PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

Conversando com o Professor Doutor João Costa - Secretário de Estado da Educação

Luísa Moreira
CEFOPNA

Falar da Escola é, sem dúvida, uma constante da modernidade. Mas, cremos, ouvir e ler quem tem ação decisória no que à Educação diz respeito, é uma mais-valia para todos. Assim, tentando contribuir para uma discussão produtiva, fomos conversar (com a cumplicidade da internet), com o Senhor Secretário de Estado da Educação, Professor Doutor João Costa.

1. Profforma – O ano letivo de 2015/16 terminou com o germinar de novas práticas, que foram enquadradas pelo PNPSE. Sucintamente, quais os principais objetivos que o PNPSE se propõe alcançar?

Portugal tem um défice sério de qualificações na população ativa adulta e é um dos países da União Europeia e da OCDE com a mais elevada taxa de retenção. A retenção, como é sabido, é um preditor de retenção e não melhora aprendizagens. Sobretudo, a retenção significa que os alunos não estão a aprender. O objetivo do PNPSE é que os alunos aprendam mais, aprendam melhor e que se possa intervir, a partir da sala de aula, com um processo de autonomia de gestão das práticas letivas, para que a retenção se torne residual, não porque os números baixam artificialmente, mas sim porque os alunos estão a aprender mais e melhor. Pretende-se, sobretudo, agir ao primeiro sinal de dificuldade e não quando os percursos negativos já se consolidaram.

2. Profforma – Com a consciência de que os processos de mudança são sempre morosos e complexos, crê que a sociedade em geral deve (pode) confiar numa profunda alteração de metodologias e práticas já no decorrer do ano letivo de 2016/17?

Não. As mudanças são sempre morosas, como é dito, e os sistemas educativos são particularmente resistentes. Seria um erro esperar resultados imediatos. As mudanças em educação devem ser observadas em séries longas e nós, políticos, temos de aprender a resistir à tentação de querer ver resultados no período de uma legislatura. Por outro lado, estamos já a ver muitas práticas inovadoras a emergir nas escolas, associadas aos Planos de Ação Estratégica apresentados. Claro que o peso não pode estar apenas no que se passa na sala de aula, algo a que voltarei.

3. Profforma – O insucesso escolar, e sabendo nós que nos últimos 20 anos se têm conseguido alguns progressos, continua, em Portugal, a ser muito mais elevado do que na maioria dos países da União Europeia. Em sua opinião, que razões justificam, ou podem justificar, este facto?

As razões são múltiplas e algumas já foram referidas: as condições sociais dos alunos, o ambiente familiar de valorização do conhecimento, a capacidade de diferenciação pedagógica em sala de aula, a perceção da aula como o espaço que tem de garantir sucesso a todos, o isolamento científico e didático de alguns professores, a ausência de articulação horizontal no currículo… Com o PNPSE convidámos cada escola a refletir sobre os aspetos internos que podem justificar o insucesso que existe. Se o insucesso é apenas um fenómeno, as causas são variadas e contextualmente diferenciadas, pelo que, no nosso entender, o melhor que o Ministério podia fazer era deixar as escolas fazerem o seu diagnóstico e apoiar as medidas específicas propostas por cada escola.

4. Profforma – Passados quase 43 anos sobre a Revolução de Abril, considera que estão cumpridos os requisitos para que a Escola Pública seja uma Escola para a igualdade, liberdade e justiça social?

O percurso da escola democrática portuguesa é louvável. Em apenas 40 anos, abrimos as portas a todos os alunos, integrámos todos os alunos, formámos milhares de professores e os resultados – avaliados internacionalmente – têm vindo a registar uma melhoria progressiva. Isto deve-se a muitos atores do sistema: professores, diretores, equipas e serviços, à investigação produzida nas Universidades e Institutos Politécnicos. Há, contudo, batalhas sérias a travar: a nossa escola abre as portas a todos, mas a pobreza continua a ser um preditor forte de insucesso escolar, o que significa que ainda não estamos a assegurar verdadeira justiça social. A pobreza tem de deixar de ser um preditor, sob pena de estarmos a falhar a missão da escola como instrumento principal de mobilidade social. Isto faz-se atacando a pobreza, mas também assumindo na escola que temos de garantir aprendizagem a todos.

5. Profforma – O PNPSE veio redimensionar a necessidade e o papel  da  formação contínua dos professores. Como encara a formação contínua, como analisa o trabalho desenvolvido pelos CFAE ao longo dos últimos 20 anos?

A formação contínua é fundamental para a atualização científica e pedagógica dos professores. A nossa formação contínua tem atravessado diferentes fases, com níveis relativos de qualidade. A nós importa-nos assegurar duas dimensões: a qualidade da formação, através de parcerias entre os CFAE e instituições de investigação e ensino superior, e o impacto da formação, privilegiando o trabalho de oficina, para que a formação entre efetivamente nas práticas.

6. Profforma – Ainda no ano letivo anterior, foi feita, no âmbito do PNPSE,  formação ao nível das estruturas de liderança de praticamente todas as escolas públicas do país. Quais os principais objetivos desta formação? Em sua opinião, foram conseguidos estes objetivos?

Esta formação visou que as escolas pudessem tomar consciência do fenómeno social do insucesso escolar, dos preditores de sucesso e de insucesso, bem como apresentar alguns exemplos de programas de sucesso. Com esta (in)formação, cada escola foi convidada a fazer um exercício de diagnóstico de causas internas do insucesso escolar e a desenvolver um conjunto de medidas para a promoção do sucesso.

7. Profforma – A formação foi concluída, cada escola apresentou o seu PAE (Plano de Ação Estratégica) e o ME deu, consideramos que a praticamente todas as escolas, os recursos solicitados. E agora, o que se espera alcançar? Quais serão as consequências para as Escolas que, eventualmente, não atinjam as metas que se propuseram?

Espera alcançar-se uma melhoria das aprendizagens, que será monitorizada e acompanhada, através da realização das medidas, mas também através dos instrumentos de aferição do sistema. Nós temos, perante este programa, uma atitude construtiva. As escolas que não atingem metas são acompanhadas pela Estrutura de Missão do PNPSE, coordenada pelo Professor José Verdasca, para que os planos possam ser refeitos. A par disto, importa-nos avaliar a eficiência das medidas adotadas. Temos de saber avaliar, com responsabilidade, se os recursos afetos se revelam eficazes e em que medida, para se perceber exatamente qual o investimento que se revela produtivo.

8. Profforma – Frequentemente, os professores queixam-se de que o sucesso é impossível de obter por condicionantes impostas pelo Ministério da Educação: - Turmas com muitos alunos, programas muito extensos, falta de sequencialidade e desadequação dos programas ao nível etário, desautorização do corpo docente. Qual a sua opinião sobre a justiça desta argumentação?

Como sempre, há responsabilidades partilhadas e nós não fugimos das nossas. Por isso mesmo, o PNPSE abarca outras dimensões, para além do que está centrado na escola. Estamos a trabalhar para que o número de alunos por turma seja progressivamente reduzido, aliando esta medida administrativa a intencionalidade pedagógica. De igual modo, estamos a fazer um trabalho muito amplo de flexibilização da gestão curricular, para que se identifique nos currículos o que é considerado essencial, libertando tempo para diferenciação pedagógica, trabalho interdisciplinar, aprofundamento de temas, consolidação e metodologias ativas.

9. Profforma – A Escola não é só dos professores. Como comenta o facto de muitos alunos, sem estudos científicos, atrever-nos-íamos a dizer que mais de 50%, afirmarem que não gostam das aulas, que não reconhecem sentido (utilidade) às aprendizagens?

É um dado preocupante. Tudo mudou nos últimos 100 anos, mas a configuração das salas de aula e as formas de aprender são muito iguais. Penso que precisamos de saber mais sobre o que os alunos pensam e, sobretudo, como aprendem. O ME organiza, no início de novembro, um congresso intitulado “A Voz dos Alunos”, em que vamos deixar os alunos falar sobre o que aprendem, como aprendem. Eu digo muitas vezes que temos de olhar para o pré-escolar e aprender com o pré-escolar. Lá trabalha-se por projeto, com planificação de atividades pelos próprios, experimenta-se, interage-se com a realidade. Precisamos de nos deixar contaminar por algumas destas metodologias.

10. Profforma – Considerando a necessidade, cremos que cada vez mais urgente, de integração da Escola no meio e de construção de parcerias no sentido de promover de facto o sucesso das aprendizagens, como encara a relação Escola/Autarquias?

Encaro numa lógica de absoluta complementaridade. Todos os autarcas reconhecem que as escolas são uma das maiores forças dos seus territórios. As atividades promovidas pelas autarquias têm de fazer sentido para as escolas e, sobretudo, ter impacto na missão da escola: a aprendizagem dos alunos. Por outro lado, a escola não pode ignorar que a identidade e o território são cruciais para a inclusão dos alunos e para um contacto efetivo com as dimensões comunitárias que têm impacto na forma como se aprende. Por isso, têm de trabalhar numa lógica de cooperação e centrando tudo o que se faz na promoção de melhores aprendizagens. No âmbito do PNPSE, estão a surgir em muitos pontos do país propostas muito interessantes de interação entre a escola e as autarquias.

11. Profforma – Pensar mudanças, propô-las e executá-las exige, sem dúvida, financiamentos. Considera estarem reunidas, de facto, as condições financeiras para que as escolas operacionalizem a mudança?

Envolve sobretudo opções de gestão. Estamos a fazer tudo para que os recursos financeiros sejam utilizados de forma inteligente, para benefício das mudanças necessárias.

12. Profforma – A avaliação dos alunos, cremos que uma dimensão fundamental do processo de ensino e aprendizagem, apesar da publicação do Despacho normativo n.º 1-F/2016, continua, de forma generalizada, centrada na atribuição de pesos a instrumentos de avaliação e na atribuição, igualmente, de pesos por períodos letivos. No fundo, resume-se ao preenchimento de grelhas em excel. Como encara a avaliação das aprendizagens?

O Despacho Normativo 1F/2016 encerra aquele que é o nosso olhar sobre a avaliação: um instrumento eminentemente formativo, ao serviço de melhores aprendizagens. Queremos uma escola em que a avaliação está ao serviço das aprendizagens e não as aprendizagens ao serviço da avaliação, tendência para que se caminhava nos últimos anos de examocracia. Isto implica uma transformação, também ela lenta, prevista no 1F, de conceção da avaliação não em função de instrumentos e ponderações, mas sim a partir de uma análise cuidada do currículo. A separação entre avaliação e currículo praticada nos últimos anos não faz qualquer sentido.

13. Profforma – E se referimos a avaliação das aprendizagens, não podemos ignorar a avaliação de desempenho docente. Como encara esta questão que, lembramos, não tem sido pacífica?

A avaliação de desempenho é importante, mas eu enfatizaria não tanto o processo formal, mas sobretudo o processo quotidiano de capacidade de questionar o meu desempenho e a minha valorização pessoal e profissional, questionando práticas e perspetivando, em colaboração com os colegas, formas diferentes e mais eficazes de trabalhar.

14. Profforma – Senhor Secretário de Estado, sendo professor, e por isso conhecendo o quotidiano dos professores dos ensinos básico e secundário em Portugal, como encara a carreira docente no que à progressão diz respeito?

Encaro com a preocupação com que encaro todas as carreiras. Infelizmente, toda a administração pública tem a progressão congelada há vários anos. O programa de recuperação de rendimentos do nosso Governo tem como meta a restituição de direitos. Isto faz-se de forma progressiva e recolocando as pessoas no centro das decisões. Como é evidente, a carreira docente acompanha as soluções para todas as outras carreiras.

15. Profforma – A terminar, e porque já vai longa esta conversa, seria capaz de apresentar três argumentos que motivassem um jovem a optar pela carreira docente em Portugal?

A alegria de transformar vidas. O serviço de colocar o nosso conhecimento ao serviço dos outros. O desafio diário de interagir com vidas reais com quem aprendemos.

Muito obrigada!