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Desenvolvimento Profissional dos Educadores e dos Professores – É possível conciliar a supervisão e a avaliação de desempenho?
Amélia de Jesus
Marchão Entre várias conceções possíveis, podemos entender a supervisão como um instrumento de formação, inovação e mudança, que se situa num determinado contexto, através de um processo de desenvolvimento e de (re)qualificação e que envolve, pelo menos, dois sujeitos – supervisor e supervisado. É, pois, um processo em que uma pessoa mais experiente [e bem informada] orienta alguém no desenvolvimento humano, educacional e profissional, numa atitude de monitorização sistemática da prática, sobretudo, através de procedimentos de reflexão e de experimentação (Alarcão & Tavares, 2010; Vieira 1993). Visa o desenvolvimento de competências no sujeito e deve promover neste uma atitude de confiança e de responsabilidade pela qualidade do seu desempenho. De entre muitas ideias plasmadas na literatura específica sobre o tema, podemos inferir a validade da supervisão enquanto processo de desenvolvimento profissional associado ao processo de desenvolvimento humano e de apoio à formação com um caráter sistemático e de monitorização da prática com referência aos meios que a suportam como processo (reflexão-experimentação-reflexão). Nesse sentido, a supervisão, como meio de formação, pretende apoiar a aprendizagem profissional contínua que envolve as pessoas, os seus saberes, as suas funções e as suas realizações, com a consciência de que este processo não se encerra em si mesmo e se desenvolve através de meios adequados a cada sujeito/contexto. Nestas aceções sobre a supervisão estão implícitos alguns dos seus princípios epistemológicos que lhe conferem aplicabilidade prática:
Uma viagem pela teoria da supervisão permite-nos, analogamente, identificar as suas principais funções, sendo que estas, fundamentalmente, visam melhorar os processos instrutivos e de formação (o estilo do sujeito, a prática global do sujeito, …), desenvolver o potencial de aprendizagem do sujeito através de processos de questionamento e de reflexão situados em todas as fases da sua intervenção (planificação, ação, durante a ação e depois da ação), promover a capacidade da organização e criar ambientes de trabalho auto renováveis e de culturas de desenvolvimento profissional. Também os estudos e a investigação no campo da supervisão e o conhecimento sobre vários cenários possíveis da sua teorização e prática (clínico, psicopedagógico, ecológico, reflexivo, entre outros) apresentam-nos as suas principais tendências na atualidade:
Como nos diz Moreira (2009, p.253) as tendências supervisivas, na hodiernidade, deslocam-se para uma conceção democrática que realça a importância da reflexão e aprendizagem colaborativa e horizontal, perspetivando o desenvolvimento de mecanismos que possibilitem a auto supervisão e a auto aprendizagem e a capacidade de gerar, gerir e partilhar o conhecimento, “visando a criação e sustentação de ambientes promotores da construção, sustentação e desenvolvimento da autonomia profissional (…)”. A mesma autora refere, a propósito, a função da supervisão como instrumento de transformação dos sujeitos e das suas práticas com implicações nos contextos (i)mediatos da sua ação profissional, ou seja como instrumento de desenvolvimento conjunto da comunidade educativa-escolar[1]. Como entendemos que a avaliação do desempenho dos docentes deve acentuar a sua mobilização e motivação para melhorar a sua profissionalidade[2] e a consequente (re)construção de competências para tornar mais eficaz o processo de ensinar e de fazer aprender, será possível equacionar nos pressupostos que atrás expusemos, a prática da supervisão quando muitos intuem que à avaliação de desempenho estão apenas associados fatores como a melhoria das estatísticas escolares, ou o controlo dos docentes, ou a gestão da sua carreira aliada a fatores puramente economicistas? Se a avaliação de desempenho tiver como primeira função o desenvolvimento profissional dos professores e se cumprir objetivos primordialmente formativos, a prática da supervisão pode equacionar-se como uma das principais estratégias a promover nas escolas, pois não deixará de cumprir também um dos outros âmbitos da avaliação – “o certo é que a avaliação deve servir, quer para as tomadas de decisão relativas à progressão e promoção na carreira, funcionando como elemento de discriminação do desempenho, quer para o reforço do desenvolvimento profissional” (Pacheco & Flores, 1999, p.177). No entanto, se a função formativa for subalternizada por uma função apenas classificativa pode determinar uma visão não de apoio, própria dos processos de supervisão, mas hierárquica e autoritária, apenas de avaliação/inspecção em que as relações interpessoais na escola podem acabar por ser afetadas. No atual quadro legal, a avaliação de desempenho objetiva a melhoria da qualidade do serviço educativo e das aprendizagens dos alunos e, similarmente, objetiva a valorização e desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes, mediante acompanhamento e supervisão da prática pedagógica, no panorama de um sistema de reconhecimento do mérito e da excelência (Decreto Regulamentar n.º 2/2010). Então como conciliar a supervisão e a avaliação percebendo que uma e outra podem tender a cumprir objetivos distintos? Vejamos, recorrendo a Nolan & Hoover (2005), citados por Moreira (2009):
Ilustração SEQ Ilustração \* ARABIC 1: Supervisão e avaliação: o que as distingue (adaptado de Moreira, op.cit., p.252) Atentando no quadro que Moreira nos apresenta verificamos que as finalidades da supervisão e da avaliação são distintas. Enquanto a primeira pretende o desenvolvimento profissional do professor, a segunda visa a formulação de valores sobre a sua competência, certificando-a e promovendo a sua progressão na carreira. Mas ainda assim, serão inconciliáveis? No contexto da legislação portuguesa são os relatores, professores designados para o efeito, mas não deixando de ser pares, a cumprir a missão de supervisão e ao mesmo tempo de avaliadores. Serão essas funções compatíveis e desenvolvidas nos padrões específicos dos quadros supervisivos? À luz do quadro apresentado e como nos salienta a mesma autora (op.cit., p.253), “a legislação atribui à mesma pessoa funções (quase) irreconciliáveis”. Ora, tratando-se de um processo supervisivo interpares, a desenvolver no contexto da avaliação de desempenho, a sua principal função deve acentuar a melhoria da atividade profissional, com um caráter eminentemente formativo e promotor de maior competência e conhecimento profissional Por isso, esta prática de supervisão interpares “só pode assumir-se como prática de emancipação pessoal e de transformação social quando se coloca ao serviço de algo que transcende as lógicas e interesses individuais e toma como objeto principal a mudança coletiva, promovendo o questionamento e a intervenção sobre os aspetos históricos, intelectuais e morais do papel do professor na arena social e educativa alargada (Smyth, 1995)” (Moreira, op.cit., p.254). Exercer as funções de supervisor interpares, no contexto da avaliação de desempenho, requer a instauração de princípios éticos em todo o processo: assumir a transparência e objetividade e fomentar a confiança mútua. Só assim se poderá assumir a supervisão também como negociação entre avaliador e avaliado. A temporalidade e (i)regularidade atribuídas à função do relator podem não ser suficientes para que os propósitos da supervisão sejam cumpridos: “Proceder à observação de aulas, sempre que a ela haja lugar, efetuar o respetivo registo e partilhar com o avaliado, numa perspetiva formativa, a sua apreciação sobre as aulas observadas” (alínea b. do Artigo 14.º do Decreto Regulamentar n.º 2/2010). Exercer a supervisão, ajudando a promover e a emancipar o professor para o seu próprio desenvolvimento profissional, requer mais do que uma intervenção circunstanciada e, sobretudo, reclama a especificidade do conhecimento supervisivo nas suas principais dimensões: na área da supervisão propriamente dita; na área da observação e na área da didática. Num processo de supervisão-avaliação é necessária a corresponsabilização no processo avaliativo e um diálogo permanente numa perspetiva auto e hetero reflexiva que permita a evolução do professor avaliado, a melhoria e mudança de práticas, a qualidade e eficácia do contexto de ensino-aprendizagem, o desenvolvimento profissional e o estabelecimento de um ciclo reflexivo de supervisão que seja dinâmico e colaborativo. Ora, seguindo o pensamento de Alarcão & Tavares (2010) um ciclo de supervisão inclui quatro fases:
A estas quatro fases, numa situação intrínseca ao próprio ciclo, sucede, invariavelmente, a análise e avaliação do processo realizado bem como dos efeitos obtidos (balanço/avaliação do próprio processo desenvolvido). Como dizem Alarcão & Roldão (2008) é necessário que a supervisão promova ambientes de construção e de desenvolvimento profissional, em progressivo desenvolvimento da autonomia profissional. É similarmente necessário que a supervisão cumpra as suas funções de apoiar e não de regrar. A prática da supervisão não pode limitar-se a inspecionar ou a verificar o que o professor faz na sua prática letiva; não pode desligar-se da sua vertente fundamentalmente formativa para assumir uma função corretiva ou classificativa; não pode ser controlo ou imposição. Correm-se estes riscos quando a observação de aulas, por exemplo, ocorre em número de vezes diminuto ou se apenas tem em vista uma função de verificação ou de classificação. Também a formação do supervisor não pode ser descurada e o mesmo deve evidenciar características tais como a perícia, a experiência, a aceitabilidade e a formação. Mosher & Purpel (1972), referidos por Alarcão & Tavares (2010), identificam seis áreas de características que o supervisor deve manifestar:
A empatia, o positivismo e a paciência são também características do supervisor. Alarcão e Tavares (op. cit.) reconhecem ainda a existência de características menos gerais. A capacidade de prestar atenção e o saber escutar são consideradas fundamentais pela maioria dos investigadores, mas salienta-se também a capacidade de compreender, de manifestar uma atitude de resposta adequada, de integrar as perspetivas dos supervisados, de buscar a clarificação de sentidos e a construção de uma linguagem comum, de comunicar verbal e não verbalmente, de parafrasear e interpretar, de cooperar, de interrogar. Perante o que vimos assumindo, no atual modelo de avaliação de desempenho, o exercício da supervisão pode ficar comprometido se as funções do supervisor/relator assumirem uma vertente de classificação ou de medição das competências do professor no planeamento e desenvolvimento da prática letiva, ao invés de assumirem uma vertente de sugestão, critica, informação ou encorajamento. Também, sendo pares entre pares, a contestação e o desafio à sua ação, inevitavelmente, poderão sempre acontecer, sobretudo quando se lhe puderem apontar lacunas nos seus conhecimentos científicos e práticos no âmbito da supervisão e da avaliação ou quando não se lhe reconheça competência e estatuto construído no âmbito da sua profissionalidade. Bibliografia de apoio: ALARCÃO, I. & ROLDÃO, M. C. (2008). “Supervisão. Um contexto de desenvolvimento profissional dos professores”. Mangualde. Edições Pedago. ALARCÃO, I. &. TAVARES, J. (2010). Supervisão da prática Pedagógica. Uma perspetiva de desenvolvimento e aprendizagem. Coimbra: Almedina. ALARCÃO, I. (1996). “Formação Reflexiva de professores. Estratégias de supervisão”. Porto. Porto Editora. ALARCÃO, I. (Ed.). (1995). “Supervisão de Professores e Inovação Educacional”. Aveiro. Cidine. ALARCÃO, I. (Org.). (2000). “Escola Reflexiva e Supervisão. Uma escola em desenvolvimento e aprendizagem”. Porto. Porto Editora GLICKMAN, C. D. (1985). Supervision of Instruction. A developmental approach. Boston: Allyn and Bacon. MARCHÃO, A. (2010). “Supervisão uma breve abordagem”. Texto produzido para os estudantes do curso de licenciatura e de mestrado em Formação de Adultos e Desenvolvimento Local da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Portalegre, Unidade Curricular de Metodologias de Observação e de Análise de Situações de Formação. (Texto não editado). MARCHÃO, A. (2011). “Supervisão é…”. Texto produzido para os estudantes do curso de licenciatura e de mestrado em Formação de Adultos e Desenvolvimento Local da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Portalegre, Unidade Curricular de Metodologias de Observação e de Análise de Situações de Formação. (Texto não editado). MOREIRA, M. A. (2009). “A avaliação do (des)empenho docente: perspetivas da supervisão pedagógica”. In, VIEIRA, F. et.al (Orgs). (2009). “Pedagogia para a Autonomia: reconstruir a esperança na educação: Atas do Encontro do Grupo de Trabalho – Pedagogia para a Autonomia”. OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. (Org.). (2002). “A Supervisão na Formação de Professores I. Da sala à escola”. Porto. Porto Editora. OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. (Org.). (2002). “A Supervisão na Formação de Professores II. Da organização à pessoa”. Porto. Porto Editora. PACHECO, J. & FLORES, M. A. (1999). “Formação e Avaliação de Professores”. Porto. Porto Editora. V VIEIRA, F. (1993). “Supervisão. Uma prática reflexiva de formação de professores”. Rio Tinto, Edições Asa. Legislação: Decreto Regulamentar n. 2/2010 de 23 de junho.
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