáculos identificados. Sendo a integração curricular das TIC uma questão complexa, que vai muito para além do acesso e do domínio das tecnologias, muitas questões se levantam sobre aqueles que têm a responsabilidade pela formação dos professores nesse domínio e é precisamente a tentativa de resposta a essas questões que nos levou a realizar o estudo que aqui temos oportunidade de partilhar.

2. SOBRE A FORMAÇÃO DE FORMADORES NA ÁREA DAS TIC

Para além das competências técnicas que lhes permitam utilizar as TIC com confiança, é necessário que os professores adquiram uma atitude favorável e compreendam o potencial e as limitações das TIC para uso pedagógico e didático. De acordo com Peralta & Costa (2007) a competência e a confiança dos professores são, de facto, “fatores decisivos na implementação da inovação nas práticas educativas” (p.78). Confiança entendida não apenas como a perceção da probabilidade de sucesso no uso II Congresso Internacional TIC e Educação das TIC para fins educativos, mas também a perceção de que esse sucesso depende do seu próprio controlo.

Uma das principais barreiras à integração curricular das TIC não se limita, portanto, à dificuldade de apropriação técnica das tecnologias, mas sobretudo à dificuldade em compreender as inúmeras possibilidades de diversificação de estratégias e de soluções sobre o que fazer com as mesmas (Almeida & Valente 2011). Segundo estes autores, existe uma interligação ou dialética entre a competência técnica e a competência pedagógica que crescem em interdependência e em espiral.

Assim sendo, uma gestão cuidada e positiva das tensões e dos conflitos ligados a crenças e valores dos professores é de suprema importância nos processos de mudança, podendo a formação contínua constituir uma poderosa estratégia para “ajudar os professores a lidar com as barreiras de caráter psicológico, que impedem, em muitos casos, a integração efetiva das tecnologias nas suas práticas ou mesmo qualquer outra forma de transformação ou inovação curricular proposta”. (Costa (Coord.), 2008, p.37)

Para além dos saberes científicos, específicos da sua área de conhecimento, os docentes devem possuir uma série de competências didáticas e pedagógicas inerentes à sua função. Fazem parte dessas competências as habilidades que lhes permitam explorar as oportunidades facultadas pelas novas tecnologias, fazendo a apropriação das mesmas, para poderem explorar as suas potencialidades como recursos para novas abordagens metodológicas, de forma a promover uma aprendizagem individualizada e a autonomia do aluno na construção do conhecimento (Simão et al., 2009).

Na verdade, “As tecnologias mudam o trabalho, a comunicação, a vida cotidiana e mesmo o pensamento” (Perrenoud, 1999, p.5), o que exige uma renovação da escola e da formação dos profissionais. Neste contexto, em que medida a formação contínua contribui para o desenvolvimento das competências profissionais dos professores e formadores? Que competências podem ser construídas na formação contínua? Que princípios e condições favorecem o desenvolvimento dessas competências?

Perrenoud (1999) entende como orientações prioritárias da formação de professores a participação crítica e a prática reflexiva firmada em novas competências profissionais “ligadas à transformação do ofício de professor” (p.9). Considera ainda este autor que II Congresso Internacional TIC e Educação a prática reflexiva deve ser permanente, incidir sobre as práticas de forma metódica e, citando Gather Thurler (1996), apoiada em conversas informais e em momentos organizados de profissionalização interativa. A prática reflexiva implica saberes metodológicos, teóricos e atitudinais que permitam, em situação de trabalho, a mobilização de competências apoiadas nesses saberes, aliadas à intuição e à improvisação, assim como na própria prática pedagógica.

Relativamente às competências dos professores, parece ser consensual entre vários autores que a prática reflexiva é uma dimensão fundamental da prática docente. O conceito de professor reflexivo gira em torno da prática dos profissionais, valorizando a experiência, a reflexão sobre a experiência e a prática profissional na construção do conhecimento (Slomski & Martins, 2008). Para Nóvoa (1992, citado por Slomski & Martins, 2008), os conceitos de professor reflexivo e de professor pesquisador consistem numa forma diferente de se abordar a mesma realidade, uma vez que o professor pesquisador é aquele que pesquisa ou reflete sobre a sua prática. No entanto, “a experiência, por si só, não é formadora; (...) formadora é a reflexão sobre essa experiência ou a pesquisa sobre a própria prática de sala de aula” (Slomski & Martins, 2008, p.9). Para Mialaret (1995), a prática é inseparável da reflexão e de uma atividade psicológica intensa, entrando em jogo a imaginação criativa cujo dinamismo se inscreve num quadro teórico ao qual se refere o sujeito. As práticas inteligentes são acompanhadas necessariamente de um esforço de avaliação dos efeitos que esta provoca. Nalguns casos, a reflexão sobre a prática conduz à elaboração de uma verdadeira teoria.

Nesta linha de pensamento e do que foi exposto sobre o conceito de competência e sobre a organização das competências, e analisando-as na ótica da sua aplicabilidade à situação específica dos formadores de professores, diríamos que todas elas se aplicam de uma forma reforçada aos formadores, atendendo à responsabilidade dos mesmos no modo como contribuem para o desenvolvimento dessas mesmas competências nos seus pares.

O poder da reflexão sobre a prática como potenciador de melhores práticas tem sido defendido por diversos autores (Dewey, 1933; Stenhouse, 1975; Schön, 1987; Serrazina, 1998; Alarcão, 2003; Mialaret, 1995; Houpert, 2005; Costa & Viseu, 2008; Costa (coord.), 2008). É primordial que o formador proceda a uma reflexão II Congresso Internacional TIC e Educação sistemática, numa relação permanente entre a prática e a teoria, tomando os aspetos pedagógicos como prioritários, sendo a ação pedagógica direta sobre os seus alunos e sobre os seus formandos, o ponto de partida para a construção/reflexão sobre a teoria, em que a investigação e a formação se alavancam (Mialaret, 1995). Segundo Schön (1987), o desenvolvimento do conhecimento profissional alicerça-se em conceitos como a pesquisa e a experimentação na prática, em que professor encontra prazer na aprendizagem e na investigação do processo de ensino e aprendizagem. Segundo Alarcão (2001), o professor como profissional reflexivo, cunhado por Shön, assenta numa “perspetiva interacionista e sócio-construtivista, de aprendizagem experimental, de formação em situação de trabalho e de investigação-ação” (p.4). A reflexão é, portanto, pertinente quando provoca a ação, levando os intervenientes a repensar a sua prática. Também Shulman (1996, citado por Muzukami, 2004) acrescenta ainda que não aprendemos a partir da experiência, mas pensando sobre a experiência. Nesta perspetiva, o desenvolvimento profissional dos professores decorrerá da aprendizagem pela experiência e pela construção de pontes entre a teoria e a prática.

A expressão ‘prática reflexiva’ aparece muitas vezes associada à investigação sobre as práticas, proporcionando aos professores oportunidades para o seu desenvolvimento. De acordo com Mialaret (1995), relacionada com a reflexão, surge como indispensável a investigação, pois “quando a teoria e a reflexão não trazem as soluções desejadas ou necessárias, então, a investigação científica pode ser uma nova via a explorar” (Mialaret, 1995). Nesta perspetiva, as relações entre prática, teoria, investigação e formação encontram-se intimamente ligadas e relacionadas.

Stenhouse (1975) advoga que o profissionalismo dos professores é “baseado na investigação sobre o seu ensino” (p.141), defendendo a ideia que a sala de aula é “como um laboratório” e que “o professor é um membro da comunidade científica” (p.142). A melhoria das práticas, segundo este autor, advém do aperfeiçoamento, refletido, da competência de ensinar. Esta competência construir-se-ia gradualmente, através do estudo sistemático da própria atividade docente.

O conceito de professor-investigador (Stenhouse, 1975; Alarcão, 2001) toma um especial sentido quando aplicado ao formador de professores que tem por obrigação realizar pesquisa e manter-se o mais atualizado possível, para contribuir II Congresso Internacional TIC e Educação significativamente para o desenvolvimento profissional de outros docentes. “Ser professor-investigador é, pois, primeiro que tudo ter uma atitude de estar na profissão como intelectual que criticamente questiona e se questiona.” (Alarcão, 2001, p.6). Para atingir este patamar, o formador deverá desenvolver competências para investigar, partilhar resultados e processos, partindo do princípio de que a investigação não cabe apenas aos académicos, mas que pode e deve ser realizada pelo professor comum e direcionada para um saber mais integrado, mais holístico e mais ligado à prática (Alarcão, 2001). O desenvolvimento de competência para investigar deverá, portanto, merecer uma especial atenção na formação de formadores de professores.

Considerando que a investigação-ação implica colaboração e partilha, principalmente com os colegas, as referidas competências de professor investigador e reflexivo associam-se naturalmente às atitudes. Neste sentido, parece-nos relevante, na situação específica dos formadores, destacar as competências atitudinais relacionadas com a socialização. Na medida em que, na formação contínua, a reflexão em equipa pode funcionar como um espaço onde se colocam e se discutem as questões que resultam da prática, onde se sentem novas necessidades e se constroem novos conhecimentos (Serrazina, 1999), parece-nos essencial que o formador possua as competências transversais acima referidas, que lhe permitam promover uma pedagogia ativa, baseada na reflexão e no trabalho colaborativo, sabendo que desenvolver “programas de formação profissional que são caracterizados por atividade, reflexão e colaboração em comunidades de aprendizagem são inerentemente locais incertos, complexos e exigentes” (Shulman, 2004, p.25, citado por Muzukami, 2004).

Um formador não poderá levar outros professores à integração das TIC nas suas práticas letivas, se ele próprio não o fizer. Se “formar é partilhar experiências, acrescentando conhecimento, mas sobretudo dotar os indivíduos de meios necessários para saberem aplicar esses conhecimentos, de forma ajustada, à realidade onde trabalham” (Bento & Salgado, 2001, p.17), então como pode o formador partilhar experiências que não tem ou apontar caminhos que não experimentou?

Em síntese, para além das competências metodológicas e das que são referentes à especificidade da sua área de intervenção, o formador da formação contínua deveria ele próprio ser objeto de preparação específica na área das atitudes relacionadas com II Congresso Internacional TIC e Educação as competências sociais e pessoais. A capacidade de se relacionar, de criar empatia, as competências comunicativa e de liderança, mas também uma cultura de investigação e de trabalho colaborativo, são essenciais no trabalho do formador, para que possa efetivamente constituir-se como um referencial inspirador, numa ótica de “isomorfismo” (Mialaret, 1995; Costa (Coord.), 2008), de modo a contribuir para o desenvolvimento profissional dos professores formandos, conduzindo-os no percurso de apropriação e integração das tecnologias nas práticas educativas e numa gestão autónoma e inovadora do currículo, focado na melhoria do ensino e das aprendizagens dos alunos ou, como refere (Costa, 2004), no modo “como os professores poderão ensinar melhor e os alunos aprender de modo mais eficiente” (p.22).

3. OBJETIVOS DO ESTUDO

Embora neste texto apresentemos apenas o resultado da caracterização dos formadores na área das TIC, o estudo incidiu, de forma mais ampla, sobre o contributo desses formadores para o desenvolvimento profissional dos professores na área das TIC, procurando fazer uma aproximação ao conhecimento sobre: a) quem são e que preparação têm esses formadores; b) que espaço lhes é dado para a reflexão sobre as suas práticas e para a sua própria formação; c) que competências consideram serem necessárias à concretização da sua atividade de formador; d) o que pensam sobre o impacto do trabalho de formação que desenvolvem na prática pedagógica dos professores.

4. METODOLOGIA

Para a concretização do estudo, assente nas três vertentes eleitas (o que sabem, o que pensam, e o que fazem os formadores responsáveis pela formação contínua de professores na área das TIC em Portugal), optámos por nos situar numa perspetiva exploratória e descritiva, uma vez que ainda não existe uma descrição sistemática do objeto de estudo que pudesse constituir recurso suficiente para empreender um trabalho mais profundo. Segundo Vilelas (2009) o tipo de estudo exploratório “é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado, tornando-se difícil formular hipóteses precisas e de possível verificação” (p.119). Também Sampieri, II Congresso Internacional TIC e Educação Collado & Lucio (2006) referem que “os estudos exploratórios servem para nos familiarizarmos com fenómenos relativamente desconhecidos” (p. 100).

Para a recolha de dados foi utilizado um inquérito por questionário estruturado em duas partes complementares.

A primeira parte, com o objetivo de caracterização das perspetivas dos formadores sobre a formação contínua e a integração curricular das TIC, foi organizada tendo como base uma escala de Likert de sete pontos, de modo a refletir com mais precisão as diferenças de opinião dos formadores (DeVellis, 2003). Os 76 itens que constituem a primeira parte do questionário foram distribuídos em 4 dimensões/momentos: (i) Fatores que influenciam a integração curricular das TIC; (ii) Organização da formação para a integração Curricular das TIC; (iii) Perfil de competências do formador para a integração curricular das TIC e (IV) Perceção dos formadores sobre a formação desenvolvida em Portugal pelos CFAE. Em cada uma das dimensões agrupámos os itens em fatores que sofreram algumas alterações com a análise fatorial efetuada, excetuando a segunda dimensão que não foi possível validar através das duas rotações Varimax realizadas.

A segunda parte do questionário, com o objetivo de caracterização dos formadores, é constituída por um conjunto de questões fechadas relativas a dados biográficos e profissionais dos sujeitos respondentes.

O inquérito foi dirigido ao universo dos formadores da área das TIC, através de um pedido de colaboração via e-mail a 77 Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE) de todo o país, incluindo o arquipélago dos Açores e a Direção Regional de Educação, no caso específico da Região Autónoma da Madeira. Este procedimento garantiu que os respondentes, selecionados pelos próprios diretores dos CFAE, fossem formadores que têm desenvolvido, efetivamente, formação na área das TIC. Das 345 respostas obtidas, eliminámos 108 pelo facto dos formadores não terem respondido, pelo menos, à primeira parte completa. Dos 237 formadores cujas respostas considerámos válidas, 212 responderam ao questionário na sua totalidade. Apesar de 25 formadores não terem finalizado o questionário, as respostas foram consideradas válidas, por terem a primeira parte completa.

O tratamento estatístico dos dados foi realizado com a versão 20.0 do IBM SPSS Statistics (Statistical Package for the Social Sciences). Utilizámos os procedimentos de II Congresso Internacional TIC e Educação estatística descritiva e a técnica da análise fatorial. Na aplicação da análise fatorial foram tomados alguns cuidados no sentido de não sobrepor a mesma aos interesses da investigação, salvaguardando a pertinência dos itens propostos no construto inicial, de acordo com a realidade observada e do enquadramento teórico, assente na revisão da literatura com base no qual se procedeu à construção do questionário. A estatística descritiva foi utilizada para proceder à caracterização dos respondentes e para uma primeira análise e interpretação dos itens da primeira parte do questionário sobre a perceções dos formadores. Uma vez que foi utilizada uma escala ordinal numérica, correspondente a uma apreciação qualitativa, cujas variáveis são a importância, a adequação ou a concordância referentes às afirmações apresentadas, optamos por basear a interpretação dos dados na frequência e na moda, uma vez que se trata de escalas ordinais cuja distribuição é não-paramétrica, pois, segundo Hill & Hill (2008), “estas escalas admitem uma ordenação numérica das suas categorias, (...) estabelecendo uma relação de ordem. No entanto, não é possível medir a magnitude das diferenças entre as categorias” (p. 108). Para comparar a posição dos formadores face ao diferentes fatores emergentes da análise fatorial, escolhemos representar os dados na forma de Diagramas de Extremos e Quartis (boxplots), por ser um modo gráfico que permite facilmente interpretar a localização e a dispersão de um conjunto de dados. Este gráfico, elaborado com base na mediana tem a vantagem de, contrariamente à média, não ser afetado pelos extremos ou observações discrepantes.

5. APRESENTAÇÃO E REFLEXÃO SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DOS FORMADORES

Relativamente à caracterização dos formadores respondentes (212), verificámos que em oposição à realidade do contexto do ensino básico e secundário, em que a maioria dos docentes é do género feminino, a maioria dos formadores respondentes é do género masculino (63%).

Dos formadores respondentes, 42% são do grupo disciplinar 550 – informática, o que era de esperar, uma vez que a oferta de formação pós-graduada em tecnologias é relativamente recente, compreende-se que a necessidade de formadores em TIC dos centros de formação tenha sido coberta por docentes deste grupo disciplinar. O facto de cerca de 46% de formadores ter formação inicial na área das tecnologias, também II Congresso Internacional TIC e Educação pode manifestar uma prevalência da competência técnica como critério para acreditação nesta área de formação.

Relativamente à formação complementar dos formadores, cerca de 48% dos inquiridos fizeram formação pós-graduada. Relativamente à formação contínua em TIC recebida para serem formadores, 56% dos inquiridos afirmam ter recebido formação específica para essa função. O número de horas de formação de formadores recebida pelos respondentes é reduzida, uma vez que a média se situa abaixo das 150 horas de formação, sendo a moda (resposta mais frequente) de 100 horas.

As áreas de acreditação dos formadores pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua de Professores (CCPFC), em domínios relacionados com tecnologia, são predominantemente da área C (Área de prática e investigação pedagógica e didática), verificando-se um reduzido número de referências às áreas A e B (respetivamente área da especialidade e área das Ciências da Educação). Relativamente às restantes áreas/domínios de acreditação, verificamos que 66 formadores (38% dos 175 formadores que responderam a esta questão) possuem acreditação nas didáticas específicas (C05).

No que respeita à experiência de formação dos formadores, a maioria (58,4%) dos formadores tem menos de dez anos de experiência de formação em TIC, cerca de 30% dos quais tem menos de cinco anos de experiência, o que coincide com o aumento da formação contínua nesta área, em 2001, e com o incremento de novas modalidades de formação, tais como Projeto e Oficinas de formação (Moreira, Lima & Lopes, 2009). A percentagem de formadores com dezasseis ou mais anos de experiência é reduzida (cerca de 15%), o que era de esperar pelo facto da formação em TIC ser uma área de formação relativamente recente, pelo menos, em termos de expansão ou generalização. No entanto, a pouca experiência dos formadores sobressai quando verificamos as horas de formação dinamizada pelos inquiridos. Constata-se que a percentagem mais elevada, 29,1%, incide no primeiro intervalo, até 150 horas de formação.

A maioria da formação dinamizada pelos formadores inquiridos foi realizada no âmbito das didáticas gerais (57%), o que significa que foi desenvolvida com base na organização de grupos de formação indiferenciados. De salientar que a formação realizada no âmbito das didáticas específicas (43%), em que os grupos de formação são II Congresso Internacional TIC e Educação organizados em função da área de docência de professores e formadores, decorre de uma tendência para este tipo de organização da formação contínua na área das TIC com maior incremento a partir das novas exigências do estatuto da carreira docente relativamente à progressão na carreira, determinando, em 2005, que pelo menos 50% dos créditos obtidos na formação deveriam inserir-se na área científico-didática de docência do professor, cota essa que aumentou para dois terços em 2007.

No âmbito das didáticas específicas, verificamos um desequilíbrio entre as áreas disciplinares da formação desenvolvida. Assim, destacam-se as áreas de informática e de ciências exatas e da natureza com percentagens superiores a 30% cada uma, contrastando com as reduzidas percentagens das restantes áreas. Esta discrepância deve-se ao facto dos formadores da formação contínua em TIC serem provenientes, maioritariamente, das áreas de informática/engenharias/tecnologias (45,6%) e Ciências Exatas e da Natureza (21,3%). Isto significa que os grupos de docência, nestas áreas, têm tido mais oferta de formação TIC específica da sua área de ensino. Relativamente às restantes áreas em que agrupamos as licenciaturas, verifica-se um número reduzido, talvez insuficiente, de formadores TIC, o que tornou mais escassa a oferta de formação TIC nestas áreas específica/grupos de docência.

Essa ideia é reforçada na análise aos grupos de docência dos inquiridos, em que existe uma distribuição muito desequilibrada dos formadores, verificando-se que 42% se concentram no grupo 550 de informática. Os restantes 58% de formadores distribuem-se de pelos restantes grupos de docência, com uma percentagem residual em quase todos eles. Os mais significativos, nestes grupos, são a Matemática, com 9% de formadores, e o 1º ciclo com 8% de formadores. Nenhum dos outros grupos de docência ultrapassa os 5%.

Dos tipos de formação dinamizada pelos formadores, destacam-se as oficinas de formação, seguidas dos cursos de formação, o que é compreensível na medida em que os cursos de formação predominaram durante um longo período de tempo - de 1998 a 2003 -, tendo em 2001 começado a aumentar a oferta de outras modalidades, nomeadamente as oficinas de formação. Na verdade, as oficinas de formação têm vindo a afirmar-se como a modalidade preferencial relacionada com um interesse crescente dos professores pela mudança nas práticas pedagógicas (Moreira, Lima & Lopes, 2009). Com uma frequência ainda significativa surge, a seguir, o Workshop, que II Congresso Internacional TIC e Educação vem sendo muito difundido para colmatar lacunas ou responder a necessidades pontuais dos professores e dos projetos desenvolvidos nas escolas.

6. REFLEXÕES FINAIS

No contexto da formação contínua, parece-nos, em síntese, que os formadores têm as condições necessárias para contribuir para o desenvolvimento de competências técnicas dos professores na utilização das TIC, embora o mesmo não possa afirmar-se no que se refere à integração pedagógica das tecnologias no currículo. Dada a predominância de formadores oriundos do grupo 550, cuja formação de base lhes confere competência técnica na área da Informática, pode concluir-se, de facto, que são um recurso importante e adequado para a tarefa de preparar os professores do ponto de vista instrumental e funcional. Isso não significa, no entanto, que possuam as competências necessárias para ajudarem esses mesmos professores no processo de integração das tecnologias nas suas áreas específicas, até porque, na sua maior parte, não têm formação específica para o exercício da função de formador.

Verifica-se, por outro lado, carência de formadores para cobrir as necessidades específicas das diferentes áreas de ensino, o que é confirmado pelos resultados da formação realizada pelos inquiridos no âmbito das didáticas específicas que, como se pôde observar, é maioritariamente desenvolvida ao nível da informática e das ciências exatas e da natureza, grupos de docência predominantes dos formadores inquiridos.

Existem também indícios de poucas oportunidades para os formadores poderem fazer uma preparação sólida no domínio da sua própria formação, pelo menos a avaliar pela reduzida formação específica nesse domínio realizada pelos inquiridos. De facto, pela formação que referem ter frequentado e pela análise dos resultados de alguns dos itens do questionário, pode concluir-se que não lhes é facultada a formação contínua específica para a aquisição e o desenvolvimento de competências pedagógicas e sociais necessárias ao exercício da sua atividade, nomeadamente no que diz respeito à integração curricular das TIC. Constatamos ainda que os formadores são pouco especializados nesta área de intervenção, pela análise da certificação atribuída pelo CCPFC e que na sua esmagadora maioria incide na área C, atribuída por via da sua formação inicial ou pela análise do currículo, sendo residual o número de formadores II Congresso Internacional TIC e Educação em TIC com acreditação na área B, que certifica que o formador tem especialização/pós-graduação em TIC na área das Ciências da Educação.

Dada a limitação de espaço, os resultados referentes às práticas de formação e ao que pensam os formadores sobre a sua atividade e sobre o impacto nas práticas pedagógicas dos professores que formam, serão publicados noutro lugar.

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