PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

 

 

Entrevista PROFFORMA ao professor Carlos Nogueiro, secretário executivo da Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo (CIMAA)

Luísa Moreira
CEFOPNA

1 - PROFFORMA – Como todos sabemos, a transferência de competências no âmbito da educação para os municípios não é uma decisão pacífica ou sequer consensual. Como encara a CIMAA a efetivação desta transferência?

A progressiva transferência de competências para os municípios tem sido uma realidade concreta decorrente, penso, da necessidade de aproximar as decisões das pessoas e dos territórios, tornando mais eficiente a auscultação das populações e suas necessidades e tornando mais eficaz, supõe-se, a resolução de problemas reais que, não poucas vezes, escapam ao olhar mais abstrato e distante dos governos centrais. Daí que a CIMAA encare com alguma naturalidade, mas com a reserva necessária, que  órgãos eleitos pelos locais – as autarquias – tenham a legitimidade necessária e bastante, para tomarem decisões que impactam directamente com o desenvolvimento do território que habitam e onde escolheram viver e educar os seus. Em relação às políticas de educação, devendo ser pensadas ao nível central, não me parece – bem pelo contrário – que haja algum impedimento de uma intervenção partilhada e activa dos municípios e das comunidades intermunicipais, no desenho de tais políticas, constituindo a promoção de uma Rede de Harmonização da Oferta Formativa de Cursos Profissionais nos territórios NUT III, um bom exemplo do que referi (e que já acontece na nossa NUT III – Alto Alentejo).

Certamente não será, no imediato, um processo fácil, pelo nível de ruído que poderá introduzir nos processos de responsabilização política – planeamento e execução de medidas de gestão e administração – esperando-se muitos constrangimentos, nomeadamente de carácter financeiro e de afectação e gestão de recursos humanos.

Uma questão complexa, mas que não pode deixar de ser encarada como um caminho a percorrer e que, aliás, a recente produção legislativa do governo central sobre a flexibilização dos currículos, acaba por, lato sensu, contemplar, porquanto introduz possibilidades imensas de incorporação das idiossincrasias territoriais nos projectos educativos em cada agrupamento escolar.

2 - PROFFORMA – Estamos a viver uma municipalização da educação de forma mais ou menos velada?

Depende do que se entender por “municipalização da educação”… . Muitos municípios (por opção própria e estratégia do território ou por negociação com os governos centrais) já têm há algum tempo uma intervenção concreta e visível na definição de uma estratégia partilhada na definição das políticas educativa e de formação e qualificação das pessoas no seu espaço humano e geográfico. Será isso negativo??? Não creio, mas consciente das suas dificuldades e constrangimentos.

O Diploma que referem no início não clarifica na sua plenitude o processo, que atribuições concretas e como executar (nomeadamente com que financiamento e com quem). Penso que, caso a caso, faltará esse debate, para assegurar as condições financeiras de suporte à sustentabilidade das competências delegáveis.

3 - PROFFORMA – Teoricamente, unir vontades, colocar autarquias e escolas a falar a mesma linguagem, parece perfeito. Na prática, poderemos estar a assistir a um diálogo de surdos?

 Sempre, na minha vida pessoal e profissional, defendi e privilegiei a negociação, os consensos, o encontrar e concretizar objectivos comuns e que todos, somos, muitas vezes, mais do que a soma das partes, pelo que sou um optimista por natureza, quanto à promoção do diálogo como forma de construir cumplicidades futuras. Se não nos enquistarmos em casulos ou redomas pessoais ou corporativas e se realmente o interesse for o território e quem nele habita, então não tenho grandes dúvidas que haverá progressos no diálogo. Uma negociação implica sempre que haja avanços e recuos, cedências e conquistas… É disso que é feita e isso não significa perder ou ganhar, porque quem tem que ganhar não são os negociadores, mas o território que representam e os seus habitantes. E importa não esquecer que outros parceiros poderão ser trazidos à colação, como sejam os Pais e Encarregados de Educação ou os mundos empresarial, cultural e artístico …. A política educativa de um território não se deve resumir aos Executivos das Escolas e dos Municípios. Não significa isto retirar a importância determinante que estes terão sempre em qualquer negociação, sendo, naturalmente, os actores principais…. mas, concordarão, será redutor apresentá-los como os únicos intervenientes em tal processo.

4 - PROFFORMA – Parece, olhando a grande diversidade dos 18 agrupamentos de escolas do distrito, haver situações muito específicas. Com a transferência de poderes e responsabilidades para os municípios, não se corre o risco de acentuar a diferença entre as ofertas e recursos dos agrupamentos?

Pois…o problema, e que foi sendo discorrido ao longo desta entrevista, é conhecer que processos de execução estão associados aos poderes e responsabilidades e como serão aplicados. Na resposta anterior deixei claro a via que subscrevo: Diálogo, Negociação e Consensos, no respeito integral pelo território e seus habitantes e não defraudando as expectativas dos stakeholders envolvidos (e.g. docentes, alunos, pais, não docentes e técnicos especializados…).

Volto à Rede de Oferta que referi há pouco e o bom exemplo que tem constituído na articulação e não replicação de projectos.

Por outro lado, o despovoamento progressivo e inexorável do território, obriga a ganhos de escala só possíveis mediante o trabalho intermunicipal e dessa forma apresentarmo-nos às estruturas de decisão centrais, como um território que trabalha articuladamente e que sabe o que pretende e para onde ir…Não é possível querer tudo em todos os municípios do Alto Alentejo, mas importa ter muito  (e que seja consequente e motor de desenvolvimento no todo que é a NUT III – Alto Alentejo) e isso só será possível se o trabalho intermunicipal for progressivamente valorizado por todos. Naturalmente que no respeito integral pelos municípios integrantes do mesmo.

5 - PROFFORMA – “Casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão", reza a vox populi. Será este o caso nesta transferência de competências do ministério da educação para os municípios?

Não sei. No nosso caso particular talvez seja mais sensato ouvir cada um dos municípios, que estando directamente envolvidos terão, certamente, uma opinião mais substantiva e outros argumentos.

6 - PROFFORMA – O professor Carlos Nogueiro tem acompanhado de perto o trabalho desenvolvido no âmbito do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE). Como analisa a articulação feita pelos agrupamentos e municípios do Alto Alentejo na concretização dos planos de ação estratégica construídos no âmbito do PNPSE?

Suponho que terá e tem havido um trabalho conjunto na construção e implementação dos mesmos. Na parte que nos toca, penso que temos vindo a melhorar e sensibilizar a comunidade educativa e os municípios, tendo organizado diversos momentos de partilha entre todos (municípios, escolas, IPP, centros de formação de professores e outras entidades) ao longo do último ano, com a colaboração inestimável do PNPSE, mediante a realização de colóquios, seminários, sessões de apresentação de novos projectos, para os quais, aliás, o CEFOPNA tem sido regularmente chamado a participar. Foi importante este caminho para estimular uma perspectiva intermunicipal e de aprendizagem conjunta, percepcionando o que vai sendo concretizado nos diversos agrupamentos e municípios e disponibilizando a CIMAA para o apoio necessário à implementação de novos projectos e desafios, sempre com máximo respeito que é necessário garantir às Escolas e aos seus autónomos Projectos Educativos. Importa realçar que a CIMAA irá disponibilizar um novo aviso para proporcionar aos municípios, em articulação com os planos de ação das escolas, novas candidaturas comprometendo assim a verba ainda disponível neste momento no Pacto para o Desenvolvimento e Coesão Territorial do Alto Alentejo.

7 - PROFFORMA – O PNPSE veio ajudar a diagnosticar uma situação social, marcada pela pobreza e pela desertificação, que é grave no território do Alto Alentejo. Considera que existem recursos  suficientes, e de fácil utilização, para inverter esta situação?

A rede de infraestruturas educativas no Alto Alentejo (salvo algumas situações que irão ser objecto de intervenção no curto/médio prazo) são de elevada qualidade e de construção ou requalificação relativamente recentes. Neste particular chamava atenção para a questão do transporte escolar, central e relativamente à qual a CIMAA assumiu responsabilidades acrescidas, por forma a “encolher” o território, atendendo à sua extensão e a à baixa densidade populacional, contribuindo para a definição de uma rede territorial de transportes.

A situação social que referem é um problema complexo, cuja melhoria resultará, obrigatoriamente, de uma abordagem multidisciplinar e inter e transmunicipal, para a qual a educação dará, necessariamente, o seu contributo.

8 - PROFFORMA – Os fundos comunitários visam, no domínio da educação, contribuir para combater as assimetrias a diferentes níveis. No entanto, em Portugal, continuamos a verificar que o país, tem duas velocidades, e que entre o litoral e o interior o fosso é muito profundo. Como entende que a educação pode, no quadro da Lei 50/2018, combater este quase fatalismo?

Compreendo a pergunta, mas o despovoamento não se combate por decreto, antes pelos instrumentos que ele nos confere para o efeito e como referi logo no início, a eventual aproximação dos eleitores, e habitantes de um dado território, dos decisores políticos pode inverter a tendência que referem. Se falamos de um diploma que promove (e não estamos, nesta fase, a discutir o como...) essa aproximação, então poderão estar reunidas condições para se iniciar um percurso que poderá vir, a prazo, melhorar as condições de habitabilidade de um território (e são muitas e muito diversas…) e bem assim torná-lo atractivo para a sua fruição plena, inclusive para os não residentes, como sejam visitantes ou potenciais investidores, targets importantes na inversão da tendência de abandono a que aparentemente estamos votados…

A Educação não é excepção e se juntarmos as componentes de formação e qualificação profissional, melhor se perceberá a sua importância. A rede de oferta dos cursos profissionais de ensino secundário, devidamente articulada, com intermediação da CIMAA e com a intervenção dos municípios, Escolas do Alto Alentejo, IPP e outros entidades, poderá contribuir decisivamente, para a disponibilização de quadros qualificados na sustentabilidade de determinadas actividades económicas ( e.g. Turismo ; Agro Pecuária,…), bem como um motivo de atração de novos estudantes de outras zonas do País onde os cursos não existem ou terão outro potencial quando desenvolvidos aqui ( e.g Equitação em Alter do Chão).

A possibilidade de uma maior intervenção dos Municípios, porquanto definem a estratégia de desenvolvimento de cada concelho, no apoio à definição da oferta (e que lhes acrescenta também maior responsabilidade no apoio ao desenvolvimento de tal oferta), poderá resultar, penso, da aplicação do Diploma que referem…

9 - PROFFORMA – A rede de cursos profissionais foi já no ano letivo de 2018/19 construída sob a coordenação da CIMAA. Considera que dá resposta efetiva às necessidades das populações? Não estará o processo envenenado a montante, com a classificação de relevância de cursos pela ANQEP?

Já se falou aqui da implementação de uma rede colaborativa de educação e da importância do trabalho intermunicipal. Se nos anteciparmos, criando escala territorial, e apresentarmos as nossas propostas em tempo útil, a relevância dos cursos definida pela ANQEP será ultrapassada pela realidade do território e, assim sendo, seremos nós a construir, ou melhor, a reconstruir, o processo de antecipação de necessidades de formação. Salvo melhor opinião, é algo que apenas depende de nós, território Alto Alentejo. Trabalhemos em conjunto, com objectivos bem claros e partilhados, apresentado antecipadamente o roteiro que, justificadamente, pretendemos seguir e podem ter a certeza que acabaremos por tomar nas nossas mãos o destino que ambicionamos.

10 - PROFFORMA – Se fosse possível hierarquizar, quais seriam as três principais metas que considera deverem os agrupamentos e a CIMAA alcançar até ao início do ano letivo 2019/20?

O aprofundamento e consolidação da Rede Colaborativa de Educação do Alto Alentejo, projecto em que começámos a trabalhar no ano lectivo passado;

 A conclusão da rede de infraestruturas de educação no Alto Alentejo;

Atingir os objectivos estabelecidos no âmbito dos projectos de promoção do sucesso escolar, ou seja,  melhorar os dados sobre ao sucesso escolar no nosso território.