PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

 

Educação um território de convergência e uma convergência no território

José Alberto Fateixa
Estrutura de Missão PNPSE

Do Programa do XXI Governo de Portugal consta um capítulo intitulado “Descentralização, base da reforma do Estado” que defende um modelo territorial assente em “cinco regiões de planeamento e de desenvolvimento territorial, correspondentes às áreas de intervenção das CCDR, na criação de autarquias metropolitanas, na promoção da cooperação intermunicipal através das comunidades intermunicipais, na descentralização para os municípios das competências de gestão dos serviços públicos de caráter universal…”. “O Governo defende o princípio da subsidiariedade como orientador da decisão sobre o nível mais adequado para o exercício de atribuições e competências (nacional, regional ou local). Por esse motivo, o Governo promoverá a transferência de competências para os níveis mais adequados…”. O referido Programa de Governo menciona também que “os municípios são a estrutura fundamental para a gestão de serviços públicos numa dimensão de proximidade, pelo que será alargada a sua participação nos domínios da educação, ao nível do ensino básico e secundário, com respeito pela autonomia pedagógica das escolas, da saúde, ao nível dos cuidados de saúde primário e continuados, da ação social, em coordenação com a rede social, dos transportes, da cultura, da habitação, da proteção civil, da segurança pública” entre outras.

A Assembleia da República aprovou a 18 de julho a “Lei n.º 50/2018” publicada em Diário da República a 16 de agosto e denominada de “Lei-Quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais” que “estabelece o quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais”. A lei determina a “transferência das novas competências, a identificação da respetiva natureza e a forma de afetação dos respetivos recursos” e prevê a sua concretização “através de diplomas legais de âmbito setorial relativos às diversas áreas a descentralizar”, admite a possibilidade de serem graduais até ao dia 1 de janeiro de 2021 quando no limite assumirão um carácter universal. Esta lei implica negociações entre o Governo, a Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias sobre o diploma específico a aplicar na área da educação, ensino e formação profissional.

Evolução histórica da delegação de competências nos municípios pós Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE)

Em 1986 Portugal passa a integrar a Comunidade Económica Europeia, assina a “Carta Europeia de Autonomia do Poder Local” e no Parlamento é aprovada por unanimidade a Lei de Bases do Sistema Educativo. Na sequência da aprovação desta lei foram definidas competências universais dos municípios no que respeita ao pré-escolar e ao 1.º ciclo muito em especial no domínio dos equipamentos escolares onde funcionam estes ciclos de estudo, da gestão dos transportes escolares, das cantinas escolares e da ação social escolar. Por esta altura o objetivo central das políticas de educação passava pelo alargamento da escolaridade obrigatória de 6 para 9 anos, assumindo centralidade as questões do abandono escolar e estando também presentes as questões do acesso e do alargamento da rede escolar.

Até à entrada em vigor da LBSE o sistema era constituído por uma rede de escolas primárias, uma rede de escolas preparatórias e uma rede de escolas secundárias (antigos liceus e escolas técnicas). A organização da rede escolar implicou um novo ciclo de mudanças políticas e administrativas que contribuiriam para que se operacionalizassem mudanças ao nível do planeamento e da participação dos municípios, que se traduziram na 1ª geração de cartas escolares dos municípios.

As disposições legais ocorridas desde então apontam para um cada vez maior envolvimento e implicação das comunidades locais nas ações de gestão organizacional do edifício educativo e os municípios são encarados como colaboradores interventivos.

Dez anos depois, em 1996, é estabelecido o “Pacto Educativo para o futuro: modernizar, regionalizar e descentralizar a administração do sistema educativo através do compromisso para a ação - Educação como assunto de todos”. Em 1999 é aprovada a Lei n.º 159/99 de 14 de Setembro que aborda a “Transferência de competências para as autarquias” e que fixa as regras de delimitação da intervenção da administração central e da administração local, sistematizando e clarificando competências em educação já previstas em legislação anterior, e referindo que é da competência dos órgãos municipais “participar no planeamento e na gestão dos equipamentos educativos e realizar investimentos” nos domínios da construção, apetrechamento e manutenção dos estabelecimentos de educação pré-escolar e do ensino básico, e estabelecendo novas competências, como sejam as relacionadas com a elaboração da carta escolar e a criação dos conselhos locais de educação.  O ponto 3 do artigo 19.º enumera ainda muitas outras responsabilidades dos órgãos municipais, no que se refere à rede pública, relacionadas com os transportes escolares, gestão de refeitórios e ação social escolar na educação pré-escolar e no ensino básico, alojamento de alunos, atividades complementares de ação educativa na educação pré-escolar e no ensino básico, apoio à educação extra-escolar e gestão do pessoal não docente de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico.

Ao longo dos anos foram sendo celebrados acordos de colaboração entre as estruturas do Ministério da Educação e uma larga maioria dos municípios centrados essencialmente no apoio à família e traduzido nos prolongamentos horários do pré-escolar e do 1.º ciclo.

O Decreto-lei n.º 7/2003, de 15 de janeiro, veio suprir uma lacuna existente na Lei n.º159/99, de transferência efetiva de competências para os municípios, Conselhos Municipais de Educação (CME) e à elaboração da carta educativa, ambos de execução obrigatória. A “carta educativa é, a nível municipal, o instrumento de planeamento e ordenamento prospectivo de edifícios e equipamentos educativos a localizar no concelho, de acordo com as ofertas de educação e formação que seja necessário satisfazer, tendo em vista a melhor utilização dos recursos educativos, no quadro do desenvolvimento demográfico e sócio-económico de cada município”. De sublinhar ainda que é expresso que a “carta educativa integra o plano director municipal” e que uma vez cumpridas todas as determinações e sendo aprovado pelos órgãos municipais tem força de lei.

Na segunda metade da primeira década do século XXI, o Decreto-lei n.º 75/2008, de 22 de abril, veio reforçar a participação das autarquias no Conselho Geral, órgão de direção estratégica dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, ao qual cabe a aprovação do projeto educativo, a eleição do diretor e a participação no seu processo de avaliação. O Decreto-lei n.º 144/2008, de 28 de julho, acaba por efetivar o alargamento e o aprofundamento do quadro de transferência de atribuições e competências para os municípios em matéria de educação, relacionadas com a gestão do pessoal não docente, com as atividades de enriquecimento curricular (AEC) no 1.º CEB e com a gestão do parque escolar estendida ao 2.º e 3.º CEB.

O XIX Governo (2011-2015) celebrou com quinze municípios projetos piloto de descentralização por delegações contratuais que a título experimental estabelece a delegação de competências nos municípios e entidades intermunicipais no domínio de funções sociais, em desenvolvimento do regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais. Por fim, com o Decreto-lei n.º 72/2015, de 11 de maio, procederam-se a alterações importantes, há muito sugeridas, na composição dos CME, que passaram a integrar os diretores dos AE/E, e nas competências dos CME, que passam a participar no processo de elaboração e de atualização do Plano Estratégico Educativo Municipal (PEEM); a deliberar a constituição de uma comissão permanente com a função de acompanhamento e articulação entre o município e os AE/E, e ainda, a poder emitir pareceres com caráter vinculativo.

Lei n.º 50/2018: Um novo quadro de competência a transferir para os municípios

A Lei-Quadro 50/2018 determina que é da competência dos órgãos municipais “participar no planeamento, na gestão e na realização de investimentos relativos aos estabelecimentos públicos de educação e de ensino integrados na rede pública dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, incluindo o profissional, nomeadamente na sua construção, equipamento e manutenção”.

“Compete igualmente aos órgãos municipais, no que se refere à rede pública de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário, incluindo o ensino profissional” o “assegurar as refeições escolares e a gestão dos refeitórios escolares”, o apoio a crianças e alunos “no domínio da ação social escolar”, a participação “na gestão dos recursos educativos”, “na aquisição de bens e serviços relacionados com o funcionamento dos estabelecimentos e com as atividades educativas, de ensino e desportivas de âmbito escolar” e no recrutamento, seleção e gestão do “pessoal não docente inserido nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico”.

Compete ainda aos órgãos municipais, “garantir o alojamento aos alunos que frequentam o ensino básico e secundário, como alternativa ao transporte escolar”, “assegurar as atividades de enriquecimento curricular, em articulação com os agrupamentos de escolas”, “promover o cumprimento da escolaridade obrigatória” e “participar na organização da segurança escolar”.

A lei sublinha expressamente que as competências municipais “são exercidas no respeito das competências dos órgãos de gestão dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas”.

É da competência dos órgãos das entidades intermunicipais “exercer as novas competências de âmbito intermunicipal” estando estas dependentes “de acordo prévio dos municípios que as integram”. Os órgãos das entidades intermunicipais intervêm no “planeamento intermunicipal da rede de transporte escolar”, tendo igualmente competências no “planeamento da oferta educativa de nível supramunicipal de acordo com os critérios definidos pelos departamentos governamentais com competência nos domínios da educação e formação profissional” e a “definição de prioridades na oferta de cursos de formação profissional a nível intermunicipal” em “articulação com o Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P., e a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, I. P.”

Educação um território de convergência e uma convergência no território

Um estudo da OCDE que reporta a 2012, aplicado a 36 países, sobre quem toma as decisões chave nos sistemas educativos, refere que Portugal continua a ser um dos países, onde há o predomínio da decisão a nível central em que a decisão a nível local é mínima e em alguns domínios inexistente.

Com a aplicação da Lei n.º 50/2018 a educação torna-se uma área que permite a criação de novas dinâmicas de articulação intermunicipal que assumem uma cada vez maior relevância na definição de opções de política educativa consensualizadas e adaptadas às necessidades de cada território. Há entidades intermunicipais que já construíram documentos de Estratégia Intermunicipal para a Educação no Território (EIET) para sustentar as opções e ações intermunicipais. A EIET permite planear a rede de oferta educativa adaptada às necessidades de desenvolvimento ligadas à coesão do território, aliando a necessidade de profissionais às ofertas formativas, permitindo uma utilização tendencionalmente plena dos recursos existentes. Isto é a rede de oferta do ensino regular, do ensino profissional ou das escolas especializadas poderá ver reforçada uma lógica supramunicipal e potenciadora de recursos que sirva os jovens e as suas famílias, as necessidades de emprego e não conducente à concentração de ofertas em escolas localizadas nas localidades mais populosas

Uma EIET deve conter não só dados da evolução demográfica mas também projeções populacionais reais, deve ponderar a mobilidade no território ligada à rede de serviços de transportes de acesso público, deve ter dados sobre os investimentos económicos em curso ou de previsível concretização associados às especificidades necessárias de formação para a empregabilidade, deve conhecer o perfil dos desempregados naquele território em concreto, assim como os recursos humanos docentes existentes nas escolas, deve ainda identificar espaços físicos e equipamentos existentes no território (escolas, centros públicos de formação profissional, equipamentos específicos…).

Desta forma, a aplicação da Lei n.º 50/2018 coloca às entidades intermunicipais a relevância de disporem espaços de encontro e trabalho regular entre diversas entidades com responsabilidades a nível da educação no território, por exemplo entre  responsáveis políticos, entre estes e os diretores dos agrupamentos/escolas não agrupadas e diretores dos CFAEs, assim como entre todos estes e o representantes das associações de encarregados de educação, responsáveis de setores sociais e económicos e quadros técnicos que apoiam a ação municipal nesta área.

A construção do documento EIET permite ainda ter uma visão integrada das necessidades territorializadas das intervenções físicas, das carências a suprir e dos recursos a mobilizar. Em tempo de escolhas e definição de opções em que o Governo contratualiza com as estruturas intermunicipais a aplicação dos fundos comunitários a existência da EIET permitirá planear as intervenções a concretizar de modo sustentado. Por exemplo no parque escolar (construção, ampliação, remodelação, beneficiação, …), na modernização de serviços e/ou equipamentos (laboratórios, espaços desportivos ou artísticos especializados, …) ou no desenvolvimento de projetos intermunicipais que interliguem parceiros públicos/solidários/privados e orientados para temas como a saúde; a proteção social; a segurança e a proteção Civil; o trabalho, o emprego e o empreendedorismo.

A experiência a decorrer com a criação de Equipas multidisciplinares Integradas de iniciativa intermunicipal e/ou municipal mas com foco na escola e nos alunos torna relevante a criação de uma rede intermunicipal de partilha de experiências destas equipas técnicas especializadas. Aliás são já de assinalar como especialmente importantes o caso das intervenções a decorrer em alguns territórios de intervenções diferenciadas e focadas na Literacia, na Matemática, no Ensino Experimental das Ciência, no Ensino Artístico, no Desporto, … que indiciam um caminho de melhoria das aprendizagens dos alunos num envolvimento triangular da escola/ autarquia/instituição de ensino superior.

A definição de políticas educativas territorializadas e assumidas por entidades intermunicipais releva a importância de monitorizar os resultados escolares alcançados, de refletir coletivamente sobre o caminho feito desenvolvendo ações e eventos potenciadores da importância da educação e da formação (encontros, seminários, formações, mostras, festas, …). Face ao novo quadro legal serão as entidades intermunicipais/municípios elementos basilares da utilização de Fundos Comunitários em educação e será fundamental a convergência estratégica das entidades com responsabilidades na educação e formação tendo em vista melhorias de aprendizagens e o desenvolvimento coeso dos territórios.

Na área de um qualquer concelho a ação municipal, se determinação legal de 2004, tem em funções o Conselho Municipal de Educação (órgão consultivo do município para a área da educação) e uma Carta Educativa. Importa sempre, mas especialmente em tempos de novos enquadramentos legais, tornar vivos, atuantes e de participação ativa quer o Conselho Municipal quer o(s) Conselho(s) Geral(rais) dos Agrupamentos e Escolas Não Agrupadas. Estes dois órgãos são hoje os dois pontos de encontro institucionalizados em que se debate e definem orientações de governação educativa.

As Cartas Educativas Concelhias são na sua grande maioria documentos com alguns anos e que muitas vezes se limitam a apresentar propostas exclusivamente centradas nas necessidades de intervenções físicas nas escolas. Esta poderá ser uma oportunidade de convergir numa estratégia municipal de política e traduzida numa nova geração de Cartas Educativas, documento de estratégia comprometida do concelho na ação educativa e formativa. A Carta Educativa deverá naturalmente incluir a evolução demográfica no concelho, as respostas de mobilidade e a rede de transportes (distâncias, tempo e modo dos percursos casa/escola) bem assim como as necessidades de investimentos físicos nas escolas do concelho. Mas, considerando o contexto temporal em que novas competências são assumidas pelos municípios está aberto um novo espaço de convergência e de definição de opções de uma política educativa territorializada. A possibilidade de apontar as orientações de política de ação social escolar (refeitórios escolares, transportes, acesso a recursos, bolsas, …), as necessidades de investimentos na melhoria do parque escolar quer numa lógica de construção/beneficiação quer na intervenção em equipamentos e serviços específicos (laboratórios, rede e equipamentos informático, recursos diversos, …) quer eventualmente de equipamentos socias complementares (residência, …) naturalmente associados à rede de ofertas educativas da área do município. Esta oferta terá que ponderar a necessidade de ofertas no ensino profissional associadas às políticas de desenvolvimento local/regional, à previsibilidade da empregabilidade nas empresas com ação local, bem como aos recursos humanos e físicos existentes na escola e na comunidade.

Mas para melhorar o sucesso escolar, a qualidade das aprendizagens e diminuir o abandono há que continuar a encontrar caminhos e respostas organizacionais, didáticas e sociais e a Carta Educativa reúne condições para ser o documento estratégico onde são incluídas as opções para o concelho. Estão neste momento contratados (ou com processo de contratação em curso) largas centenas de técnicos sociais especializados (psicólogos, assistentes sociais, terapeutas, animadores, …). Importa construir práticas que permitam a inclusão de todos os alunos e a resolução de problemas concretos pelo que a ligação aos docentes e suas estruturas internas bem como a entidades com respostas de saúde, proteção social, segurança e recreio (associações e clubes). O trabalho em equipa, colaborativo entre instituições e saberes será determinante para o sucesso das estratégias locais de inclusão. Também as intervenções diferenciadas focadas na melhoria das aprendizagens dos alunos e específicas, geralmente em colaboração com o ensino superior em temas como a literacia, a matemática, o ensino experimental das ciências, das artes, do Desporto poderá ser um compromisso a integrar este plano de ação e intervenção estratégico no concelho.

A Lei-Quadro 50/2018 define igualmente que compete aos órgãos de gestão dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas a gestão pedagógica da escola. A definição de uma ação estratégia da escola que determine a focagem da instituição escolar na promoção do sucesso e na melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos. São os órgãos escolares que devem sempre determinar no quadro de autonomia vigente as soluções organizacionais e curriculares, as dinâmicas das equipas pedagógicas, as estratégias ação das equipas para inclusão e o envolvimento dos técnicos disponibilizados pela autarquia e uma monitorização de resultados que sustente opções de autorregulação interna que permita não só diminuir o insucesso e o abandono, mas principalmente melhorar a qualidade das aprendizagens. 

Há, portanto, a oportunidade de em torno da Educação ser reforçada uma convergência estratégia de compromisso entre autarquias, agrupamentos de escolas, escolas não agrupadas, encarregados de educação, entidades públicas, empresas, associações e comunidade em geral.